Valor econômico, v. 17, n. 4356, 06/10/2017. Política, p. A15.

 

 

Manobra polêmica pode prejudicar reforma política

Vandson Lima e Fabio Murakawa

06/10/2017

 

 

A pressa em aprovar dezenas de modificações na legislação eleitoral em tempo pode levar a reforma política aprovada ontem pelo Congresso Nacional à Justiça. De quebra, os senadores podem ter involuntariamente acabado com o autofinanciamento eleitoral aprovado pela Câmara na madrugada.

Somada ao fundo público de R$ 1,7 bilhão para financiar eleições e à Emenda Constitucional que institui a cláusula de desempenho nas urnas, as medidas compõem um amplo rol de mudanças promovidas pelo Congresso nas regras para as próximas eleições. O texto segue para sanção e precisa receber o aval do presidente Michel Temer até sábado para as novas regras valerem já na disputa de 2018.

Menos de 12h depois de a Câmara aprovar o projeto, em uma confusa sessão que entrou pela madrugada, o Senado aprovou a matéria rapidamente e de maneira simbólica. A votação aconteceu após um acordo para impugnar dois artigos do texto que desagradavam senadores.

A manobra foi considerada contestável. Em 2015, o Supremo Tribunal Federal (STF) declarou inconstitucional acrescentar a medidas provisórias matérias que sejam estranhas ao texto original. Impugnações, portanto, são utilizadas para retirar "jabutis" no caso de MPs. O problema é que a reforma eleitoral votada era um projeto de lei e os dois artigos guardavam relação com o assunto em questão.

"Achamos que fazer uma anistia dentro da reforma política era matéria estranha", afirmou o presidente do Senado, Eunício Oliveira (PMDB-CE). "Não significa que você possa aplicar isso apenas nas MPs. Pode ser, por analogia, com a aprovação do plenário", justificou.

O senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP) anunciou que ingressará com uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (Adin) no Supremo contra a votação.

"Ficamos no dilema: ou aceitava [a retirada] ou não aprovava nada. Porque Eunício ameaçou não votar nada. Com o fim do teto de autodoação, os muito ricos vão levar vantagem", protestou o líder do PT, Lindbergh Faria (RJ).

Assim, foram retirados os artigos 9 e 10. O primeiro permitia que, nas eleições de 2018, candidatos a deputado poderiam usar recursos próprios em sua campanha, até o montante de 7% do limite de gastos estabelecido. O candidato a cargo majoritário poderia utilizar recursos próprios até o limite de R$ 200 mil.

Com a mudança, desde que esteja no limite geral estabelecido, o candidato poderá, em tese, financiar até 100% de sua própria campanha. Um deputado federal poderá gastar, por exemplo, até R$ 2,5 milhões, e todo o montante pode sair de seu próprio bolso.

Porém, ao retirar esse artigo, eles também reativaram, desavisadamente, um artigo de uma lei de 1997 que revoga a previsão de autofinanciamento.

O assunto estava sob análise de técnicos do Planalto e do Senado na noite de ontem.

Outro trecho retirado permitia uma espécie de "Refis" de multas eleitorais. Partidos poderiam quitar o débito com desconto de 90%. Mas os senadores derrubaram a permissão.

Numa contramedida ao julgamento do STF que pode permitir que pessoas sem filiação partidária disputem eleições, o Congresso incluiu texto explícito para proibir essa possibilidade.

Outro parágrafo incluído de última hora também gerou polêmica. Ele obrigará os sites como o Facebook a retirar do ar, sem necessidade de autorização judicial, o que um candidato classificar como "discurso de ódio, disseminação de informações falsas ou ofensa". Entidades como a ANJ, que representa os jornais, protestaram contra a medida, pedindo o veto do dispositivo.

Autor da Emenda, o líder do Solidariedade na Câmara, deputado Áureo (RJ), disse não se tratar de censura. Segundo ele, o alvo são pessoas que fazem postagem anonimamente com conteúdo difamatório.