O Estado de São Paulo, n. 45293, 20/10/2017. Política, p. A6.

 

Até aqui de mágoas

Eliane Cantanhêde

20/10/2017

 

 

Michel Temer e Rodrigo Maia se esforçam para dizer que o pior da crise entre eles passou, mas uma dúvida ainda paira sobre as instituições: a real história da divulgação da delação de Lúcio Funaro no site da Câmara. O relator da Lava Jato no Supremo, Edson Fachin, está no centro dessa e de outras dúvidas.

Em ofício de 26 de setembro ao advogado Eduardo Carnelós, Fachin determinou que ele poderia ter acesso às partes que dizem respeito ao seu cliente Temer, não ao restante da delação. Mas, depois, em conversa no STF com Rodrigo Maia, a presidente Cármen Lúcia e um assessor jurídico da Câmara, Fachin não tão claro, induzindo Maia e seu assessor à divulgação da delação de Funaro, então protegida pelo sigilo.

Trecho do ofício de Fachin ao advogado: “... em termos de declaração separados, dando origem a diferentes procedimentos investigatórios, em diferentes estágios de diligências, não assiste a um determinado denunciado o acesso universal a todos os depoimentos prestados. O que a lei lhe assegura é o acesso aos elementos da colaboração premiada que lhe digam respeito”.

 

Já na versão da conversa posterior do ministro, Maia lhe disse que a delação de Funaro chegara ao Congresso sem a comunicação oficial do sigilo e lhe perguntou se haveria restrições à publicação no site. Fachin não titubeou: “Não há nada grave”. A frase foi interpretada como sinal para a divulgação. Mas, com a divulgação, péssima para Temer, às vésperas da votação da CCJ, Fachin soltou nota voltando à versão ao advogado e declarando que os vídeos de Funaro “não deveriam ter sido divulgados”. Pois é. Mas foram.

A favor de Fachin, alega-se que a delação dizia respeito não só a Temer, mas também aos ministros Moreira Franco e Eliseu Padilha, e os três estariam em julgamento na CCJ e em seguida no plenário da Câmara. Logo, os juízes, no caso os deputados, tinham direito às informações ali contidas. Mas essa versão edulcorada não convence nem o governo nem parte do STF.

É por essas e outras que, antes mesmo da votação da segunda denúncia, prevista para a próxima quarta-feira, Temer já se prepara não só para intensificar sua defesa diante da opinião pública, mas também para martelar a tese de “conspiração” contra ele.

O termo (alternativo a “golpe”, que tem dono...) já foi usado por Temer na carta que enviou aos deputados antes da votação na CCJ e dá o tom e o roteiro do presidente após sobreviver à segunda denúncia. Equipes do Planalto, inclusive, fazem o que nos acusam (a nós, da mídia) de não fazer: a leitura e divulgação dos pontos favoráveis a Temer, seja em delações, seja em medidas de governo, seja até na explosiva portaria do trabalho escravo.

O título de um desses trabalhos internos é Contradições e inconsistências na delação de Lúcio Funaro. Ele destaca em verde o nome de Temer e em azul os trechos em que Funaro declara que não conhece Temer, nunca foi ao escritório dele e não sabe quem teria entregue dinheiro a ele.

Exemplo: o delator disse que não tem ideia se o dinheiro de Geddel Vieira Lima ia para Temer e achava “pouco provável que o presidente(...), pela própria característica, pelo jeito dele de ser, pegaria um dinheiro da mão do Altair (carregador das fortunas do esquema)”.

Em sua defesa política, Temer pretende dizer, subliminarmente, que, além de Rodrigo Janot, Marcelo Miller, Joesley Batista, delatores, aliados e adversários, a “conspiração” contra ele tem agentes importantes também no Judiciário. Quando se pergunta no Planalto sobre o “day after” da segunda denúncia, a resposta é midiática: “Emprego e reforma da Previdência”. Mas, nos bastidores, sabe-se que Temer é um pote até aqui de mágoas.

(...)

________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________

Gilmar e Aécio trocaram 43 ligações, diz PF

 Breno Pires / Rafael Moraes Moura

20/10/2017

 

 

Investigadores destacam coincidência entre data de chamadas e decisão favorável a tucano; ministro diz que contatos foram institucionais

 

 

Relatório da Polícia Federal apontou que o senador Aécio Neves (PSDB-MG) e o ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal (STF), realizaram 43 chamadas telefônicas via WhatsApp entre si no período de 16 de março a 13 de maio deste ano. Segundo o documento, “algumas dessas ligações, ou simples tentativa,” ocorreram em 25 de abril, mesmo dia em que Gilmar deferiu monocraticamente requerimento do senador para suspender interrogatório que o tucano teria no dia seguinte na PF.

Os investigadores fizeram a ressalva de que não é possível dizer que as ligações feitas em 25 de abril tenham relação com o requerimento feito por Aécio na mesma data pedindo a suspensão do interrogatório. Mas, segundo a PF, “é de se destacar a coincidência desses contatos”.

De acordo com duas tabelas anexadas pela PF no relatório, referentes a dois celulares de Aécio, teriam sido 38 chamadas com um aparelho e cinco com outro, naquele período de tempo. Das 43, 20 não teriam sido completadas – aparecem com duração zerada. Outras 23 tiveram duração que variou entre alguns segundos e oito minutos.

Apesar de destacar “frequência de contato”, o relatório disse que essa informação não tem relação com os conteúdos em investigação na Operação Patmos, iniciada na delação da J&F, da qual o tucano é alvo.

A PF destacou que Gilmar é relator de quatro inquéritos contra Aécio no STF e frisou que ao menos uma das ligações foi feita em um dia no qual o ministro deu uma decisão que suspendeu um interrogatório pelo qual o investigado deveria passar no dia seguinte. “Não é possível conhecer a finalidade ou o contexto em que houve essas ligações, restando tão somente evidenciado a frequência de contato entre as autoridades em questão”, observou inicialmente a PF no relatório en- caminhado ao Supremo como parte das análises realizadas na Operação Patmos.

O relatório também citou que o número do empresário Joesley Batista, delator do Grupo J&F, estava na agenda do celular de Aécio, e pontuou que houve troca de mensagens entre o tucano e Joesley. Segundo a PF, o conteúdo não está disponível.

 

Defesas. Em nota, Gilmar, que também é presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), informou que manteve contato pelo celular com Aécio para tratar do projeto de lei de abuso de autoridade. “O presidente do Tribunal Superior Eleitoral, ministro Gilmar Mendes, esclarece que manteve contato constante, desde o início de sua gestão, com todos os presidentes de partidos políticos para tratar da reforma política. Os encontros e as conversas do ministro Gilmar Mendes são públicos e institucionais”, disse o texto.

“Especificamente quanto às ligações de abril, ressalta que estava em debate no Senado Federal o projeto de lei de abuso de autoridade, tratado nas referidas conversas e defendido publicamente pelo ministro desde 2009, até mesmo em palestras, seminários, artigos e entrevistas”, completou a nota.

A defesa do tucano também disse que o tema dos diálogos era a reforma política. “O senador Aécio Neves mantém relações formais com o ministro Gilmar Mendes e, como presidente nacional do PSDB, manteve contatos com o ministro, presidente do TSE, para tratar de questões relativas à reforma política. Ressalte-se que pouco mais da metade das ligações citadas foi completada, conforme consta do relatório da PF. Ocorreram também reuniões públicas para tratar do tema, com a presença do presidente da Câmara e presidentes de outros partidos. O senador Aécio é autor de uma das propostas aprovadas no âmbito da reforma política”, disse o advogado Alberto Zacharias Toron, que defende Aécio Neves.

Toron destacou que a decisão de Gilmar que suspendeu a oitiva do senador foi resultado de uma petição protocolada pelos advogados do tucano, de acordo com a Súmula 14 do STF.

 

‘Relações formais’

“O senador Aécio Neves mantém relações formais com o ministro Gilmar Mendes e, como presidente nacional do PSDB, manteve contatos com o ministro, presidente do TSE, para tratar de questões relativas à reforma política.”

Alberto Zacharias Toron

ADVOGADO DO SENADOR AÉCIO NEVES

________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________

Tendência é arquivar caso de tucano, diz advogado do Senado

Thiago Faria / Julia Lindner

20/10/2017

 

 

Parecer jurídico deve indicar ausência de fatos novos em relação à primeira representação contra o senador mineiro

 

 

Parada há mais de 20 dias no Conselho de Ética do Senado, a nova representação contra o senador Aécio Neves (PSDBMG) ainda depende de um parecer jurídico para ter andamento. A Advocacia do Senado avalia se há fatos novos em relação ao processo anterior contra o tucano, arquivado em julho pelo próprio colegiado.

Embora diga que não pretende antecipar o “raciocínio” do parecer que enviará ao conselho, o advogado-geral do Senado, Alberto Cascais, indica que a tendência é recomendar o arquivamento da nova representação.

“Só esse fato de o Supremo impor medidas cautelares que o próprio Senado revogou, eu acho muito pouco. Mas não quero me comprometer com isso porque todo parecer jurídico é uma construção que precisa pesar vários fatores, comparar com o regimento do Conselho de Ética, com a própria Constituição”, afirmou ao Estado.

Na representação, o PT pede que os senadores analisem se Aécio quebrou decoro parlamentar ao ser flagrado em conversa na qual pede R$ 2 milhões ao empresário Joesley Batista, um dos donos da JBS. O tucano nega que seja propina e alega que pediu o dinheiro emprestado para pagar sua defesa na Operação Lava Jato.

O advogado-geral do Senado estima que seu parecer seja enviado no início da próxima semana ao senador João Alberto Souza (PMDB-MA), presidente do Conselho de Ética. O caso foi encaminhado ao órgão inter- no do Senado no dia 4 deste mês.“A gente ainda está considerando se aquela representação anterior esgotou( o assunto) ou se essa nova representação tem algum elemento novo que indicaria a necessidade de uma nova tramitação no Conselho de Ética”, afirmou. “Porque, se for semelhante à anterior, se não houver fato novo, não há necessidade (de abrir o processo). O próprio presidente poderia arquivar ou não conhecer, uma vez que a matéria já foi decidida”, completou.

Ao analisara primeira representação, João Alberto não aceitou o pedido feito pela Redep araque Aéciot ives sesu aconduta avaliada. Após recurso, porém, ocaso foià votação no colegiado, que confirmou o arquivamento por 11 votos a 4. Em nota, a assessoria do presidente do conselho afirmou que, após receber o parecer, que tem caráter consultivo, ele ainda terá cinco dias para decidir se admite ou não a representação. Com isso, o caso deve ficar indefinido ao menos até a primeira semana de novembro.

“A petição do P Tem desfavor do senador Aécio Neves (PSDB-MG) segue o trâmite de praxe no conselho e encontrase na Advocacia-Geral do Senado para análise e parecer. Com o parecer, o presidente do conselho, senador João Alberto Souza (PMDB-MA), terá cinco dias para decidir admitir ou não a representação”, disse a nota.

Autor do pedido, o PT pressiona para que o processo seja analisado logo pelo Conselho de Ética. “O Senado precisa dar uma resposta à sociedade, pois há um fato novo. O segundo pedido de afastamento justifica por si só essa representação”, disse o senador Humberto Costa (PT-PE).

Caso o processo por quebra de decoro contra Aécio seja aberto, ele ainda precisa ser avaliado pelo Conselho de Ética e, caso aprovado, ser submetido ao plenário do Senado. As penas previstas em caso de condenação vão desde advertência até a cassação do mandato.

 

Senador. Aécio Neves (PSDB-MG), no plenário da Casa

 

Fato novo

“Se for semelhante à anterior, se não houver fato novo, não há necessidade (de abrir o processo). O próprio presidente poderia arquivar.”

Alberto Caiscais

ADVOGADO-GERAL DO SENADO