Valor econômico, v. 17, n. 4348, 26/09/2017. Brasil, p. A4.

 

 

Segurança será tema central em 2018, diz Beltrame

Cristian Klein

26/09/2017

 

 

Testemunha do impacto da crise econômica sobre a área de segurança pública, o ex-secretário estadual da área, no Rio de Janeiro, José Mariano Beltrame, 60 anos, afirmou que os dois temas - ajuste fiscal e violência - serão o carro-chefe das disputas eleitorais no ano que vem. "Não se faz segurança pública sem dinheiro", disse ao Valor, numa conversa em que evitou comentar em detalhes a crise que se instaurou na capital fluminense, desde sexta-feira, e provocou o envio de tropas federais para cercar a Rocinha. Ontem não houve tiroteios na favela mas escolas ficaram fechadas durante o quarto dia de operações policiais em conjunto com as Forças Armadas.

Hoje consultor de segurança na iniciativa privada, Beltrame afirmou não ter dúvida de que o assunto dominará os debates em 2018, não só no Rio, mas em todos os Estados, como o Maranhão, onde se encontrava. Citou o dado de que, em apenas uma semana de agosto, houve 1.195 homicídios no país, segundo levantamento do Monitor da Violência, uma parceria entre o Núcleo de Estudos da Violência da USP, o Fórum Brasileiro de Segurança Pública e o G1.

Questionado se o aumento da violência pode incentivar o lançamento de candidatos em defesa da bandeira da lei e da ordem - como o presidenciável e deputado federal Jair Bolsonaro (PSC), e seus filhos, cotados para o Senado - o ex-secretário mostrou preocupação. "Candidato pode ter. Mas abre um campo grande para oportunistas. A população tem que estar preparada [para escolher]", afirmou.

Diante do colapso no Rio, o próprio Beltrame é cotado para concorrer em 2018. Teria sido sondado para compor chapa com o ex-técnico da seleção de vôlei, Bernardo Rezende, o Bernardinho, filiado ao Partido Novo. O ex-secretário contou que tem sido procurado para conversas, não necessariamente eleitorais. Mas preferiu dizer que a dobradinha que ocorrerá no ano que vem é a da recuperação fiscal e da segurança pública: "Isso é pule de dez".

Nos dez anos em que esteve à frente da Secretaria de Segurança Pública do Rio, de 2007 a 2016, Beltrame foi responsável pela implantação das Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs), abaladas em dois pilares que a sustentariam: a falta de recursos e de uma política integrada que levasse infraestrutura e programas sociais aos territórios dominados por traficantes e milicianos.

Corrigir estes erros é o que a atual administração resolveu fazer - depois que a crise de segurança se agravou. Em meio à onda de violência na capital, o governo do Rio pretende enviar amanhã à Assembleia Legislativa uma proposta de emenda à Constituição estadual (PEC) que destinará 5% dos royalties do pré-sal para o Fundo Especial de Segurança Pública (Funesp).

A expectativa é que o volume de recursos dobre, na largada, a capacidade de investimento do Estado na área. De acordo com o secretário da Casa Civil, Christino Áureo, o governo tem investido, em média, R$ 200 milhões por ano em segurança, e a previsão é que a destinação de 5% dos royalties gere R$ 197 milhões já em 2018. Num período de dez anos, o cálculo é que sejam direcionados R$ 3,4 bilhões.

Um dos sintomas da crise fiscal na segurança é o sucateamento da frota de veículos da polícia e a suspensão do Regime Adicional de Serviço (RAS), programa pelo qual o Estado compra a folga dos policiais.

Outra medida da PEC é a necessidade de que 25% dos recursos do fundo destinados à Secretaria de Segurança sejam atrelados e gastos em projetos de assistência social ou de saúde. "Não acho que seja tarde. Há todo um aprendizado [com as UPPs], é importante aprimorar", diz Áureo.

No entanto, o plano de se permitir que o fundo receba aportes da iniciativa privada - como anunciado no domingo pelo governador Luiz Fernando Pezão - ficará para outro momento. A ideia é que o Estado crie uma espécie de Lei Rouanet para a área de segurança, pela qual empresas ganhem isenção no ICMS se investirem em segurança. Como o Estado assinou um regime de recuperação fiscal com a União, a concessão de benefícios desse tipo dificilmente seria aprovada pelo conselho de supervisão do regime, ressalta o secretário.

Na Rocinha, moradores relatam a sensação de que a qualquer momento o conflito pode eclodir novamente. A polícia busca homens, armas e drogas da facção ADA (Amigos dos Amigos), que rachou dando início ao conflito. Escolas particulares como a Escola Americana e a Escola Parque, de classe média alta, também suspenderam aulas ontem.