O Estado de São Paulo, n. 45250, 07/09/2017. Política, p. A6.

Ex-ministro cita trama contra Lava-Jato

Fausto Macedo Ricardo Brandt Julia Affonso Luiz Vassallo

07/09/2017

 

 

Palocci afirma a Moro que discutiu ‘obstáculos’ para barrar operação; petista diz que alertou Lula sobre ‘ilícito monstruoso’ com Odebrecht

 

 

O ex-ministro Antonio Palocci afirmou ontem, em depoimento ao juiz federal Sérgio Moro, que ele e o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva tramaram para tentar atrapalhar as investigações da Operação Lava Jato. O petista foi ministro da Fazenda de Lula e chefe da Casa Civil no governo Dilma Rousseff.

As declarações de Palocci foram feitas no fim do interrogatório ao titular da 13.ª Vara Federal Criminal de Curitiba e dão pistas das informações que o petista tem a fornecer caso feche uma delação premiada com o Ministério Público Federal (MPF). O ex-ministro está preso desde setembro de 2016 e negocia um acordo de colaboração com a equipe da força-tarefa.

Palocci admitiu ao juiz tentativas de obstruir as investigações sobre o esquema de corrupção e desvios na Petrobrás. “Tentei ajudar que não andassem as investigações da Operação Lava Jato”, afirmou o ex-ministro dos governos petistas.

Moro quis saber então se essa manobra ocorreu “juntamente com o ex-presidente”. “Sim”, disse Palocci. “Em algumas oportunidades, eu me reuni com o ex-presidente Lula e com outras pessoas no sentido de buscar, vamos dizer, criar obstáculos à evolução da Lava Jato. Posso citar casos se o senhor desejar”, sugeriu o petista.

O juiz disse que não era necessário nenhum exemplo, pois o tema “não era objeto específico” da ação penal para a qual era interrogado. No processo em que foi ouvido ontem, o ex-ministro é réu com Lula por recebimento de supostas propinas da Odebrecht. A ação em julgamento trata de suspeita de pagamentos indevidos em oito contratos da Petrobrás com a empreiteira, a compra de um terreno para o Instituto Lula, em São Paulo, e o aluguel de uma cobertura vizinha ao apartamento de Lula, em São Bernardo do Campo, no ABC paulista.

‘Ilícito monstruoso’. Embora ainda não tenha fechado acordo com o MPF, Palocci relatou no interrogatório informações que descrevem com mais detalhes o esquema de corrupção e desvios na estatal. Palocci afirmou, por exemplo, que havia alertado o ex-presidente Lula sobre a relação “monstruosa” com a Odebrecht.

De acordo com Palocci, no fim do governo Lula, o ex-presidente pediu que ele atendesse a uma ligação da ex-primeira-dama Marisa Letícia, morta em fevereiro. O ex-ministro disse que dona Marisa explicou que estava pensando em uma sede para o Instituto Lula para abrigar material de presidente. “Ela relatou que o presidente estava com pouco tempo e ela queria agilizar a busca de um local”, disse o ex-ministro.

Palocci disse que Marisa teria colocado o pecuarista José Carlos Bumlai e o advogado Roberto Teixeira, amigos da família, “cuidando do assunto”.

O ex-ministro relatou que avisou Lula sobre os riscos da negociação. “Falei para ele: ‘Olha, estou preocupado, eu não gostaria de fazer desse jeito. O senhor está fazendo um instituto para receber doações e fazer suas atividades, não sei por que procurar agora um terreno. Por que não esperar? Não tem problema nenhum receber uma doação da Odebrecht, mas que seja formal ou pelo menos revestida de formalidade”, disse Palocci a Moro.

“Eu disse para ele (Lula), ‘nosso ilícito com a Odebrecht já está monstruoso. Se nós fizermos esse tipo de operação vamos criar uma fratura exposta desnecessária’”, relatou o ex-ministro do petista.

 

- ‘Obstáculos’

“Eu me reuni com o ex-presidente Lula e com outras pessoas no sentido de buscar, vamos dizer, criar obstáculos.”

Antonio Palocci

EX-MINISTRO DE LULA

______________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________

Janot denuncia Lula e Dilma por obstrução da Justiça

Rafael Moraes Moura Breno Pires

07/09/2017

 

 

Procurador-geral afirma que nomeação de ex-presidente tinha a ‘finalidade de atrapalhar’ a Operação Lava Jato

 

 

Em nova denúncia apresentada ontem no STF, o procurador-geral, Rodrigo Janot, cita a nomeação de Lula por Dilma para ministro-chefe da Casa Civil, no ano passado, com a suposta finalidade de garantir foro privilegiado ao petista. O ex-ministro Aloizio Mercadante também foi denunciado, por, de acordo com as investigações, agir para impedir acordo de delação premiada de Delcídio do Amaral.

O procurador-geral da República, Rodrigo Janot, ofereceu ontem uma nova denúncia contra os ex-presidentes Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff, desta vez por obstrução da Justiça. O ex-ministro Aloizio Mercadante também foi denunciado pelo mesmo crime.

Foi a segunda acusação formal apresentada por Janot conta Lula e Dilma em menos de 24 horas. Anteontem, além dos expresidentes, outras seis pessoas foram denunciadas pela PGR por organização criminosa no período em que o PT ocupou a Presidência da República. Para Janot, há conexão entre os dois casos.

“De fato, a obstrução e o embaraço narrados na denúncia ora apresentados foram praticados justamente com a finalidade de atrapalhar as investigações que apuravam os crimes cometidos pela organização criminosa investigada no inquérito 4.325/DF”, escreveu Janot, em despacho sigiloso ao qual o Estadão/Broadcast teve acesso.

Para o procurador, os crimes e as condutas dos respectivos agentes estão “umbilicalmente ligados”. “Uma separação dos casos, portanto, traria prejuízo processual relevante, seja pelo risco de desfechos contraditórios, apesar da existência de base e contexto fáticos comum, seja pela possibilidade de testemunhos, prestados pelas mesmas pessoas, em sentido diverso”, disse Janot.

A nova denúncia se fundamenta em três fatos. O primeiro é o suposto apoio político, jurídico e financeiro, por parte de Mercadante ao ex-senador Delcídio do Amaral (sem partido), no fim de 2015, a fim de evitar que ele celebrasse acordo de colaboração premiada no âmbito da Operação Lava Jato.

Janot também mencionou a troca de informações sigilosas sobre as investigações entre Dilma e a empresária Mônica Moura, mulher do marqueteiro João Santana, por meio de “contas de correio eletrônico clandestinas”, entre 2015 e 2016.

Por último, o procurador-geral da República citou a nomeação de Lula, em março de 2016, para o cargo de ministro-chefe da Casa Civil. A intenção, na interpretação de Janot, era a de garantir foro privilegiado ao expresidente.

O inquérito tramita no STF sob sigilo, mas Janot pediu que o conteúdo do processo seja tornado público.

Arquivamento. O procuradorgeral também pediu o arquivamento da investigação envolvendo o ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ) Marcelo Navarro, cuja escolha para o STJ estaria condicionada ao compromisso de tomar decisões que resultassem no enfraquecimento da Lava Jato.

“Todos negaram, em maior ou menor grau, que tenha havido um compromisso ou acordo entre representantes do governo federal e Marcelo Navarro Ribeiro Dantas, no sentido da soltura de presos da ‘Operação Lava Jato’, no âmbito do Superior Tribunal de Justiça (STJ). Os próprios beneficiários dessa hipotética situação, Marcelo Bahia Odebrecht, e Otávio Marques de Azevedo, na condição de colaboradores, afirmaram ignorar qualquer tratativa a esse respeito”, afirmou Janot.

Defesas. A assessoria de Lula afirmou, em nota, que Janot decidiu “considerar que a nomeação do ex-presidente Lula pela então presidente Dilma Rousseff para a chefia de sua Casa Civil não se tratava do exercício de suas atribuições de presidente da República na tentativa de impedir um processo injustificado de impeachment, mas obstrução da Justiça”.

“A nomeação de Lula foi barrada em decisão liminar, mas jamais discutida pelo plenário do Supremo. Posteriormente o Tribunal decidiu, quando da nomeação de Moreira Franco como ministro, que não havia impedimento no ato efetuado pelo presidente da República. Essa é a denúncia apresentada pelo procurador-geral da República para o próprio Supremo Tribunal Federal, talvez na busca de gerar algum ruído midiático que encubra questionamentos sobre sua atuação no crepúsculo de seu mandato”, afirmou a nota da assessoria do petista.

A assessoria de Mercadante informou, também em nota, ter plena convicção de que terá “a oportunidade de novamente comprovar que não houve qualquer tentativa de obstrução da Justiça com a consequente absolvição definitiva”. A reportagem não obteve resposta da assessoria de Dilma Rousseff.

 

- ‘Finalidade’

“De fato, a obstrução e o embaraço narrados na denúncia ora apresentados foram praticados justamente com a finalidade de atrapalhar as investigações.”

Rodrigo Janot

PROCURADOR-GERAL DA REPÚBLICA