Correio braziliense, n. 19870, 17/10/2017. Política, p. 04.

 

Os recados de Temer a aliado

Paulo de Tarso Lyra, Rodofo Costa e Guilherme Mendes

17/10/2017

 

 

PODER EM CRISE » Presidente divulga carta para deputados e senadores com críticas ao MP, aos delatores da J&F e a integrantes do Judiciário e da base

 

 

Na véspera do início dos debates na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara em torno da denúncia por organização criminosa e obstrução de Justiça, o presidente Michel Temer distribuiu uma carta para deputados e senadores não apenas defendendo as ações econômicas tomadas por ele, mas criticando Ministério Público, os empresários da J&F, setores do Judiciário e até, de maneira subliminar, parte da base aliada que “resolveu exigir o que o governo não tem para dar” para arquivar a nova acusação contra o peemedebista.

“Do ponto de vista de conteúdo, a entrevista que ele deu lá atrás quando surgiu a primeira denúncia foi até mais contundente. Mas ali ele falou quase de improviso. Agora não, foi pensado ao longo do fim de semana. Temer está engasgado com muita gente”, disse um dos vice-líderes do PMDB na Câmara, Carlos Marun (MS). “Inclusive com aliados. Que a oposição queira nos atacar, isso é do jogo. Mas não dá que parte da base queira, agora, sabendo das dificuldades fiscais, pressionar o governo para votar contra a denúncia”, atacou Marun.

A carta escrita pelo presidente é contundente. Ele afirma que há uma “conspiração” para derrubá-lo e se diz “vítima de uma campanha implacável com ataques torpes e mentirosos”. Temer não poupou críticas aos executivos da J&F, ao ex-procurador Marcelo Miller e a Rodrigo Janot, ex-procurador-geral da República. Na carta, o peemedebista chama o empresário e delator Joesley Batista de “delinquente”, alegando que ele é conhecido de “várias delações premiadas não cumpridas para mentir”.

No texto, o presidente lembra que “Joesley diz que, no momento certo, e de comum acordo com Janot, o depoimento já acertado com Lúcio Funaro ‘fecharia a tampa do caixão’. Tentativa que vemos, agora, em execução.”. Temer insinua, ainda, que o áudio da conversa entre os delatores da JBS não teria sido acidental. “Fica claro que o objetivo era derrubar o presidente da República”, criticou.

Por mais de uma vez na carta, Temer não esconde a revolta. “O que me deixa indignado é ser vítima de gente tão inescrupulosa. Mas estes episódios estão sendo esclarecidos. A verdade que relatei logo no meu segundo pronunciamento, há quase cinco meses, está vindo à tona”, avaliou.

 

Sinais

Aliados do governo criticam também instâncias do Poder Judiciário, que, segundo eles, têm, ao longo dos últimos meses, adotado uma tática de guerrilha contra o Planalto. Embora admitam que o parecer elaborado pela Advocacia-Geral da União defendendo a derrubada da prisão em segunda instância altera pouco a situação do Executivo Federal, os mesmos interlocutores reconhecem que é um sinal encaminhado ao Congresso de que as coisas mudarão daqui para frente.

“Semana passada a maioria do STF já se posicionou contra os abusos (na questão envolvendo o senador Aécio Neves). O que está claro é que, a partir de agora, se quiserem condenar alguém, terão de fazer como fizeram no mensalão. Não adianta mais fazer um trabalho mais ou menos para ganhar a opinião pública”, criticou um aliado de Temer.

Por falar em aliados, a relação do Planalto com o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), está abalada e ninguém tem a certeza se ela voltará aos padrões anteriores. No governo, a ordem é não polemizar. No fim de semana, o estresse entre ambos ficou mais uma vez evidenciado após o advogado de Temer, Eduardo Carnelós, ter considerado “um abjeto atentado ao estado democrático de direito” o vazamento da delação de Lúcio Funaro.

Maia chamou Carnelós de incompetente e disse que não vazou nada, limitando-se a publicar no site da Câmara as partes da delação que não estavam sob segredo de Justiça. O caso gerou um atrito entre os poderes. Ontem, o relator do processo no STF, ministro Edson Fachin, admitiu que essa parte da delação é sigilosa e que esse sigilo não foi levantado. Ao Correio, a presidente do STF, ministra Cármen Lúcia, afirmou ter apenas cumprido a tarefa institucional de encaminhar o material de Fachin à Câmara para que fosse analisado pelos deputados.

Os debates sobre a segunda denúncia contra Temer devem recomeçar hoje, com a chance de se estender para quarta e quinta-feira até a votação. O deputado Fausto Pinato (PP-SP) recebeu a carta com entusiasmo. “Esta é a carta de um cidadão, advogado, defendendo o estado democrático de direito”. Ontem, Temer também conversou com o presidente do Senado, Eunício Oliveira (PMDB), para analisar o cenário político do país.

 

Frase

“Que a oposição queira nos atacar, isso é do jogo. Mas não dá que parte da base queira, agora, sabendo das dificuldades fiscais, pressionar o governo para votar contra a denúncia”

Carlos Marun, um dos vice-líderes do PMDB na Câmara