Valor econômico, v. 17, n. 4341, 15/09/2017. Política, p. A6.

 

 

PGR acusa Temer de liderar esquema

15/09/2017

 

 

Primeiro presidente denunciado à Justiça no exercício do mandato, Michel Temer recebeu ontem a segunda acusação formal em menos de três meses. Dessa vez, Temer poderá responder como peça central de uma organização criminosa e por obstrução de Justiça. Além dele e de seus principais aliados no PMDB, o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, incluiu na denúncia o empresário Joesley Batista e o executivo da J&F Ricardo Saud. Os dois - que já estão presos - tiveram seus acordos de delação premiada rescindidos e perderam a imunidade penal.

O relator da Lava-Jato no Supremo Tribunal Federal, ministro Edson Fachin, decidiu que irá esperar o julgamento do plenário do STF sobre a questão de ordem protocolada pela defesa de Temer para sustar a tramitação da denúncia até a conclusão da revisão das delações do grupo J&F. Com isso, a denúncia de Janot só deve chegar à Câmara dos Deputados a partir do dia 20, data prevista para o exame da questão.

Nas 245 páginas de sua denúncia, apresentada 72 horas antes do fim de seu mandato na Procuradoria-Geral da República, Janot acusa o presidente e os ex-presidentes da Câmara Eduardo Cunha e Henrique Eduardo Alves, além dos ex-deputados Geddel Vieira Lima, do ex-assessor presidencial Rodrigo Rocha Loures, e dos ministros Moreira Franco (Secretaria-Geral) e Eliseu Padilha (Casa Civil), todos do PMDB, de terem arrecadado como propina ao menos R$ 587 milhões.

De acordo com a denúncia, Temer teria exercido "papel central" na organização criminosa do PMDB da Câmara. A PGR menciona que o presidente teria sido o principal articulador da divisão de cargos no governo petista, função que lhe proporcionou espaço privilegiado no recebimento de propinas. Padilha, Loures, Alves, Cunha, Moreira e Geddel "orbitavam em torno da liderança e coordenação de Michel Temer", diz o texto. Os procuradores que elaboraram a peça citam uma série de diálogos entre pemedebistas que corroborariam a tese de liderança de Temer. Em uma delas, Cunha demonstrou a Alves apreensão com uma possível insatisfação de Temer com a distribuição de propinas da JBS. "Isso vai dar m... com Michel", disse Cunha, diante de uma tentativa de Alves de tirar uma fatia de propina que caberia ao então vice-presidente da República. "Vou resolver dentro de outra ótica, sem tocar em Michel", completou Cunha.

Cunha teria subido na organização pelo seu sucesso como arrecadador de valores e pelo mapeamento e controle que fazia dos cargos e pessoas envolvidas no esquema.

O presidente e o grupo teriam agido nos contratos da Petrobras, Furnas Centrais Elétricas, Caixa Econômica Federal, nos Ministérios da Integração Nacional, Agricultura, Aviação Civil (hoje extinto) e na Câmara dos Deputados nos últimos 11 anos. O prejuízo aos cofres públicos gerados com o superfaturamento dos contratos e a atuação cartelizada pode chegar, de acordo com a denúncia, a R$ 29 bilhões.

A denúncia afirma que a organização criminosa estaria dentro de uma estrutura maior, composta por outros núcleos integrados pelo PT, PP e o PMDB do Senado, sem relação de subordinação e hierarquia. Janot já apresentou denúncias contra os outros núcleos nas duas últimas semanas (ver página A7).

O procurador-geral diz que Temer teria praticado o "crime de embaraço às investigações", associado a Joesley Batista e Ricardo Saud. De acordo com o texto, o presidente teria estimulado os dois a subornarem Cunha e Funaro, que estão presos, a manterem silêncio e não colaborarem com a Justiça. Funaro fechou acordo de delação, mas Cunha não.

Embasam a denúncia as delações e depoimentos de 44 pessoas. Há delatores como Funaro, Alberto Youssef, executivos da Odebrecht, os empresários Emílio Odebrecht e Marcelo Odebrecht, executivos da JBS, a marqueteira Mônica Moura, o ex-deputado Pedro Corrêa, o ex-senador Sérgio Machado e os ex-diretores da Petrobras Nestor Cerveró e Paulo Roberto Costa, entre outros. Há também testemunhas que não fecharam delação, como o ex-ministro da Fazenda Antonio Palocci e o ex-deputado José Yunes.

Um dos mais volumosos capítulos da denúncia trata de esquemas de corrupção na Caixa. O documento afirma que Temer indicou Moreira Franco para a vice-presidência de fundos de governo e loteria, responsável pelo FI-FGTS, em 2008. Durante sua gestão, Moreira teria atuado para liberar recursos do fundo para a Odebrecht, na qual seu filho, Pedro Moreira Franco, trabalhava. A denúncia ainda afirma que um dos vice-presidentes da Caixa, Fábio Cleto, que lá estava por indicação do PMDB da Câmara, teria arrecadado R$ 33 milhões em propinas pagas pelo grupo J&F, para garantir um financiamento à subsidiária Eldorado Celulose. O dinheiro teria sido dividido por Temer, Henrique Alves, Cunha, Cleto e o operador Lúcio Funaro. O FI-FGTS também teria sido liberado para beneficiar o Grupo Bertin, em troca de uma propina de R$ 12 milhões a Funaro e Cunha, que teria repassado valores a Moreira Franco.

O hoje secretário-geral da Presidência também foi ministro da Aviação Civil no governo Dilma Rousseff. Ele teria acertado uma propina de R$ 4 milhões da Odebrecht na concessão do aeroporto do Galeão, de acordo com a denúncia. O dinheiro teria sido recebido pelo seu substituto na função, o atual ministro da Casa Civil, Eliseu Padilha. Em nota, Moreira reiterou que jamais participou de qualquer grupo para atos ilícitos e que "a denúncia foi construída com a ajuda de delatores mentirosos".

Em Furnas, a denúncia apresentada afirma que eram cobradas propinas de todas as empresas com contratos de serviço e consorciadas da companhia. O esquema teria começado em agosto de 2007, quando Luiz Paulo Conde, já falecido, assumiu a presidência da estatal por indicação de Cunha. No período em que Conde estava no comando da empresa, até outubro de 2008, Furnas administrou mais de R$ 7 bilhões por intermédio de contratos firmados. A PGR registrou que R$ 20 milhões foram destinados a Cunha, pagos pela Odebrecht e Andrade Gutierrez.

No Congresso Nacional, teria havido um esquema de venda de medidas legislativas. Neste ponto, o texto arrisca-se a dizer que o mecanismo "possivelmente ainda funcione". Na Câmara, Janot explica que a trama era conduzida por Padilha, em um primeiro momento, e posteriormente por Cunha. No Senado, o esquema era conduzido pelos senadores Romero Jucá (PMDB-RO) e Renan Calheiros (PMDB-AL), que já foram acusados por este suposto crime em outra denúncia.

Janot cita a negociação em torno do projeto de lei 863/2015, que tratou da desoneração tributária. O projeto, ao ser convertido em lei, gerou uma propina paga em espécie a Cunha de R$ 5 milhões.

Na Petrobras, o esquema teria levantado ao menos US$ 32 milhões, sobretudo por meio da diretoria internacional, comandada por Cerveró. O então diretor teria sido tirado do cargo por pressão do PMDB da Câmara, que queria receber US$ 700 mil mensais. O então diretor teria relatado a pressão a Temer, então presidente do PMDB, sem sucesso. No Ministério da Agricultura, Joesley Batista teria pago R$ 7 milhões para o grupo de Cunha por meio de Funaro, com aval de Alves e Temer.

Janot ainda lembra o episódio em que Temer teria citado a Joesley o então assessor Rocha Loures como sua pessoa de confiança. Depois desse episódio, teria se originado o suposto acordo para o pagamento de uma propina semanal de R$ 500 mil.