Correio braziliense, n. 19878, 25/10/2017. Política, p. 04.

 

Moro pede discussão sobre foro privilegiado

25/10/2017

 

 

PODER EM CRISE » Juiz federal defende também a necessidade de a Lava-Jato ir além de processos judiciais

 

 

O juiz federal Sérgio Moro afirmou que a sociedade tem de refletir sobre o foro privilegiado não somente por causa da Lava-Jato. “Essa questão transcende a Lava-Jato”, disse. Segundo ele, a sociedade tem de refletir se o instrumento está funcionando ou não. Se não, deve ser mudado. “Nenhuma instituição é perene”, afirmou. Moro comentou que, dentro do Supremo Tribunal Federal (STF), responsável por julgar políticos com foro, deve haver até certa frustração, porque o tribunal é destinado a discutir questões constitucionais. Assim, reforçou que o país precisa pensar e revisar esses institutos.

“É um desvirtuamento do STF ter que se preocupar com questões concretas. A função do Supremo é discutir questões constitucionais, e não ficar se debruçando sobre questões concretas. Imagino a frustração de um ministro, querendo decidir questões para toda a sociedade e em vez disso ter de ficar discutindo busca e apreensão...”, analisou, durante o debate Fórum Estadão Mãos Limpas & Lava-Jato, na manhã de ontem, em São Paulo.

Moro — ao lado do procurador da República Deltan Dallagnol e dos magistrados italianos Piercamillo Davigo e Gherardo Colombo, dois dos principais nomes da Operação Mãos Limpas — também analisou a própria Lava-Jato. “A grande questão é como ir adiante”, avaliou o juiz federal. “Se fala que a Lava-Jato está em risco. Mas há processos julgados, pessoas responsabilizadas, pessoas aguardando pena. Já tem um resultado palpável. A grande questão é como ir adiante. Já há alguns efeitos colaterais positivos: naqueles grandes ajustes em contratos de empreiteiras com a Petrobras, por exemplo, existia uma relação de confiança que acabou”, afirmou o juiz.

 

Sociedade

Para Moro, existe a necessidade de uma participação efetiva da sociedade no acompanhamento da vida política do país. “Não se resolve corrupção no país somente com processos judiciais”, afirmou. “São necessárias reformas para diminuir incentivos (aos crimes). Não quero assumir posição de político. Falo como cidadão.” O juiz lembrou da Ação Penal 470 — o caso Mensalão — para afirmar que há uma progressiva redução da impunidade. “Se nós formos olhar isso num termo mais longo, eu acho que há boas razões para se manter uma infinita esperança de que nós estamos num processo de amadurecimento da nossa democracia e do governo de leis do Brasil”, analisou.

Mais uma vez, o juiz chamou a atenção da sociedade para que iniciativas como a Lava-Jato e as decisões sociais se apliquem também no dia a dia da população. “(É importante que as pessoas) sejam menos consumidoras e mais cidadãs nas suas reivindicações. O único recado que eu posso falar sobre isso é que se tem que trabalhar e não se pode perder as expectativas de melhora por conta de pontuais revezes momentâneos que não infirmam um progresso que tem havido nessa matéria.”

 

Frase

“São necessárias reformas para diminuir incentivos (aos crimes). Não quero assumir posição de político. Falo como cidadão”

Sérgio Moro, juiz federal