Correio braziliense, n. 19878, 25/10/2017. Economia, p. 09.

 

Especialistas defendem novas regras

Simone Kafruni

25/10/2017

 

 

A despeito da polêmica, juristas e advogados consideram que a portaria do Ministério do Trabalho que estabelece normas para o enquadramento de trabalho escravo está em linha com a jurisprudência de cortes internacionais. Para empresários, a redefinição é necessária porque a amplitude do atual conceito deixa margem para interpretações subjetivas.

No entender de Juliano Barra, professor de direito na Universidade de Sorbonne, na França, a portaria não extrapola as normas mundialmente convencionadas. “Em nenhum momento, ela coloca o Brasil em situação de contrariedade aos instrumentos internacionais. Pelo contrário, tenta tirar a subjetividade do conceito e dar mais objetividade jurídica ao que é trabalho escravo”, disse.

Citando a Convenção de Genebra e a jurisprudência da Corte Europeia dos Direitos Humanos, Barra explicou que ambas destacam o cerceamento de ir e vir, o trabalho forçado sob ameaça e a servidão por dívida como características de escravidão. “São conceitos previstos na portaria. Portanto, ela está em linha com o que é aplicado nas cortes internacionais”, garantiu.

Para o professor de direito do trabalho da Fundação Getulio Vargas (FGV-SP) Bruno Freire, membro do Conselho de Relações do Trabalho da Federação das Indústrias de São Paulo (Fiesp), a portaria traz uma conceituação mais clara do que é trabalho escravo. “A norma é positiva, porque faz distinção entre escravidão e trabalho com jornada exaustiva ou degradante. Limita o conceito de trabalho escravo às situações nas quais há cerceamento de liberdade de ir e vir”, ressaltou.

Freire destacou que as empresas que forem autuadas por todos os tipos de irregularidades devem ser punidas, porém, não podem ser incluídas numa lista suja, que acarreta restrições à atividade empresarial. “Até por que isso tudo ocorre em âmbito de processo administrativo, no qual o auditor é quem julga, e a empresa fica sem possibilidade de ampla defesa”, alertou.

O presidente do Insper, Marcos Lisboa, afirma que o conceito de trabalho escravo está muito amplo e que a proposta da portaria, de restringi-lo, é correta. Porém, avalia o governo agiu de forma atabalhoada. “Deveria ter sido aberta uma discussão com a sociedade para fazer uma classificação transparente”, criticou. Lisboa assinalou que, com o conceito atual, há casos de problemas verdadeiros, porém longe de configurarem trabalho escravo, que são penalizados como tal. “É preciso  tipificar cada irregularidade. Só assim será possível ter um mapeamento realista”, acrescentou.

Na opinião de Fernando Guedes, presidente da Comissão de Política de Relações Trabalhistas da Câmara Brasileira da Indústria da Construção Civil (CBIC), a portaria é “um avanço”. “Hoje, o conceito é tão amplo que deixa as empresas em dúvida. Não se sabe qual será a interpretação da fiscalização. Às vezes, o fiscal vai ao local de trabalho e o considera degradante. Taxa de escravo, mas não é”, ressaltou.

Segundo Guedes, a questão da lista suja ser ou não divulgada passa pela falta de clareza nos conceitos e no procedimento de quem decide pela inclusão do nome da empresa. “A sociedade não tem acesso aos julgamentos que são feitos dentro do Ministério do Trabalho. Quem julga é o fiscal. Por isso, defendemos maior clareza e maior acesso à discussão antes da decisão”, afirmou.

O presidente da Associação Brasileira de Incorporadoras Imobiliárias (Abrainc), Luiz França, traduziu a definição de trabalho escravo feita pela Organização Mundial do Trabalho, em inglês: “Imposto sob ameaça ou penalidade e no qual a pessoa não se ofereceu voluntariamente”. “As regras precisam ser claras, pois fica mais fácil fazer a fiscalização e cobrar. Quando não há clareza, há espaço para subjetividade”, ressaltou. Conforme França, condição inadequada de trabalho, como banheiros insuficientes, não pode ser tratada como análoga à escravidão. “A empresa tem que ser penalizada por isso também, obviamente, mas não pode ir parar numa lista suja de trabalho escravo”, disse.