O globo, n.30844 , 17/01/2018. ECONOMIA, p.15

TEMER AFASTA EXECUTIVOS DA CAIXA

GABRIELA VALENTE

DANIEL GULLINO

LETÍCIA FERNANDES

 

 

Pressionado, presidente determina saída temporária de 4 vice-presidentes do banco

Após passar dias fincando a posição de que não cederia ao apelo do Ministério Público Federal para que diretores da Caixa suspeitos de irregularidades fossem afastados, o Palácio do Planalto se viu obrigado ontem a recuar e anunciou que quatro diretores da instituição ficarão 15 dias fora de seus cargos para prestar esclarecimentos. O assunto, ao qual vinha sendo dada pouca importância, se tornou uma crise dentro do governo após o próprio Banco Central recomendar, no meio da tarde, o afastamento dos investigados.

Por trás do imbróglio está um documento produzido pelo escritório Pinheiro Neto, e divulgado pelo GLOBO na semana passada, que cita o próprio presidente Michel Temer e alguns dos ministros mais importantes de seu governo, como Moreira Franco (Secretaria-Geral da Presidência) e o ex-ministro Geddel Vieira Lima. O escritório foi contratado pela Caixa, por determinação do Conselho de Administração, para realizar uma auditoria independente em relação às denúncias envolvendo vice-presidentes da instituição.

O presidente Michel Temer aparece em depoimentos de ao menos dois vicepresidentes no relatório de investigação interna da Caixa. Quando era vice-presidente, teria enviado e-mail no dia 28 de outubro de 2015 para indicar um nome como superintendente regional de Ribeirão Preto. Roberto Derziê de Sant’Anna, vice-presidente de Governo na Caixa, teria encaminhado o pedido. Derziê já foi secretário executivo de Temer em 2015 na Secretaria de Relações Institucionais. O executivo afirmou ainda que o presidente percebeu sua utilidade em termos de “gestão dos repasses nas emendas parlamentares”. De acordo com o texto do relatório, Derziê e Moreira Franco têm relação de proximidade e, por vezes, o executivo da Caixa recebeu pedidos do ministro, inclusive em relação ao fornecimento de informações sobre o status de operações em trâmite na Caixa. Quando testemunhou, Derziê disse que não passou os dados.

 

TEMER NÃO DEVE INDICAR MAIS EXECUTIVOS

O relatório cita a possível interferência do ex-deputado Eduardo Cunha sobre Antonio Carlos Ferreira, vice-presidente corporativo. Segundo o “Jornal Nacional”, Ferreira disse ter contado o ocorrido ao então presidente do banco, Jorge Hereda, e que este teria sugerido que ele procurasse Michel Temer, que era vice-presidente à época. De acordo com o “JN”, Temer teria dito para Ferreira “continuar trabalhando” porque Cunha seria um deputado “controverso” e disse que estava recebendo ligações de Cunha naquele exato momento. Ontem, o Palácio do Planalto disse que, ao ser informado da situação por Ferreira, o presidente “tranquilizou” Ferreira para que mantivesse seu comportamento inalterado.

A turbulência no meio político foi tão grande ontem que antecipou uma mudança estrutural no banco público. Uma assembleia do Conselho de Administração foi convocada para sexta-feira. Segundo fontes ouvidas pelo GLOBO, ela deve aprovar que a prerrogativa de escolher os vicepresidentes da instituição deixe de ser do presidente da República e passe a ser do presidente do conselho. Os executivos que saíram são ligados a legendas importantes, como o PMDB, o PP e o PRB. Com a mudança, Temer evitaria se indispor com partidos da base antes da reforma da Previdência.

A crise com a Caixa começou em dezembro, quando o MPF recomendou o afastamento de todos os 12 vice-presidentes do banco com base em informações disponíveis de quatro operações da Polícia Federal que envolvem diretamente a Caixa: Cui Bono, Sépsis, A Origem e Patmos. Na época, o governo ignorou o pedido da Procuradoria. O mal-estar aumentou quando os procuradores deram prazo, ontem, para o presidente se manifestar. Temer teria até o dia 26 de fevereiro para decidir se aceitaria a recomendação de afastamento dos investigados. Se não aceitasse e surgissem novos indícios contra os investigados, Temer seria responsabilizado na Justiça.

A permanência dos executivos se tornou insustentável após um documento do Banco Central vir à tona no meio da tarde. Há uma semana, o diretor de Fiscalização do BC, Paulo Sérgio Neves de Souza, enviou um ofício à secretária do Tesouro, Ana Paula Vescovi, que também preside o Conselho de Administração da Caixa. No documento, ele disse que os órgãos de controle têm convicção de que a instituição passa por exposição a “riscos anormais” e recomendou o afastamento dos vice-presidentes investigados. E deu prazo de 30 dias para que a secretária respondesse sua recomendação. Ele também lembrou que executivos de bancos devem ser pessoas com reputações ilibadas, como prevê a legislação brasileira e o regulamento internacional de Basiléia.

Dada a manifestação do BC, o Palácio do Planalto teve de tomar uma posição. Decidiu soltar uma nota e informar que afastou os vice-presidentes. O comunicado publicado no início da noite foi corrigido meia hora depois, quando o Palácio do Planalto informou que afastara apenas quatro dos 12 executivos. Optou por escolher os investigados.

Foram afetados pela decisão Deusdina dos Reis Pereira (vice-presidente de Loterias), Roberto Derziê de Sant'Anna (vicepresidente de Governo), Antonio Carlos Ferreira (vice-presidente corporativo) e José Henrique Marques da Cruz (Clientes, Negócios e Transformação Digital). Teoricamente, o afastamento seria por 15 dias, para que eles se defendessem.

O presidente do Banco Central, Ilan Goldfajn, o presidente da Caixa, Gilberto Occhi, e o ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, se reuniram para discutir o caso. Meirelles defendeu o posicionamento de Temer de afastar apenas os quatro recomendados pelo BC e não todos, como queria originalmente o MPF.

— Os vice-presidentes que estão envolvidos nas investigações ou acusações do MP foram esses que foram afastados. A medida do presidente foi tomada em caráter de urgência.

 

ENTENDA O CASO

 

ANTÔNIO CARLOS FERREIRA.

O executivo já tinha sido citado na delação de Joesley Batista, dono da JBS, por ter pedido propina de R$ 6 milhões para ser repassada ao então ministro Marcos Pereira. O MP cita o fato de o próprio Ferreira ter contado que o ex-deputado Eduardo Cunha colocou condições para mantê-lo no cargo, como fornecer listas de operações acima de R$ 50 milhões para ajudar a “rentabilizar seu mandato”.

 

DEUSDINA DOS REIS PEREIRA.

A corregedoria da Caixa pegou e-mails trocados entre ela, Mauro Lemos e Carlos Eduardo Nonô, nos quais ela cobrava assumir posto no Conselho de Administração da Companhia Energética de Minas Gerais (Cemig) e insinuava troca de interesses diante de um empréstimo da Caixa.

 

ROBERTO DERZIÊ DE SANT’ANNA.

Aparece no relatório como próximo de Moreira Franco. Derziê teria recebido pedidos de informação do ministro sobre operações. Ele teria recebido também o nome de um indicado do presidente Michel Temer e encaminhado o pedido.

 

JOSÉ HENRIQUE MARQUES DA CRUZ.

Segundo relatório interno, mantinha contatos com Geddel e Cunha, que tinham interesse sobre as operações de Marfrig, Seara e J&F. Eles teriam pressionado para que fossem assinados documentos referentes à operação do grupo de Joesley.