O globo, n.30757 , 22/10/2017. PAÍS, p.5

CÔRTES ADMITE PROPINA PELA PRIMEIRA VEZ

CHICO OTAVIO

MIGUEL CABALLERO

 

 

Ex-secretário diz que falsificou assinatura de sua mulher, dona de conta na Suíça que recebeu US$ 6 milhões

Em depoimento à Lava-Jato, Sérgio Côrtes, que foi secretário de Saúde no governo Cabral, admitiu ter recebido propina de empresário. Houve repasse de US$ 6 milhões para a mulher dele na Suíça. Em depoimento à força-tarefa da LavaJato no Rio, o ex-secretário estadual de Saúde Sérgio Côrtes, preso preventivamente desde abril, admitiu pela primeira vez ter recebido propina do empresário Miguel Iskin, apontado como o corruptor do esquema na pasta revelado pela operação Fatura Exposta. A admissão de Côrtes ocorreu no dia 10 de agosto, em depoimento numa investigação do Ministério Público Federal (MPF) sobre uma conta na Suíça pertencente a Verônica Vianna, sua mulher, que, em 2011, recebeu um depósito de US$ 6 milhões de Iskin.

O caso também revela a relação de Benedicto Júnior, ex-presidente da Odebrecht Infraestrutura e que comandava o chamado “departamento de propina” da empreiteira, com os personagens do esquema de corrupção na área de Saúde no Rio. Benedicto recebeu US$ 75 mil de Miguel Iskin, dinheiro saído de sua conta chamada “Avalena” no Crédit Agricole, da Suíça. É a mesma dos US$ 6 milhões transferidos para a conta de Verônica Vianna, titular da offshore Casius, com uma conta no mesmo banco. Iskin é acusado de subornar Côrtes para obter vantagens em contratos de compra de equipamentos hospitalares pela secretaria estadual de Saúde do Rio na gestão do ex-governador Sérgio Cabral.

Alvo da investigação, Verônica Vianna deu sua versão aos procuradores alegando inocência. Em depoimento, afirmou desconhecer a existência da conta em seu nome e disse que assinou o documento de abertura da conta a pedido do marido, que lhe teria dito ser um papel para a criação de um cartão de crédito internacional. Côrtes repetiu aos procuradores a história contada pela mulher e foi além: afirmou que ele próprio falsificou a assinatura de Verônica para encerrar a conta na Suíça, abrir outra nas Bahamas e transferir para lá o dinheiro, o que ocorreu em janeiro de 2016. No pedido de cooperação com a Suíça para levantar o histórico da conta, os procuradores afirmam que “não se afigura crível” a versão contada por Côrtes e sua mulher.

O registro de transferências a partir da conta de Verônica Vianna demonstra a ligação de Côrtes com a Odebrecht. Dos US$ 6 milhões depositados por Miguel Iskin em 2011, US$ 1,4 milhão é transferido, em 2013, para a Sigma Investment Fund, uma offshore da Odebrecht usada para pagar propinas, segundo o MPF. Por fim, o saldo de U$ 4,3 milhões é transferido para as Bahamas — em conta aberta pela assinatura supostamente falsificada de Verônica Vianna — e, em julho de 2017, foi repatriado e depositado em uma conta da Justiça Federal na Caixa Econômica Federal (CEF).

A defesa de Côrtes afirma que essa repatriação faz parte da linha adotada pelo ex-secretário para colaborar com a Justiça — em documento dirigido à força-tarefa, os advogados de Côrtes chegam a pedir a abertura da investigação, para tentar provar que Verônica Vianna foi enganada pelo próprio marido. Os procuradores da Lava-Jato no Rio, porém, acreditam que o casal pressentiu a aproximação das investigações da conta de Verônica e resolveu se antecipar, devolvendo o dinheiro.

Nesse ponto, é importante a cronologia dos fatos. Em 13 de julho de 2017, Benedicto Júnior é convocado pela força-tarefa a prestar esclarecimentos — com acordo de delação homologado, ele é obrigado a colaborar sempre que solicitado. O executivo contou que recebeu US$ 75 mil de Miguel Iskin, a título do aluguel, por um ano, de sua mansão em Mangaratiba, e informou ao MPF o nome da conta do empresário no Crédit Agricole: Avalena. É a mesma de onde saíram os US$ 6 milhões para a conta de Verônica Vianna. Comprovar esse movimento seria o próximo passo da investigação da Lava-Jato.

Duas semanas depois do depoimento de Benedicto, em 27 de julho, o dinheiro da conta de Verônica foi repatriado e entregue à Justiça. Benedicto Júnior e Sérgio Côrtes são amigos. Além de vizinhos no condomínio Portobello, em Mangaratiba, onde também tem casa o ex-governador Sérgio Cabral, há ainda um elo comercial entre os dois. Da mesma offshore Casius, de Verônica, consta uma transferência de US$ 167 mil para a conta de Benedicto Júnior no mesmo banco. Segundo o depoimento de Côrtes, o depósito era o pagamento de dívidas suas com o executivo da Odebrecht, referentes a viagens feitas em conjunto e a itens como ingressos para a Copa do Mundo de 2014 e compra de vinhos importados.

 

DINHEIRO PARA CANDIDATURA

Ao confessar ter recebido os US$ 6 milhões de Iskin na conta de sua mulher, Sérgio Côrtes afirmou aos procuradores que o dinheiro serviria para financiar uma possível candidatura sua a cargo político — o que nunca aconteceu. O exsecretário afirmou que, durante seu período comandando a Saúde do Rio, Iskin “insistia para que ele recebesse vantagens indevidas” nos contratos da pasta. E que Iskin e Sérgio Cabral sugeriam que ele se candidatasse politicamente.

O advogado Rafael Kullmann, que defende Côrtes e Vianna, diz que o ex-secretário está decidido a colaborar com a Justiça e que a investigação provará que sua mulher não sabia da conta na Suíça.

— Essa investigação existe porque o Sérgio repatriou o dinheiro e pediu que fosse aberta, até para provar que a Verônica não tem culpa. Ela tinha confiança total nele, não sabia de nada — afirmou Kullmann.

Já a defesa de Miguel Iskin diz que o empresário esclarecerá esse caso em seu próximo depoimento à Justiça, marcado para 8 de novembro. Os advogados negam que tenha havido pagamento direto a Benedicto Júnior no exterior.