Correio braziliense, n. 19932, 19/12/2017. Opinião, p. 13

 

Nosso e do mundo

Cristovam Buarque 

19/12/2017

 

 

Pela primeira vez, temos um brasileiro na Academia de Belas Artes da França. Um brasileiro que certamente vai honrar essa respeitada instituição. Sebastião Salgado é um dos maiores, senão o mais importante e reconhecido fotógrafo do momento no mundo, possivelmente um dos maiores de toda a história da fotografia. Não apenas pela arte de suas fotos, mas também pela arte de sua vida, pelo seu valor pessoal, por sua aventura.

Conheci Sebastião Salgado quando éramos jovens — ele e eu estudantes de economia na França. Durante o curso, ele decidiu mudar-se para Londres e trabalhar na Organização Internacional do Café, com o intuito de poupar o suficiente para sobreviver com Lélia Salgado, sua parceira de vida, por alguns meses, durante os quais ele pretendia transformar-se em fotógrafo profissional. Poucos levaram a sério aquela intenção e, sem dúvidas, ninguém imaginou até onde aquela decisão o levaria.

Poucos deram a importância que se dá quando algo começa a acontecer. E, de fato, ao longo do processo, ele não só se transformou em fotógrafo, mas no mais reputado e conhecido, com seus livros de fotografia alcançando as maiores vendas no mundo inteiro. Pode ter algum ou outro que se considere no nível de prestígio e reconhecimento em que ele se encontra e com a obra do tamanho da que ele tem, mas não são muitos que se igualam nesse sentido.

Eu, pessoalmente, com talvez a suspeição de quem o conhece ao longo desses quase 50 anos, de quem publicou um livro com ele — com as fotos dele, obviamente, e com texto meu —, posso dizer que se trata do mais importante fotógrafo do mundo e uma das poucas personalidades brasileiras de renome internacional, dos raros da minha geração que ficarão na história.

Gênesis deve ser a maior obra de arte fotográfica de toda a história. Mas sua maior obra é sua vida e sua militância na defesa da natureza e dos povos ligados a ela. Sebastião Salgado não apenas fotografou grandes florestas do mundo, ele ressuscitou parte da Mata Atlântica, em Aimorés, Minas Gerais, que havia se transformado em pasto para gado.

A área de aproximadamente 900 hectares foi castigada pela degradação e pelo uso como pasto por décadas. Sebastião e a esposa, Lélia, não apenas recuperaram a área, fazendo renascer a flora, como promoveram o retorno da fauna que já andava distante da região. E esse trabalho atraiu o foco de lentes do mundo inteiro, revelando mais uma vez a importância da preservação da Mata Atlântica.

É um orgulho para o Brasil ter uma figura como o nosso Tião Salgado e é uma honra saber que é um nome respeitado e reconhecido mundialmente, graças ao seu trabalho ao longo de décadas sistemáticas de cuidado na fotografia da realidade do mundo. Mas não só isso: pelo seu cuidado na proteção da realidade do mundo — como a floresta citada acima —, e o seu amor aos povos nativos, especialmente os brasileiros, embora não só do nosso país.Também é dele o trabalho de acompanhamento para garantir a sobrevivência e a proteção de grupos indígenas primitivos no Brasil e em outras partes do mundo. E ele faz com um carinho, com uma competência e uma radicalidade que raramente se vê.

Anos atrás, Tião me corrigiu em um posicionamento sobre a internacionalização da Amazônia. Afirmei, na ocasião, que a medida só deveria ser adotada quando todos os poços de petróleo do mundo fossem igualmente internacionalizados. Ele foi radical ao me contrapor — se o Brasil não é capaz de cuidar bem da Amazônia, ela deve estar à disposição de quem pretende fazê-lo de forma responsável. (...)

Cristovam Buarque
Senador pelo PPS-DF e professor emérito da Universidade de Brasília (UnB)