Correio braziliense, n. 19937, 24/12/2017. Política, p. 4

 

"Posição política de Temer"

Renato Souza

24/12/2017

 

 

O ministro da Justiça, Torquato Jardim, afirmou que a ampliação das regras do indulto de Natal que beneficia detentos de todo o país ocorrem por conta de “uma posição política do presidente Michel Temer”. Pelas novas regras, quem tiver cumprido um quinto da pena, não for reincidente ou autor de crime hediondo poderá deixar a cadeia. A medida levanta críticas de integrantes da Operação Lava-Jato e de ONGs por incluir condenados por corrupção entre os que têm direito ao perdão judicial.


Ao falar sobre o assunto, na tarde de ontem, Torquato afirmou que a intenção de Temer é reduzir o número de pessoas mantidas no sistema penitenciário nacional. “O presidente Michel Temer é um professor de direito constitucional, que foi duas vezes secretário de Segurança de São Paulo e conhece esse assunto como ninguém. Ele entendeu que a posição política reflete uma visão mais liberal do direito penal e que manter o apenado em regime fechado não é, necessariamente, a melhor solução”, afirmou.

De acordo com o texto do decreto, quem atingir até amanhã o período de internação estipulado terá direito à redução ou à extinção do tempo de cadeia. Quando comparado ao indulto do ano passado, houve ampliações importantes no público-alvo. Em 2016, quem tinha sido condenado a mais de 12 anos de prisão não podia obter o benefício. Neste ano, o artigo 1º do decreto não impõe um limite de pena para obter o perdão judicial.

Corrupção
As normas vão na contramão ao recomendado pelo Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária, do Ministério da Justiça. Ao ser consultado, o órgão recomendou que não têm direito ao indulto os condenados por crimes contra a administração pública, como corrupção, tráfico de influência e fraudes em licitação.

Integrante da força-tarefa da Lava-Jato, o procurador Deltan Dellagnol afirmou, em entrevista ao Correio, que o indulto prejudica o andamento das investigações. “O indulto, como foi colocado, fere de morte o coração pulsante da Lava-Jato, que é a estratégia de expandir as investigações por meio dos acordos de delação premiada. Quem vai querer fazer um acordo com o Ministério Público quando pode receber um desconto de 80% na pena, de graça, sem fazer nada?”, destacou.

Além de Dellagnol, diversos procuradores do Ministério Público e organizações de combate à corrupção se manifestaram contrários ao texto do indulto. A ONG Transparência Internacional afirmou que o indulto serviu como ferramenta para beneficiar corruptos. “O indulto de Natal vem beneficiando ano a ano criminosos corruptos e, em 2017, mostrou-se ainda mais leniente. Desde 2012, a maioria dos réus condenados pelo Supremo Tribunal Federal no mensalão, por exemplo, já se beneficiou deste tipo de medida.” A organização pediu que as regras sejam mais rígidas e que os crimes contra a administração pública não sejam perdoados.

Ao responder às críticas, o ministro Torquato Jardim afirmou que o decreto “não prejudica a Operação Lava-Jato e que foi editado com base na impessoalidade e levando em consideração a superlotação do sistema penitenciário”. O ministro disse ainda que “é difícil explicar para a sociedade, mas tem que apelar para a aplicação do bom senso”. Ao ser procurado pela reportagem, o Planalto afirmou que não comentaria o assunto.

Saidão
Quem não se enquadrar nas regras para obter a extinção da pena pode ser beneficiado pelo saidão de fim de ano. Somente em São Paulo, 30 mil presos que estão em regime semiaberto terão direito a passar o Natal e o ano-novo em casa. No Distrito Federal, cerca de 1 mil condenados deixaram o Complexo Penitenciário da Papuda e devem retornar na terça-feira. As regras são definidas por cada unidade da Federação.

As regras

Confira os principais pontos do indulto de Natal

Brasileiros e estrangeiros que cumpriram um quinto da pena e não são reincidentes vão receber o perdão judicial

Tem direito ao indulto quem já cumpriu um terço da pena, mesmo reincidentes, nos crimes que ocorreram sem grave ameaça ou violência

Pode deixar a prisão quem já cumpriu metade da pena nos crimes praticados com grave ameaça ou violência e que foram condenados até quatro anos

A redução de pena ocorre para gestante, idosos com 70 anos ou mais e para quem tem filho de até 14 anos portador de doença crônica grave ou deficiência

Detentos ou pessoas submetidas a medidas cautelares que estudem ou frequentem cursos reconhecidos pelo Ministério da Educação podem sair mais cedo da reclusão

Os detentos que trabalharam ao menos 12 meses nos últimos três anos também são atendidos pelo decreto presidencial

O texto publicado no Diário Oficial da União contempla criminosos condenados por crimes de colarinho branco, como corrupção e lavagem de dinheiro