Correio braziliense, n. 19863, 10/10/2017. Política, p. 02.

 

TSE avalia rever o autofinanciamento

Renato Souza

10/10/2017

 

 

PODER EM CRISE » Ministro Gilmar Mendes afirma que a Corte Eleitoral poderá definir um limite de recursos que possam ser injetados nas próprias campanhas. Pelo texto sancionado da reforma política, candidatos têm o direito de arcar até com 100% dos gastos

 

 

O impasse envolvendo a autodoação de campanha chega agora ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Após uma série de reviravoltas no Congresso, com deputados e senadores divergindo sobre as regras, um veto do presidente Michel Temer manteve o texto que valia antes das mudanças realizadas pelos parlamentares. Atualmente, de acordo com a legislação em vigor, os candidatos podem financiar 100% da campanha com recursos próprios. Em entrevista ao Correio, o presidente do TSE, ministro Gilmar Mendes, afirmou que a Corte pode definir um limite de recursos que podem ser injetados nas campanhas.

De acordo com Gilmar Mendes, o TSE pode se debruçar sobre o tema para preencher uma lacuna deixada pela nova legislação, que entrou em vigor no sábado. “Pela maneira que aprovaram, parece-me que não tem limites para essa autodoação. O que o TSE vai ter que decidir é se terá um limite para usar recursos na própria campanha. Já existe um limite para doar para campanhas de outros candidatos. A Corte vai analisar se esse teto também se aplica para quem doa para si mesmo”, destacou o ministro.

Ainda de acordo com Gilmar, o patrimônio individual poderá ser levado em consideração na hora de avaliar até onde uma campanha pode ser financiada pelo próprio candidato. “Todos que concorrem nas eleições precisam declarar o patrimônio para a Justiça Eleitoral. O TSE vai ter que decidir qual porcentagem desse patrimônio poderá ser usada em campanha. Por exemplo, se eu tenho 100, poderia doar até 10. Isso já ocorre em outros casos”, completa.

Inicialmente, a Câmara havia definido que apenas 7% do limite de gastos previstos em lei para cada cargo poderia ser financiado com recursos de quem estava concorrendo. No caso de cargos majoritários, esse limite seria de R$ 200 mil. Os deputados também vetaram um trecho do artigo 23 da Lei nº 9.504/97, que permitia aos candidatos financiamento total da campanha com recursos do próprio bolso. No entanto, os senadores derrubaram a limitação imposta pela Câmara e o veto ao financiamento total. Com isso, essa possibilidade deixou de ter previsão legal.

Para resolver o problema, o presidente Michel Temer derrubou o veto do Senado que impediu a Câmara de invalidar o financiamento total dos gastos com a campanha eleitoral. A decisão do presidente acabou beneficiando a classe política, pois os vetos permitiram que a norma antiga continue em vigor e não extinguiu qualquer limite para os financiamentos eleitorais. O deputado Carlos Zaratinni (PT-SP) criticou a falta de limites para os financiamentos. “Nós aprovamos um limite para a autodoação que foi derrubado pelo Senado. Em seguida, essa ação foi endossada pelo presidente Temer. Se o TSE decidir que é juridicamente possível definir uma norma para isso, nós seremos favoráveis”, disse o parlamentar.

 

“Censura”

Entre outras mudanças aprovadas pela reforma política, está um fundo eleitoral de R$ 1,7 bilhão. Temer vetou também um trecho que poderia estabelecer censura prévia na internet, pois permitia a retirada de conteúdos sem autorização judicial. Quanto ao autofinanciamento, o senador Fernando Bezerra (PMDB-PE), que foi relator da proposta, rejeita uma avaliação pela Corte Eleitoral. “Os vetos restabeleceram a legislação atual. Realmente não tem limite para financiar a campanha. Os limites são os que já existem por cargo. Mas não vejo como o TSE pode regulamentar, já existindo uma lei para definir. Os vetos apenas mantêm o que já estava previsto em lei”, argumenta.

A liberação para o autofinanciamento total de campanha beneficia principalmente candidatos mais afortunados. É o caso do atual prefeito de São Paulo, João Doria (PSDB). Nas eleições do ano passado, de acordo com dados do TSE, o tucano injetou mais de R$ 2,9 milhões na própria campanha.

A possibilidade de financiar os gastos eleitorais causou polêmica também entre autoridades responsáveis pelo combate à corrupção. O procurador Alan Mansur, diretor da Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR), afirma que a medida traz desigualdade entre os concorrentes a cargo político. “Os políticos que têm mais dinheiro serão beneficiados. O total de recursos injetados é que vai definir o pleito. Sem contar que a possibilidade de se autofinanciar dá mais oportunidade para lavagem de dinheiro, pois não será necessário usar laranjas e terceiros para cometer fraudes”, destaca.

 

Como ficou

» Inicialmente, a Câmara vetou o artigo 23, da Lei nº 9.504/97, a Lei das Eleições, que permitia o financiamento total da campanha com recursos do próprio candidato.

» Em seguida, os deputados criaram o limite de 7% para autodoações e definiram um teto de R$ 200 mil para cargos majoritários

» O Senado revogou o limite imposto pelo autofinanciamento de campanha. No entanto, os senadores não anularam a derrubada do artigo 23 da Lei Eleitoral, deixando esta possibilidade sem regulação alguma

» Como não poderia criar um artigo na lei aprovada pelo Congresso, o presidente Temer vetou a revogação do artigo 23 pela Câmara e manteve em vigor o texto original

» Atualmente, por conta dos vetos do Senado e do Planalto, é possível o financiamento de 100% da campanha pelo próprio candidato