O Estado de São Paulo, n. 45276, 03/10/2017. Política, p. A6.

 

 

ANÁLISE

 

Samba do País doido

Eliane Cantanhêde

03/10/2017

 

 

O que está acontecendo no Brasil é o samba do País doido, em que as coisas mais inacreditáveis acontecem não uma ou duas vezes, mas aos borbotões, uma atrás da outra, todo santo dia. Quando a gente acha que não pode piorar, que é impossível surgir algo ainda mais inverossímil, pode ter certeza: piora e lá vem a nova bomba, uma mais chocante do que a outra. Isso tudo gera perplexidade, irritação, desânimo.

As gravações com Joesley Batista, por exemplo, são um mistério com várias explicações, nenhuma delas convincente. Alguém aí grava sem querer uma conversa mais do que comprometedora com um braço direito, um sócio, um parente? Ou grava, também sem querer, uma troca de informações com advogados, dentro de um carro fechado com cinco pessoas?

Mas Joesley, que pode ser tudo, menos bobo, deixa um gravador ligado e sai falando cobras e lagartos de procuradores, políticos, ex-ministros e até ministros do Supremo com Ricardo Saud. E ele, ou alguém, também grava o papo dele com sua advogada, o diretor jurídico da JBS e o onipresente Saud justamente depois de uma reunião na PGR. Foi o mordomo? E o motorista?

 

O mais fantástico é que os áudios foram parar na boca do leão, ou seja, na PF, no MP, no STF e, no final das contas, nas revistas, jornais, rádios e na televisão. Tudo por acaso, por descuido? O tal Joesley, espertíssimo ao comprar políticos, ficar íntimo do governo Lula e rapar o tacho no BNDES, é um boboca, quase idiota, ao se deixar gravar assim?

Inverossímil também é o pastelão em torno do apartamento vizinho ao do ex-presidente Lula em São Bernardo. Por coincidência (como as gravações do Joesley...), o primo do pecuarista José Carlos Bumlai compra o imóvel exatamente ali, cara a cara com Lula. Depois, esse primo diz em juízo que nunca recebeu nada da família que o usava. Lula rebate dizendo que pagava, sim, senhor. No disse que disse, surgem recibos salvadores. E que recibos!

Não foram reconhecidos em cartório. Continham dois dias inexistentes no calendário, 31 de junho e 31 de novembro. Foram assinados com datas variadas, mas num único dia, e num hospital. Segundo o proprietário, a pedido do advogado Roberto Teixeira, que cuida das moradias de Lula há umas três décadas. E o mais macabro: em nome de Dona Marisa Letícia, a mulher de Lula, que morreu em fevereiro.

O STF e o Congresso já andavam se estranhando, com buscas e apreensões em gabinetes de senadores e a canetada do ministro Marco Aurélio para derrubar o réu Renan Calheiros da presidência do Senado. Mas a coisa piorou muito quando a Primeira Turma criou uma figura curiosa, a do “recolhimento noturno” do senador tucano Aécio Neves. Foi o “jeitinho jurídico”, ou o “jeitinho brasileiro”, para o STF prender Aécio sem admitir estar prendendo.

Os ministros do STF passaram a bater cabeça, não em “casa”, mas em público. Cada um fala o que bem entende, expondo as idiossincrasias internas a céu aberto. Fux, Barroso, Marco Aurélio e Gilmar, ora, ora, todos falam, enquanto Cármen Lúcia tenta acertar os ponteiros com o presidente do Senado, Eunício Oliveira. Esses meninos, ops!, esses ministros dão um trabalho!

Todas essas confusões refletem em resultados contraditórios nas pesquisas. Pelo Datafolha, Lula continua líder isolado para 2018, mas mais da metade dos entrevistados quer a prisão dele. E a grande maioria, numa resposta, defende que o processo contra o presidente Temer continue, mas, em outra, que ele conclua o mandato. O samba da pesquisa doida. É para rir ou para chorar?

 

Ideia de jerico. Juntar todos os chefões do tráfico novamente no Rio? Só pode ser brincadeira!

(...)

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PGR retoma negociação de delações premiadas

Beatriz Bulla

03/10/2017

 

 

Equipe de Raquel Dodge já analisou 10 casos da Lava Jato; tratativa de Palocci está avançada

 

 

As negociações para fechar acordos de delação premiada voltaram a andar na Procuradoria-Geral da República. Ao menos 14 tratativas relacionadas à Operação Lava Jato foram repassadas pela gestão do ex-procurador-geral Rodrigo Janot à equipe de Raquel Dodge, sucessora no cargo. Nas duas primeiras semanas de trabalho, o grupo de Raquel se inteirou dos procedimentos para dar início às conversas, agora conduzidas pelos procuradores designados pela nova chefe do Ministério Público Federal.

O grupo de Raquel já conseguiu analisar dez dos 14 casos e, destes, estabeleceu conversas com as equipes jurídicas de quatro investigados interessados em firmar acordos de colaboração. Um dos casos considerados mais avançados na Procuradoria é o do ex-ministro Antonio Palocci. A negociação com o ex-ministro é feita tanto em Brasília, na PGR, como em Curitiba, com a força-tarefa da Operação Lava Jato. Palocci está preso na capital paranaense desde setembro de 2016.

De acordo com interlocutores do grupo de Raquel, as conversas com advogados não ficaram paralisadas nas últimas duas semanas. Mas, como o grupo precisava estudar as investigações da Lava Jato, o ritmo das negociações era outro.

 

‘Fila’. O ex-presidente da Câmara e deputado cassado Eduardo Cunha (PMDB-RJ) também tentava fechar um acordo de colaboração premiada com a Procuradoria, mas teve suas iniciativas frustradas na gestão de Janot. A intenção de Cunha é conseguir fechar um acordo com a equipe de Raquel.

Além deles, estão na fila das negociações executivos da construtora OAS e o empresário Henrique Constantino, acionista da Gol. Acordos de oito executivos da OAS já foram celebrados por Janot e enviados ao Supremo Tribunal Federal, mas ficaram de fora nomes relevantes como o de Léo Pinheiro, expresidente da empresa.

Em discurso de posse, Raquel faz questão de frisar que sua gestão no Ministério Público Federal não será focada apenas na investigação criminal, mas também em outras áreas, como direitos humanos. Ela se comprometeu, durante entrevista coletiva, no entanto, com a continuidade das apurações da Operação Lava Jato.

Ao assumir a ProcuradoriaGeral da República, Raquel trocou a maior parte da equipe que conduz o caso, conhecida como grupo de trabalho da Lava Jato. Apenas dois dos dez procuradores que trabalhavam com Janot na área permaneceram. Por um mês, no entanto, parte do grupo antigo ajudou a equipe de Raquel na transição dos trabalhos.

Todas as informações protegidas por sigilo judicial – o que inclui as tratativas de delação – só foram compartilhadas com a equipe de Raquel a partir da nomeação formal do grupo de trabalho, em 18 de setembro.

 

Corrupção. Ao discursar ontem, Raquel falou sobre o que considerou como “elevada corrupção na área do financiamento eleitoral”. “Sabemos todos que muito do que está sendo investigado por crime de corrupção no País advém do modo e das práticas que estavam vinculadas ao financiamento de campanhas eleitorais”, disse a Raquel, ao dar posse aos procuradores regionais eleitorais.

A procuradora-geral afirmou ainda que o desejado no Brasil é ter “eleições limpas, honestas, financiadas do modo adequado e isentas de corrupção”.

 

Termo de compromisso

O juiz Ricardo Leite, da 10ª Vara Federal de Brasília, negou ontem a homologação de acordo pelo qual o ex-ministro Guido Mantega poderia evitar contra si um eventual decreto de prisão.

 

 

PONTOS-CHAVE

As heranças de Janot para Raquel Dodge

Palocci

Ao assumir a PGR, Raquel Dodge “herdou” 14 tratativas com vistas a fechar acordo de colaboração premiada, entre elas a do ex-ministro Antonio Palocci.

 

Odebrecht

Sob o comando de Rodrigo Janot, a PGR firmou acordos de colaboração premiada com 78 executivos da Odebrecht, entre eles o presidente da construtora.

 

Reviravolta

Em maio, a PGR reviu os termos das colaboração dos executivos da JBS com o argumento de que eles sonegaram informações aos investigadores.

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Moro pede lista de visitas a Glaucos no hospital

Julia Affonso / Ricardo Brandt

03/10/2017

 

 

Juiz quer comprovar relato de engenheiro, que diz ter assinado recibos antigos de aluguéis a pedido de amigo de Lula

 

 

O juiz federal Sérgio Moro, responsável pelos casos em primeira instância da Operação Lava Jato, determinou ontem que o Hospital Sírio-Libanês informe se o advogado Roberto Teixeira, compadre do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, e o contador João Muniz Leite visitaram o engenheiro Glaucos da Costamarques entre novembro e dezembro de 2015.

A decisão atende a pedido feito pela defesa do engenheiro, dono e inquilino do apartamento vizinho ao que Lula mora, em São Bernardo do Campo, usado pela família do petista.

No depoimento que prestou a Moro, o engenheiro afirmou que, em novembro de 2015, Teixeira o visitou no hospital. Na ocasião, relatou Glaucos, ele pediu que o engenheiro assinasse recibos retroativos a 2011 referentes ao aluguel do apartamento de São Bernardo. Segundo Glaucos, os comprovantes foram assinados no hospital mesmo, em uma outra ocasião, quando o contador o visitou.

 

Investigação. Primo do empresário José Carlos Bumlai, amigo de Lula, Glaucos é apontado como “laranja” do ex-presidente na transação imobiliária. Segundo denúncia do Ministério Público Federal, Glaucos adquiriu o apartamento com dinheiro da Odebrecht e, por meio do imóvel, a empreiteira teria repassado propina a Lula em troca de contratos da Petrobrás. Para a força-tarefa, não houve pagamento de aluguel entre fevereiro de 2011 e pelo menos novembro de 2015.

A defesa de Lula nega todas as acusações. Há duas semanas, apresentou 26 recibos para comprovar o pagamento dos aluguéis. Dois deles, entretanto, têm datas que não constam do calendário, como 31 de novembro de 2015. Em nota, o Hospital Sírio-Libanês afirmou que ainda “não recebeu da Justiça solicitação de informações sobre a internação do senhor Glaucos da Costamarques”.