O globo, n.30852 , 25/01/2018. PAÍS, p.4

DEFESA DE PRISÃO - Desembargador diz que pena deve ser cumprida logo após recurso

DIMITRIUS DANTAS

JUSSARA SOARES

CAROLINA BRÍGIDO

 

 

Ministros do STF, no entanto, divergem sobre momento da detenção
 
Condenado a 12 anos e um mês de prisão, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva precisará apelar a instâncias superiores para evitar ficar atrás das grades, considerando que dificilmente seu recurso ao TRF-4 terá o poder de revisar a sentença da 8ª Turma. A execução da pena começará após acabarem os recursos na segunda instância, de acordo com o desembargador Leandro Paulsen, presidente do colegiado.
 

— É de se dizer que essa Turma passou a adotar o entendimento pela execução da pena a partir do exaurimento da segunda instância. Os elementos necessários para uma condenação se exaurem na segunda instância — afirmou Paulsen.

Como a decisão dos três desembargadores foi unânime, o petista só terá direito a um tipo de recurso: o embargo de declaração, que deverá ser julgado em cerca de um mês. Levantamento feito pelo GLOBO mostra que o prazo médio para que o TRF-4 decida sobre esse tipo de recurso é de 37 dias. Até agora, a corte já resolveu 14 desses pedidos envolvendo réus da Lava-Jato. Um deles chegou a ser julgado seis dias após ter sido protocolado por um dos condenados em segunda instância.

— As chances disso mudar são de 1%. Até o final do mês que vem, vai ser expedido um mandado de prisão contra o Lula — prevê o advogado criminalista Gustavo Badaró.

Outros advogados criminalistas, no entanto, dizem que Lula não será, necessariamente, preso após o resultado desse julgamento. Pela interpretação do STF, a prisão depois da condenação em segunda instância não é obrigatória. Deve ser decidida de acordo com o caso específico.

O advogado criminalista Cláudio Langrovia Pereira, professor de Processo Penal da PUC-SP, acredita que não é possível arriscar o futuro de Lula.

— Estamos diante de um cenário totalmente novo, algo inimaginável no Brasil. Nem mesmo os julgadores pensaram em passar por algo assim. Logo, não há certezas sobre um desfecho.

 

CAUTELA NO SUPREMO

Dois ministros do STF, que falaram ao GLOBO na condição de anonimato, avaliaram que os juízes do TRF-4 foram bastante técnicos. Porém, esses ministros dizem temer uma situação de conflagração nacional provocada por eventual prisão do expresidente. Para eles, Lula será preso, inevitavelmente, em algum momento. Mas ao jornal “Folha de S.Paulo”, o ministro Marco Aurélio, relator de duas ações na Corte, disse que a prisão de Lula não é inevitável. Para ele, o Supremo pode rever a possibilidade de prisão após julgamento em segundo instância.

— Não acredito que se acione essa extravagante jurisprudência do Supremo, formalizada por um escore apertado, diferença de um voto, para prender-se o ex-presidente Lula. Não acredito — disse ministro Marco Aurélio.

No julgamento, o TRF-4 manteve a pena do empresário Léo Pinheiro, da OAS, de três anos e seis meses de prisão. E negou o pedido da defesa de Paulo Okamotto para mudar as bases de sua absolvição, de falta de provas para inocência. Agenor Franklin Medeiros, ex-executivo da OAS, teve a pena reduzida para o pagamento de multa. (Colaborou Luiza Souto)

 

O QUE ELES DISSERAM

 

JOÃO PEDRO GEBRAN NETO

Relator do processo

“Não se exige a participação ativa de Luiz Inácio Lula da Silva em cada um dos contratos. O réu, em verdade, era garantidor de um esquema maior que tinha como finalidade incrementar de modo sub-reptício o financiamento de partidos, pelo que agia nos bastidores para nomeação e manutenção de agentes públicos em cargos-chave para a organização criminosa” “A situação é idêntica como se o apartamento tivesse sido colocado no nome de um laranja. Nesse caso, a ausência de transferência transforma [...], à medida que poderia ser transferido e não o foi a pedido, a OAS em mera laranja do verdadeiro titular dessa unidade. Ao menos a partir do Habite-se, que é a oportunidade que a empresa pode transferir” “Há prova acima do razoável da participação no esquema. No mínimo, (Lula) tinha ciência e dava suporte ao esquema da Petrobras. Há intensa ação dolosa no esquema de propinas” “A culpabilidade é o vetor maior. E a culpabilidade é extremamente elevada (por se tratar de ex-presidente)” “O apartamento tríplex desde o início foi reservado para o sr. Luiz Inácio Lula da Silva e assim permaneceu após a OAS assumir o empreendimento”

 

LEANDRO PAULSEN

Revisor

“Espera-se de quem assume tais cargos servir ao país, não servir-se dele” “A eleição e a assunção do cargo não põem o eleito acima do bem e do mal. Não lhe permitem buscar fins nem agir por meios que não sejam os legais” “A corrupção cometida por um presidente torna vil o exercício da autoridade. Aqui, ninguém pode ser condenado por ter costas largas nem absolvido por ter costas quentes” “Dizia o saudoso Teori (Zavascki): puxa-se uma pena e vem uma galinha. Não se tinha ideia de onde isso chegaria” “Tal qual ocorreu com o presidente americano Richard Nixon no caso Watergate, cujas investigações se viabilizaram com a aplicação de leis que ampliaram as possibilidades de investigação criminal por ele próprio promulgadas, agora vemos um presidente se deparar com acusações baseadas em leis que sobrevieram durante os governos de seu partido. Mas a lei é para todos” “Há elementos de sobra a demonstrar que (Lula) concorreu para os crimes de modo livre e consciente. (O apartamento foi) um pagamento indevido com força de créditos conferidos ao PT em razão daquelas obras (na Petrobras)”

 

VICTOR LUIZ DOS SANTOS LAUS

Desembargador

“Sua Excelência, em algum momento, perdeu o rumo, passou a confundir suas atribuições de primeiro mandatário talvez com aquelas que, no passado, lhe conferiam as de presidente partidário” “Quem responde por crime tem que ter participado dele. E, para ter participado dele, alguma coisa errada ele fez. No bom português, é disso que se trata” “Dirigir um país tendo sido eleito pelo voto popular é uma responsabilidade significativamente complexa. E tem que estar à altura dessa responsabilidade” “Essa é a segurança que o tribunal tem de formar a sua decisão, porque está diante de provas que resistiram à sua crítica” “Talvez o que haja de mais peculiar na Lava-Jato seja a feliz reunião de talento, entusiasmo, competência e qualificação profissional (dos investigadores)” “As provas resistiram, sejam as documentais, sejam as testemunhais. Se está diante de provas que resistiram à crítica, ao contraponto, ao embate” “Não estaremos julgando as pessoas, mas os fatos em que, de alguma forma, elas se envolveram”