O globo, n. 30832, 05/01/2018. PAÍS, p.4

PF COGITA USO DE LEI DA DITADURA PARA COIBIR ‘ FAKE NEWS’ NAS ELEIÇÕES

CAROLINA BRÍGIDO

 

 

 
Para delegado, Lei de Segurança Nacional pode ser efetiva contra boatos

 

A Polícia Federal poderá usar a Lei de Segurança Nacional ( LSN), editada em 1983, no último governo do regime militar, para coibir as chamadas fake news ( notícias falsas disseminadas como se fossem verdadeiras pela internet) nas eleições deste ano. À frente da Diretoria de Investigação e Combate ao Crime Organizado ( Dicor) da Polícia Federal, o delegado Eugênio Ricas defende a criação de uma nova lei para combater as fake news. Mas ele alerta para a dificuldade de se punir os infratores, por falta de lei específica sobre o tema. Segundo Ricas, se a norma não for criada, será preciso aplicar inclusive a LSN.

— ( Sem lei nova) pode- se enquadrar a prática na lei de crimes contra a honra, ou em crimes eleitorais. Vamos ter de usar também a Lei de Segurança Nacional, que é antiga. Tem um artigo nela que prevê como crime espalhar boatos que gerem pânico. Para você ver a carência da legislação brasileira! Precisamos de leis mais modernas — disse o delegado.

Ricas afirmou que o hiato na legislação atual impõe a criação de uma nova lei para definir o crime e as punições aos infratores. Segundo ele, existe hoje uma “linha tênue dividindo o que é liberdade de expressão e crime”. Para o delegado, em alguns casos é impossível punir a prática.

— Fica difícil punir. Em determinados casos, fica até impossível. Há casos que têm poder para interferir no resultado eleição, mas há dificuldade para tipificar a conduta como crime. Por exemplo, nas últimas eleições, em um estado, às 8h da manhã do dia da votação, simularam um jornal e divulgaram uma pesquisa falsa. A eleição já estava decidida, mas a notícia levava a crer que teria segundo turno. Isso pode mudar o resultado das eleições e, ao mesmo tempo, não ofende a honra de ninguém — explicou.

Uma das dificuldades da lei atual é quem enquadrar na prática de disseminação de boato — se apenas quem criou a notícia falsa, ou se também quem a disseminou.

— É uma lacuna, depende muito da interpretação. Tem que ver o teor da notícia, se agride honra de alguém, ou diz coisas da vida pessoal de alguém. A legislação é muito vaga, isso atrapalha a apuração, dificulta o trabalho da polícia. Por isso a gente precisa trabalhar isso — analisou o policial.

A proposta da nova lei deve ser elaborada por um grupo de trabalho com integrantes da Polícia Federal, do Tribunal Superior Eleitoral ( TSE) e do Ministério Público. A ideia de criar o grupo foi dada, em dezembro, pelo ministro Luiz Fux, que presidirá o TSE neste ano. O grupo será criado na próxima semana e, em até 30 dias, deve apresentar a proposta ao Congresso Nacional. A ideia é fazer isso de forma ágil, para que o projeto possa ser aprovado antes do início das campanhas.

Mesmo com o trabalho todo demandado pelas eleições majoritárias, Ricas garante que a PF vai continuar realizando operações em 2018 — ainda que candidatos sejam alvos das investigações. O delegado comanda as investigações da Lava- Jato desde novembro.

— A PF não para. Funciona 24 horas por dia, sete dias por semana. Não tem problema ( se o investigado for candidato). A gente não investiga candidatos, a gente investiga fatos ou pessoas. Se o ilícito tiver sido cometido por algum candidato, ele vai ter que explicar — afirmou.

Sobre as eleições deste ano, ele disse que a PF terá um novo desafio: será a primeira vez que empresas não poderão doar a candidatos em uma eleição majoritária. A corporação está entre os órgãos responsáveis por apurar, por exemplo, casos de uso de pessoas como laranjas para financiar campanhas.

— É uma coisa preocupante, porque é difícil fazer uma previsão. Vamos ver como vai acontecer, como os candidatos vão lidar com essa novidade..