O globo, n.30830 , 03/01/2018. PAÍS, p.5

CNJ ALERTOU PARA RISCOS EM CADEIA DE GOIÁS

CAROLINA BRÍGIDO

 

 
 
Relatório feito há dois meses cita condições ‘péssimas’ e superlotação em presídio onde houve rebelião

Uma inspeção feita em novembro de 2017 pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) na Colônia Agroindustrial de Aparecida de Goiânia, onde houve uma rebelião anteontem, já alertava sobre as condições precárias do presídio — “péssimas”, segundo o relatório da vistoria. Com 468 vagas, a unidade estava superlotada: abrigava 1.153 detentos, duas vezes e meia a mais do que a capacidade. Na vistoria, foram apreendidos 22 aparelhos telefônicos e nove “armas de fogo ou instrumentos capazes de ofender a integridade física”. Não havia aparelho para bloqueio de celular ou detector de metais.

Apesar de ser um presídio para o regime semiaberto, em que o preso pode sair para trabalhar e voltar à noite para dormir, apenas 397 estavam empregados em novembro — 34% do total. Dos detentos que trabalhavam, 33 realizavam serviços dentro da própria unidade. A vistoria identificou também a falta de biblioteca, espaço para a prática desportiva, oficinas de trabalho ou salas de aula. Além disso, que nenhum dos presos da unidade estudava.

O relatório informa que houve 75 fugas, mas não especifica se foram no mês de novembro ou se num período mais abrangente. Outros problemas relatados pelo CNJ são a falta de separação entre os presos condenados e provisórios e a convivência, no mesmo espaço, entre os detentos primários e os reincidentes. Entre os poucos aspectos positivos do estabelecimento está a prestação de assistência à saúde, jurídica e social.

Ontem, a ministra Cármen Lúcia, presidente do Supremo Tribunal Federal (STF) e do CNJ, determinou ao Tribunal de Justiça de Goiás que seja realizada uma nova inspeção, com a entrega, em 48 horas, de um relatório com a situação atual da Colônia Agroindustrial. No ano passado, a ministra determinou a criação de um grupo de trabalho para cuidar da crise nos presídios. A medida foi tomada depois dos massacres comandados por facções nas penitenciárias de Roraima, Amazonas e Rio Grande do Norte em janeiro.

Em 2017, Cármen visitou presídios de todo o país. O Complexo Prisional de Aparecida de Goiânia, que abriga a Colônia Agroindustrial, estava na lista da ministra, mas o governador de Goiás, Marconi Perillo (PSDB), recomendou que ela adiasse a viagem. A intenção da presidente do STF era checar o local neste mês. Com a revolta dos presos, os planos foram novamente adiados.

Antes da inspeção feita no ano passado, uma vistoria anterior, em 2014, já havia revelado os problemas. Na ocasião, o CNJ identificou a existência de 760 vagas e 1.871 internos. “Instalações físicas estão em aceitável estado de conservação, mas a superlotação, ocupação de mais que dobro da capacidade projetada, torna o ambiente insalubre”, dizia o relatório daquele ano.

O CNJ concluiu que “a superlotação, aliada à deficiência na fiscalização, contribui para a precária situação de segurança”. Foram apreendidos, entre março e maio de 2014, 93 celulares e 62 instrumentos capazes de “ofender a integridade física”. O documento do CNJ de 2014 apresentou uma série de sugestões ao Poder Executivo. Em relação ao Complexo Penal de Aparecida de Goiânia, foi recomendada a construção de quatro novas unidades prisionais com capacidade mínima para 400 presos em até seis meses. Também seria necessário erguer uma nova unidade com 500 vagas para o semiaberto.

Nove presos morreram e 14 ficaram feridos na rebelião. Dois corpos foram decapitados, enquanto outros foram carbonizados. A Secretaria de Segurança Pública e Administração Penitenciária de Goiás afirmou que 143 detentos foram capturados — ainda havia 99 foragidos até a noite de ontem. O órgão reconheceu que havia apenas cinco agentes em uma ala onde havia 768 presos no momento da rebelião. (Colaborou Júlia Cople)