O Estado de São Paulo, n. 45234, 22/08/2017. Política, p.A4
A proposta que cria um fundo público bilionário para financiar campanhas eleitorais em 2018 enfrenta resistência e terá dificuldade para ser aprovada no Congresso, avaliaram ontem participantes do “Fórum Estadão – Reforma Política em Debate”, evento realizado pelo Estado. Parlamentares, entre eles o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), o presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Gilmar Mendes, e cientistas políticos indicaram que a retomada do financiamento empresarial se tornou uma alternativa à reserva composta majoritariamente por recursos públicos. Para Maia, “o melhor que a Câmara tem a fazer” é aprovar a criação do fundo sem vinculá-lo à Receita Corrente Líquida e determinar como ele será abastecido. “E esperar para ver se o Senado vota a PEC do financiamento privado (de pessoas jurídicas). Seria mais transparente do que estarmos em silêncio sobre esse tema.”
O senador Ricardo Ferraço (PSDB-ES) e o deputado Vicente Cândido (PT-SP), relatores de propostas para alterar o sistema eleitoral nas próximas eleições, admitiram que a discussão no Congresso tem como pano de fundo o interesse dos parlamentares em preservarem seus próprios mandatos. “A única coisa que unifica o Congresso é a vontade de se reeleger”, disse Cândido. “A reforma política está sendo feita para atender aos interesses da reeleição”, afirmou Ferraço. Outro ponto polêmico do texto aprovado na comissão especial da Câmara, o chamado distritão foi alvo de críticas dos cientistas políticos. A avaliação mais comum é de que a proposta que transforma as eleições proporcionais em majoritárias nos Estados e municípios – que passam a ser considerados distritos – enfraquece os partidos políticos, diminui a representatividade popular e aumenta o “personalismo” nas eleições.
Propostas. O presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), discursa no ‘Fórum Estadão – Reforma Política em Debate’
O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) e presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Gilmar Mendes, disse ontem que é necessário buscar recursos para financiar as eleições. “Temos que discutir o custeio da democracia. Se colocarmos num plebiscito, vamos ter a resposta de que não se quer fundo público nem corporativo. Então como fica?”, afirmou.
Crítico da proibição do financiamento empresarial pelo STF, Gilmar disse que o Judiciário tem contribuído para tornar o modelo de financiamento de campanha “ainda mais confuso”. “Quando se faz reforma no Legislativo, elas são mais completas. Quando fazemos as nossas, nós o fazemos de maneira pontual, como fizemos com a cláusula de barreira (rejeitada pelo Supremo) ou quando só tratamos do financiamento (veto da doação empresarial), dissociado do modelo eleitoral”, disse.
Gilmar se referiu à decisão do STF que, em 2015, declarou inconstitucional o recebimento de recursos empresariais por partidos. O ministro apontou suspeitas nas doações de pessoas físicas a candidatos nas eleições de 2016 para reforçar a defesa de sua tese. Segundo ele, dos cerca de 700 mil doadores individuais nas eleições municipais, aproximadamente 300 mil não tinham renda compatível para as contribuições.
PEC. Ao admitir ontem que o fundo público sofre resistência no Congresso, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), afirmou que a Casa deve levar em consideração a PEC 113C/2015 do Senado que discute o retorno das doações empresariais às campanhas políticas. “Não consigo encontrar condições, pelas discussões que tive com a equipe econômica nas últimas semanas sobre a situação fiscal do Brasil, de organizar R$ 3 bilhões para financiar a campanha”, criticou.
A proposta do deputado Vicente Cândido (PT-SP) aprovada na comissão especial da Câmara previa a criação de um fundo público para abastecer campanhas. O valor dessa conta seria correspondente a 0,5% da Receita Corrente Líquida da União – para 2018, a quantia prevista é de R$ 3,6 bilhões. É esta a proposta que deve ser votada hoje no plenário da Câmara.
O senador Ricardo Ferraço (PSDB-ES) afirmou que o fundo partidário de R$ 3,6 bilhões “já nasceu morto”. Se for aprovado na Câmara dos Deputados, o Senado vai barrar sua criação, disse o tucano.
O deputado Lelo Coimbra (PMDB-ES) afirmou ter “certeza” de que a proposta não será aprovada na Câmara.
O cientista político Luiz Felipe d’Avila, do Centro de Liderança Pública (CLP), parceiro do evento do Estado, defendeu o financiamento de campanha eleitoral pela iniciativa privada. “O cidadão não aguenta mais pagar imposto e ver o dinheiro que deveria ir para saúde e educação ir para política. Erramos ao demonizar o financiamento privado de campanha. Precisamos ter um financiamento privado com regras rigorosas”, afirmou d’Avila. / ALEXANDRA MARTINS e IGOR GADELHA
Financiamento. ‘Temos de discutir o custeio da democracia’, afirma Gilmar Mendes