O Estado de São Paulo, n. 45290, 17/10/2017. Política, p.A4

 

 

 

 

 

Temer vê 'conspiração' às vésperas de votação

2ª acusação. Em carta a parlamentares , presidente faz 'desabafo' e afirma que tentam tirá-lo do Planalto; peemedebista diz que é vítima de 'afirmações falsas, denúncias ineptas'

Por: Tânia Monteiro / Vera Rosa

 

 

Tânia Monteiro

Vera Rosa / BRASÍLIA

 

O presidente Michel Temer encaminhou ontem uma carta a deputados e senadores na qual afirma ser vítima de uma “conspiração” para derrubá-lo da “Presidência da República”. No texto, Temer escancara o clima de tensão em Brasília a três dias da data prevista para a votação, na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara, da segunda denúncia apresentada contra ele pela Procuradoria-Geral da República.

Embora afirme que a carta é também um “desabafo”, com críticas dirigidas ao ex-procurador-geral da República Rodrigo Janot e aos delatores Joesley Batista, do Grupo J&F, e Lúcio Funaro, operador do PMDB, a ofensiva de Temer contra a suposta conspiração ocorreu em meio a uma crise entre o Palácio do Planalto e o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ).

“Jamais poderia acreditar que houvesse uma conspiração para me derrubar da Presidência da República. Mas os fatos me convenceram. E são incontestáveis”, escreveu o presidente, citando Janot, Joesley, o exprocurador Marcelo Miller e o advogado Willer Tomaz. “Tudo combinado, tudo ajustado, tudo acertado, com o objetivo de: livrar-se de qualquer penalidade e derrubar o presidente da República”, completou.

A divulgação dos vídeos da delação de Funaro, disponíveis no portal da Câmara no fim de setembro, levou a um bate-boca público entre Maia e o advogado do presidente, Eduardo Carnelós. O Estado apurou que o deputado também não gostou do tom da carta do peemedebista.

Desde o mês passado, o malestar entre Temer e Maia vem aumentando dia a dia. O presidente da Câmara já disse que o governo tem “errado muito” e precisa de uma nova agenda para o País. Na semana passada, afirmou estar cansado da “falta de respeito” do Planalto e anunciou que não aceitará mais medidas provisórias até que o Congresso analise a proposta de emenda à Constituição (PEC) que regulamenta a tramitação da matéria.

A mensagem de Temer teve como alvo, ainda, o Supremo Tribunal Federal, responsável por enviar para a Câmara os áudios da delação de Funaro, que estariam sob sigilo. No documento, o presidente diz aos parlamentares que “tem sido vítima de torpezas e vilezas que pouco a pouco, e agora até mais rapidamente, têm vindo à luz”. Afirmou estar sendo vítima de “afirmações falsas” e “denúncias ineptas alicerçadas em fatos construídos”.

Para justificar as “urdiduras conspiratórias”, Temer citou frase do deputado cassado Eduardo Cunha (PMDB-RJ) à revista Época. Em sua delação, Funaro sustentou que Temer fazia parte do grupo de Cunha.

“Em entrevista à revista Época, o ex-deputado Eduardo Cunha disse que a sua delação não foi aceita porque o procuradorgeral exigia que ele incriminasse o presidente da República. Esta negativa levou o procurador Janot a buscar alguém disposto a incriminar o presidente. Que, segundo o ex-deputado, mentiu na sua delação para cumprir com as determinações da PGR. Ressaltando que ele, Funaro, nem sequer me conhecia”, escreveu Temer.

Na prática, a correspondência do presidente repete o discurso que ele tem feito aos parlamentares, nas dezenas de encontros e audiências mantidos no Planalto, com o objetivo de garantir apoio para barrar a denúncia contra ele na Câmara.

 

Aproximação. Preocupado com a escalada de atritos com Maia, Temer pediu mais uma vez ao ministro da Secretaria de Governo, Antônio Imbassahy, para conversar com o deputado, de quem é amigo. O ministro jantou com o presidente da Câmara no domingo. Na semana passada, já tinha conversado várias vezes com ele para tentar jogar água na fervura da crise.

Ao final, o retorno para Temer foi o de que a crise havia sido iniciada por causa de uma trapalhada de Carnelós e o problema estaria “contornado”.

Em nota, o advogado do presidente havia classificado a divulgação do áudio da delação de Funaro como “vazamento criminoso”. A reação furiosa de Maia foi imediata. Temer precisou mandar Carnelós distribuir outra nota, desta vez se retratando.

Na contabilidade do Planalto, mesmo considerando o fim de semana tumultuado, não houve baixas para a votação da segunda denúncia. O governo acredita que conseguirá enterrar a acusação por obstrução da Justiça e organização criminosa.

 

Governo. Temer no Planalto em julho; presidente se defende em carta a parlamentares

 

AS CARTAS DE TEMER

A Dilma Rousseff, em 7 de dezembro de 2015

“Esta é uma carta pessoal. É um desabafo (...) Sempre tive ciência da absoluta desconfiança da senhora e do seu entorno em relação a mim...

... e ao PMDB (...) Passei os quatro primeiros anos de governo como vice decorativo.

No episódio Eliseu Padilha, mais recente, ele deixou o Ministério em razão de muitas ‘desfeitas’ (...) Alardeou-se a) que fora retaliação a mim; b) que ele saiu porque faz parte de uma suposta ‘conspiração’.”

 

A parlamentares, em 16 de outubro de 2017

“Tenho sido vítima desde maio de torpezas e vilezas que pouco a pouco, e agora até mais rapidamente, têm vindo à luz. Jamais poderia...

... acreditar que houvesse uma conspiração para me derrubar da Presidência da República. Mas os fatos me convenceram.

É um desabafo. É uma explicação para aqueles que me conhecem e sabem de mim (...) As urdiduras conspiratórias estão sendo expostas. A armação está sendo desmontada.”

 

 

 

 

 

Pesquisas do Planalto norteiam discurso contra ‘conspiradores’

Por: Vera Rosa / Tânia Monteiro

 

BASTIDORES: Vera Rosa e Tânia Monteiro

 

Acostumado a escrever cartas, o presidente Michel Temer já usou outras vezes a palavra “conspiração” para se referir ao que chama de armadilha montada para incriminá-lo, mas decidiu subir o tom após a divulgação de vídeos nos quais o delator Lúcio Funaro o acusa de participar de um poderoso esquema de corrupção. Embora a mensagem enviada ontem por Temer a parlamentares não cite nem o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), nem o ministro Edson Fachin, relator da Lava Jato no Supremo Tribunal Federal, a dupla é vista com muita desconfiança no Palácio do Planalto.

Às vésperas da votação da segunda denúncia contra Temer, auxiliares do presidente afirmam, nos bastidores, que há um “ativismo político” de ministros do Supremo e não entendem os movimentos de Fachin. As articulações de Maia também provocam desconforto crescente no governo. A crise aumentou após o feriado, quando se descobriu que os vídeos com a delação de Funaro estavam no site da Câmara.

Usadas como termômetro para guiar as ações de Temer, pesquisas qualitativas em poder do Planalto mostram que a população rejeita “conspiradores”. Foi por isso que o presidente decidiu investir nesse discurso. Assim, pouco mais de um ano após ser acusado de ter conspirado para derrubar a então presidente Dilma Rousseff – a quem também escreveu carta com um “desabafo”, no fim de 2015 –, Temer agora recorre à expressão que tanto abominou para se defender. Nesse cenário, a tese do “golpe”, antes na boca dos petistas, virou escudo para ele e para a cúpula do PMDB.

Em 22 de setembro, por exemplo, o presidente falou em “conspiração de múltiplos propósitos” em um vídeo divulgado nas redes sociais. “Conspiraram para deixar impunes os maiores criminosos confessos do Brasil, finalmente presos, porque sempre apontamos seus inúmeros delitos”, disse Temer à época. Uma semana depois, em nota, ele também recorreu ao mesmo termo. Agora, porém, Temer adicionou outros personagens à “conspiração”, mesmo que na carta aos parlamentares eles estejam ocultos.