ENTREVISTA - Raul Jungmann

Denise Rothenburg e Paulo de Tarso Lyra

02/11/2017

 

 

O Rio é, de fato, a cidade que apresenta a principal crise de segurança pública? Ou ela se torna emblemática por ser vitrine?

A situação no país todo é assim. Tem problemas, basicamente, em graus diferentes, nos estados e na Federação. O Rio de Janeiro é um caso à parte porque só lá o crime controla territórios e comunidades. Hoje, aproximadamente 830, 850 comunidades são controladas pelo crime organizado. Posso lhe dizer uma outra medida: aproximadamente 1 milhão e 100 mil cariocas estão em um regime de exceção, sem direitos e garantias constitucionais. Eles estão sob um comando da tirania do crime organizado. Isso, sim, é de uma grande gravidade. Quem tem controle do território que existe lá dentro tem o voto que termina penetrando nas instituições. Aí o crime se torna uma ameaça e uma ameaça grave, à sociedade, às instituições e à própria democracia.

 

São Paulo é uma cidade tão grande quanto o Rio de Janeiro, talvez até maior. Por que lá isso não se repete?

Foi incompetência por parte do Rio de Janeiro ou um pouco de competência do governo de São Paulo?

Eu vou citar um fato lá atrás pra apoiar o que eu quero dizer. Alguns anos atrás vocês se lembram que a juíza Denise Frossard colocou todo o jogo do bicho na cadeia. Vocês se lembram que, naquela época, houve um carnaval em que as autoridades, as personalidades, os artistas iam para os camarotes do jogo do bicho? Então, eu diria que temos uma certa cultura, não apenas no Rio de Janeiro, de uma certa zona cinzenta, certa leniência...

 

Então o ministro Torquato Jardim (Justiça) está certo quando diz nas declarações que ele deu sobre a Polícia Militar do Rio?

Olha, o ministro da Justiça tem a inteligência da Polícia Federal e ele é que pode avalizar os comentários que fez. Agora, de fato, nós temos, sim, problemas no Rio de Janeiro, mas costumo dizer que não vamos satanizar o Rio de Janeiro.

 

Quando o senhor fala em zona cinzenta, o senhor se refere a uma certa leniência das autoridades…

Da sociedade. Eu vou citar outro fato aqui pra vocês. Eu, durante dois anos e meio, fiz parte de uma grande distribuidora de energia no RJ. Na distribuidora de energia, você tem o critério de perda de energia técnica e perda não técnica. O que é a perda técnica? É quando rompe um fio, transformador pipoca por causa de um raio. A perda não técnica é um gato. O gato, em média, no Brasil, fica em torno de 15%, de 16%. No Rio, é 42%, como é que você explica isso? É uma sociedade que olha para o Estado, olha para as instituições e não vê a norma, não vê a lei, não vê a observância, que é a alma da democracia.

 

Como consequência...

Essa sociedade, ela faz um pacto informal com uma certa leniência à transgressão. Não é só o Rio, não vamos satanizar o Rio. Mas eu costumo dizer que uma das nossas funções é evitar que o Brasil se torne o Rio de amanhã. Mas sempre lembrando que problemas similares existem em outros estados.

 

O senhor é a favor do uso do Exército para combater esse tipo de violência?

Não se trata de ser a favor ou contra. A Constituição, no artigo 42, diz que, quando um governador pede a um presidente da República ajuda, é tomada a decisão. Pessoalmente, eu acho que não se resolve o problema da segurança com as Forças Armadas, tem que resolver com a segurança pública. E essa precisa principalmente de muitas mudanças e melhorar muito para poder atender aos desejos da população brasileira.

 

Os estados não têm recursos pra isso, os orçamentos estão cada vez mais apertados. Como resolver isso?

Vamos voltar ao tempo, quando nós saímos de um ciclo de um regime militar, que unia segurança nacional com segurança pública. O constituinte de 1988 descolou isso e colocou, sobretudo, a segurança e a ordem nas mãos dos governadores. Com a crise fiscal, você tem a emergência de finanças. Nós temos que fazer uma revisão constitucional atribuindo mais responsabilidade ao governo federal. E precisamos ter mais dinheiro, precisamos de mais dinheiro, mesmo em tempo de escassez, porque esse é o problema número um dos brasileiros e brasileiras.

 

Em relação à Rocinha, como foi a receptividade da população para o exército nas ruas? A impressão é de que a população do Rio de Janeiro queria o exército lá.

Uma pesquisa recente mostrou que, na média, 83% dos cariocas querem ação das Forças Armadas. Entre aqueles mais pobres, chega a 92%, o que é um número absolutamente incrível. Hoje, o Rio de Janeiro é uma sociedade que sofre a pressão da deformação do crime. O que é isso? Os cultos evangélicos são difíceis de acontecer à noite, tem de ser feitos à tarde. As missas têm que fazer à tarde. O ano letivo não é cumprido, as pessoas têm medo de sair.

 

Esses números não são um pedido de socorro da população?

Sem a menor sombra de dúvida. É por isso que o presidente Temer decidiu que nós vamos ficar lá até o último dia de 2018.