O globo, n.30844 , 17/01/2018. ARTIGO, p. 13

A deforma tributária

GABRIEL QUINTANILHA

CHRISTIANE ROMÊO

 

 

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É indiscutível que o sistema tributário brasileiro é um dos mais complexos do mundo. O gasto de tempo e dinheiro com obrigações acessórias é exorbitante e não para de crescer: E-social, E-financeiro e a novíssima DME (Declaração de Operações Liquidadas com Moeda em Espécie), dentre outras, que impactam no custo de operações nas empresas.

O sistema ainda fomenta uma competitividade predatória entre os entes federados, que reduzem tributos para atrair empresas a seus territórios. Como se não bastasse, nosso sistema é regressivo, no qual os mais pobres suportam com maior intensidade a carga tributária.

Em vista do cenário caótico, a União busca uma reforma tributária que simplifique o sistema, mas, infelizmente, a proposta que tramita no Congresso não atingirá o objetivo a que é destinada.

Primeiramente, tal reforma fere frontalmente o sistema de atribuição constitucional de competências e o pacto federativo, ao passo que federaliza diversos tributos, deixando estados e municípios com menor arrecadação tributária e reduzindo sua competência tributária.

Muitas são as alterações sugeridas pela PEC. Em ordem de importância, a primeira alteração seria a criação de um Imposto sobre Valor Adicionado (IVA-F), com a extinção de cinco tributos federais: Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (Cofins); a contribuição para o Programa de Integração Social (PIS); a Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico (Cide), incidente sobre a importação e a comercialização de combustíveis; e a contribuição social do salário-educação. Por óbvio que a redução da quantidade de tributos terá como efeito a simplificação do sistema, mas estaremos diante de um importante retrocesso com relação às fontes de custeio do bem-estar social. Isso porque as contribuições, que têm como característica principal a destinação da receita, darão lugar a imposto, colocando em risco o custeio da seguridade social e do mínimo existencial.

Uma segunda alteração proposta tem o mesmo efeito, que é a incorporação da Contribuição Social do Lucro Líquido (CSLL) ao Imposto de Renda das Pessoas Jurídicas (IRPJ). Resta claro que a existência de ambos os tributos é um estorvo fiscal, mas são espécies tributárias distintas, pois a contribuição é destinada a um objeto específico legalmente instituído, e o imposto é arrecadado apenas para fazer face às despesas públicas sem qualquer vinculação a uma atividade estatal. Em suma, a alteração “engorda” a arrecadação sem necessariamente estar destinada a uma finalidade social, impactando no orçamento da seguridade social, que perde fonte de arrecadação.

Como se não bastasse, a legislação do ICMS seria unificada por meio de lei única nacional, e não mais por 27 leis das unidades da Federação, retirando a atribuição dos Estados e ferindo o pacto federativo.

O cerne do problema não foi resolvido. Não há uma desoneração de tributos ou uma centralização da carga sobre os mais ricos, sendo necessária, portanto, uma reforma da reforma.

 

*Gabriel Quintanilha é professor da Fundação Getulio Vargas, e Christiane Romêo é professora do Ibmec