O Estado de São Paulo, n. 45235, 23/08/2017. Política , p.A6

 

Funaro fecha acordo de delação premiada 

Corretor assina colaboração com a Procuradoria-Geral da República e se compromete a detalhar pagamentos de propinas ao PMDB

Por: Fabio Serapião / Beatriz Bulla / Fábio Fabrini

 

Fabio Serapião

Beatriz Bulla

Fábio Fabrini / BRASÍLIA

 

O corretor Lúcio Funaro assinou ontem acordo de colaboração premiada com a Procuradoria-Geral da República no qual vai detalhar sua atuação como operador financeiro do PMDB da Câmara. O grupo político, liderado pelo presidente Michel Temer, tem como principais integrantes os atuais ministros Eliseu Padilha (Casa Civil) e Moreira Franco (Secretaria-Geral), os ex-ministros Geddel Vieira Lima e Henrique Eduardo Alves, além do deputado cassado Eduardo Cunha (PMDBRJ), preso em Curitiba por ordem do juiz Sérgio Moro.

As revelações de Funaro devem ser usadas nas denúncias contra Temer que o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, pode apresentar antes de deixar o cargo, em 17 de setembro. Denunciado por corrupção passiva – processo que a Câmara rejeitou –, o presidente é investigado ainda em inquéritos que apuram crimes de obstrução da Justiça e organização criminosa. Nos dois casos, Funaro disse que pode contribuir com informações.

Procurados, o Palácio do Planalto, a J&F e a defesa de Cunha informaram que não vão se manifestar. A defesa de Geddel não respondeu.

Os temas dos anexos entregues por Funaro foram aceitos por Janot. A partir de agora, o operador inicia uma rodada de depoimentos aos procuradores da Lava Jato. Ontem, o corretor passou a tarde e o início da noite na sede da Procuradoria-Geral da República. Para facilitar a logística, o corretor novamente deixou o Complexo Penitenciário da Papuda e está na Superintendência da Polícia Federal.

 

Conversa. Funaro chegou à PF anteontem. Passou a tarde conversando com a equipe do advogado Antônio Figueiredo Basto, responsável pela negociação que durou mais de dois meses. Recebeu a visita do delegado Marlon Cajado, responsável pela investigação da Operação Patmos, desdobramento da delação de executivos do Grupo J&F. Os dois saíram em uma viatura da PF com destino à Procuradoria-Geral da República, onde foi realizada a última conversa na qual o conteúdo do acordo e os termos foram fechados.

A conversa na Procuradoria anteontem terminou depois da 0h30. Como Funaro e os procuradores modificaram algumas cláusulas do acordo, a assinatura foi adiada para ontem. À tarde, Funaro chegou a se dirigir à Justiça Federal em Brasília onde teria uma audiência da ação penal da Operação Sépsis, na qual foi preso em julho de 2016.

No local, Funaro e seu advogado, Bruno Espiñeira, informaram ao juiz Vallisney de Souza Oliveira o compromisso agendado para assinatura do acordo na Procuradoria. Por volta das 13h25 o corretor seguiu para PGR, onde assinou a delação.

 

Temas. Funaro deve relatar aos investigadores como o PMDB da Câmara atuava em órgãos públicos sob o controle de seus integrantes. O corretor foi alvo de duas operações, a Sépsis e a Cui Bono?. A primeira apura sua atuação no Fundo de Investimento do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço, o FIFGTS, e a segunda mira em sua influência na vice-presidência de Pessoa Jurídica da Caixa durante a gestão de Geddel.

Estão na mira das investigações grupos econômicos como a holding J&F dos irmãos Joesley e Wesley Batista.

Só do Grupo J&F, segundo planilha entregue por Joesley Batista em sua delação, Funaro recebeu cerca de R$ 170 milhões nos últimos 12 anos. À Lava Jato, o corretor deve citar quais políticos participaram dos esquemas que resultaram nesses pagamentos.

Outro tema a ser abordado será a veracidade das afirmações de Joesley a Temer em conversa gravada pelo empresário no Palácio do Jaburu. Joesley disse que continuou efetuando pagamentos ao corretor mesmo após sua prisão para evitar que ele partisse para uma delação.

“O Funaro é o operador financeiro do Eduardo do esquema PMDB da Câmara, composto pelo presidente Michel (Temer), Eduardo, enfim, e alguns outros membros”, disse Joesley em seu acordo. “Ele (Funaro) sempre dizia: ‘Eu falo em nome do Eduardo e Eduardo é da turma do Michel’”, afirmou o empresário.

 

Impacto

Auxiliares do presidente Michel Temer tentaram minimizar o estrago no governo da delação do corretor Lúcio Funaro, mas destacaram que é preciso esperar o teor do acordo para avaliar o possível impacto.

 

Colaboração da J&F

“O Funaro é o operador financeiro do Eduardo (Cunha) do esquema do PMDB da Câmara, composto pelo presidente Michel (Temer), Eduardo, enfim, e alguns outros membros.”

 

“Ele (Funaro) sempre dizia: ‘Eu falo em nome de Eduardo e Eduardo é da turma do Michel’.”

Joesley Batista

DONO DA J&F E DELATOR

 

 

 

 

Troféu para Janot

Por: Eliane Cantanhêde

 

ANÁLISE : Eliane Cantanhêde

 

Vai começar tudo de novo? Essa é a pergunta que não quer calar em Brasília desde ontem, depois que o “corretor” Lúcio Funaro assinou acordo de delação premiada com a Procuradoria-Geral da República, onde o chefe Rodrigo Janot, que deixa o cargo em 17 de setembro, é acusado por governistas de “perseguir” o presidente Michel Temer.

Como Funaro era o “operador” do PMDB na Caixa, Temer volta ao centro das atenções – e das tensões políticas que tanto refletem na economia – poucas semanas depois do desgastante julgamento na Câmara para se livrar (por ora) da denúncia da PGR por corrupção passiva.

Funaro, dono de informações privilegiadas de quem participou de tudo isso por dentro, travou uma espécie de corrida de obstáculos contra o ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha para ver quem conquistaria primeiro o acordo de delação e suas benesses. Nos dois casos, o alvo central foi Temer.

Desde o início, Funaro correu na frente de Cunha, que também está preso. O “operador” é considerado mais vulnerável e suscetível a relatar a participação de Temer e o funcionamento do esquema, enquanto a força-tarefa sempre torceu o nariz para as versões de Cunha e para a possibilidade de amenizar sua pena.

“Ele não quer fazer delação, quer fazer manipulação”, resumiu um representante da Lava Jato, acusando Cunha de mentir, dissimular e tentar aproveitar a delação como moeda de troca, perseguindo adversários e favorecendo aliados – os poucos que lhe restam.

Além do próprio Temer, é o seu governo quem entra no foco com a delação de Funaro, porque o PMDB da Câmara inclui Cunha, os ministros Eliseu Padilha e Moreira Franco e os ex-ministros Henrique Eduardo Alves, que está preso, e Geddel Vieira Lima, em prisão domiciliar.

É com base nesse grupo e nesses nomes que Janot sonha e trabalha há meses com a possibilidade de apresentar duas novas denúncias contra Temer: por organização criminosa e obstrução da Justiça. Depois de Joesley Batista, da JBS, Funaro tende a ser mais um algoz de Temer e mais um troféu para Janot nos seus derradeiros dias na PGR.