O Estado de São Paulo, n. 45266, 23/09/2017. Política, p.A6

 

 

 

Temer pede apoio e vê 'delação induzida'

Presidente usa rede social e, em vídeo, rebate segunda denúncia feita contra ele pelo ex-procurador-geral da República Rodrigo Janot

Por: Carla Araújo

 

Carla Araújo / BRASÍLIA

Depois de desistir de fazer um pronunciamento para rebater a segunda denúncia da Procuradoria-Geral da República, o presidente Michel Temer gravou um vídeo ontem, publicado em redes sociais, em que disse que há uma “marcha da insensatez” contra ele e que tem certeza de que conseguirá arquivar na Câmara a acusação por organização criminosa e obstrução da Justiça. Sem citar nenhum nome, Temer também criticou os executivos da JBS e disse que “há ainda muitos fatos estranhos que esperam por ser explicados nesta estranha delação induzida”.

“A verdade prevaleceu ante o primeiro ataque a meu governo e a mim. A verdade, mais uma vez, triunfará”, disse. “Tenho convicção absoluta de que a Câmara dos Deputados encerrará esses últimos episódios de uma triste página de nossa história, em que mentiras e inverdades induziram a mídia e as redes sociais nestes últimos dias. A incoerência e a falsidade foram armas do cotidiano para o extermínio de reputações”, completou o presidente.

Temer disse ainda que lançaram contra ele “ilações, provas forjadas, denúncias ineptas” e que elas foram produzidas “em conluios com malfeitores” e que vai continuar governando o País até janeiro de 2019. “Diante dos ataques que se renovam, quero expressar minha indignação e manifestar minha profunda revolta com a leviandade dos que deveriam agir com sobriedade. Tenho orgulho de estar presidente da República pelo que pude fazer até agora. Em resumo, retirei o País da recessão mais grave de toda sua história em pouco mais de ano e quatro meses de governo. Farei muito mais até janeiro de 2019”.

Segundo o presidente, o princípio básico da inocência foi subvertido: “agora todos são culpados até que provem o contrário”. “E nem provas concretas bastam para repor a verdade. A marca indelével da desonra ficará em muitos inocentes que foram atingidos. Luto e lutarei contra qualquer pecha que tentem me colocar neste sentido”, rebateu.

Temer disse que a verdade é valor essencial nas democracias e que só regimes de exceção aceitaram acusações sem provas, movidos por preconceito, ódio, rancor ou interesses escusos. “A verdade é valor essencial nas democracias. É sobre ela que se fundam as relações sociais e a força das nossas instituições. Fora do compromisso com a realidade, nosso destino é incerto e podemos ser conduzidos a trágicos desastres. A his- tória está repleta de exemplos. Só regimes de exceção aceitaram acusações sem provas, movidos por preconceito, ódio, rancor ou interesses escusos. Lamento dizer que, hoje, o Brasil pode estar trilhando este caminho”, destacou.

Vacina. Segundo o presidente, a única vacina “contra essa marcha da insensatez é a verdade”. “E a verdade é a única arma que tenho para me defender desde o início deste processo de denúncias e que busca desestabilizar meu governo e paralisar o avanço do Brasil”.

Temer disse ainda que tudo que ele afirmou desde o início dos processos da denúncia e dos ataques que vem sofrendo se confirmou, mas que ainda e preciso esclarecer alguns pontos apresentados pelos delatores.

“Apontei as reais intenções dos delatores; denunciei a manipulação de mercado que lhes deu ganho de milhões; critiquei o perdão amplo que obtiveram. Cobrei, ainda, o inexplicável envolvimento de integrantes do gabinete do ex-procurador-geral da República, que depois, certamente, foram ganhar dinheiro das empresas dos delatores; relatei que a delação e a gravação começaram muito antes dos relatos oficiais. Há ainda muitos fatos estranhos que esperam por ser explicados nesta estranha delação induzida”, disse.

Conspiração. O presidente também afirmou que a revelação de áudios novos depois do acordo de delação ter sido fechado mostra que havia uma tentativa de conspiração contra ele. “Graças aos áudios que tentaram esconder, mas que vieram a público acidentalmente, sabe-se que, contra mim, armouse conspiração de múltiplos propósitos. Conspiraram para deixar impunes os maiores criminosos confessos do Brasil, finalmente presos, porque sempre apontamos seus inúmeros delitos.”

Segundo o presidente, queriam parar o País, mas ele tem a “convicção de que os parlamentares submeterão essa última denúncia aos critérios técnicos e legais, e à verdade dos fatos”. “Uma análise crítica e desapaixonada provará os abusos dos que conspiraram contra a Presidência da República e o Brasil.”

Biografia. O presidente, que amanhã completa 77 anos, também falou que quer limpar o seu nome e deixar uma biografia de herança para a sua família.

“Me orgulho de uma longa vida de muito trabalho, estudo e dedicação ao longo da qual fui advogado, professor, procurador do Estado, presidente da Câmara e, agora, presidente da República. Quero continuar a honrar meu nome, herança limpa que recebi de meus pais e que deixarei limpo para meus filhos, filhas, netos e netas”, finalizou Temer.

 

 

 

 

Substituto de Mariz assume oficialmente defesa de presidente

O criminalista Eduardo Pizarro Carnelós foi confirmado ontem após reunião com Temer e o antecessor em São Paulo
Por: Julia Affonso Fausto Macedo Luiz Vassallo

 

Julia Affonso

Fausto Macedo

Luiz Vassallo

O criminalista Eduardo Pizarro Carnelós, de 55 anos, assumiu oficialmente, ontem, a defesa de Michel Temer no momento em que o presidente é alvo de uma segunda denúncia da Procuradoria-Geral da República, agora por organização criminosa e obstrução da Justiça.

Carnelós substitui o advogado Antonio Cláudio Mariz de Oliveira, que renunciou à defesa do presidente alegando “conflito ético”. Mariz já defendeu o corretor Lúcio Funaro, delator que relaciona Temer a supostos esquemas de corrupção e enriquecimento ilícito.

A troca de advogados já havia sido decidida há uma semana, em um encontro em São Paulo na casa de Temer, quando o presidente e Carnelós foram apresentados. Mas ela só foi confirmada ontem após o presidente reunir-se com Mariz no escritório do criminalista. Carnelós também estava presente no encontro.

Amigo e conselheiro do presidente há mais de 40 anos, Mariz teve papel central na vitória de Temer em agosto, quando barrou a primeira denúncia do então procurador-geral da República, Rodrigo Janot, na Câmara – neste caso, a acusação era de corrupção passiva. Agora, no entanto, a situação é diferente, já que as informações relatadas na delação do corretor Funaro são peça importante nesta nova denúncia.

Naquele primeiro encontro, na semana passada, ficou ajustado preliminarmente que Carnelós assumiria a defesa do presidente, o que ficaria condicionado à remessa ou não à Câmara da segunda denúncia de Janot. Na noite de anteontem, a Casa recebeu a denúncia, após os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) decidirem, por 10 votos a 1, rejeitar questão de ordem da defesa do presidente, ainda sob tutela de Mariz, sob a alegação de que o então procurador-geral incluiu na acusação fatos anteriores ao mandato de Temer na Presidência.

A acusação formal agora terá tramitação igual à primeira, sendo analisada primeiro pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara e depois em plenário. Para que a Casa autorize o prosseguimento do processo no STF são necessários 342 votos dos 513 deputados.

Lubeca. Carnelós é titular de uma banca de advocacia na capital paulista. Ele já advogou para o senador José Serra (PSDBSP). Ainda um jovem advogado – mas já dono de um estilo aguerrido e sem meias-palavras –, em 1990, ele denunciou o caso Lubeca, escândalo que marcou a administração Luiza Erundina (então no PT) na Prefeitura de São Paulo (1989-1992). Na ocasião, Carnelós integrava a Secretaria dos Negócios Jurídicos de Erundina, sob comando do advogado Luiz Eduardo Greenhalgh, que acumulava o cargo de vice-prefeito. Greenhalgh foi acusado de ter recebido US$ 200 mil para autorizar uma obra da empreiteira Lubeca, valor que seria utilizado para a campanha presidencial de Luiz Inácio Lula da Silva, em 1989, e foi exonerado da secretaria. Greenhalgh sempre negou irregularidades e nada ficou provado após as investigações.

O novo advogado de Temer foi presidente da Associação dos Advogados de São Paulo (AASP), mas em 2002 renunciou alegando que era alvo de “conspiração” para não levá-lo à recondução ao cargo.