O Estado de São Paulo, n. 45327, 23/11/2017. Economia, p. B3.

 

Base aliada quer idade mínima de 60 anos

Adriana Fernandes / Igor Gadelha / Idiana Tomazelli

23/11/2017

 

 

A REFORMA POSSÍVEL / Para mulher seriam 58 anos , mas governo vê 'movimentos especulativo' por barganhas

 

 

A base aliada do governo articula a redução das idades mínimas para a aposentadoria de 65 para 60 anos (homens) e de 62 para 58 anos (mulheres), segundo apurou o ‘Estadão/Broadcast’. A avaliação desses parlamentares é de que essa mudança ajudaria na busca de apoio para aprovação do texto, que hoje não tem os 308 votos necessários para passar na Câmara.

O governo, porém, vê o movimento como “pauta especulativa” para permitir mais barganhas. A redução das idades mínimas, em vez de endurecer, tornaria as regras mais benevolentes. Isso porque já há aposentadoria por idade com exigências que levam aos 60 anos para mulheres e 65 anos para homens.

Na avaliação do governo, não faz sentido aprovar regra que permita idades menores, nem mexer na transição. “Aí é melhor não fazer nada”, disse um representante do governo.

O ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, disse ontem que a pressão é natural neste momento, mas afirmou que “em princípio” as idades permanecem como na proposta.

Os parlamentares não descartam a votação de um destaque para inserir no texto emenda que prevê idades menores, de 58 e 60 anos. E articulam alteração na regra de transição. Estão em jogo tentativas para retirá-la do texto, o que agradaria a políticos que desejam uma reforma da Previdência que valesse só para novos segurados, ou seja, quem começar a contribuir para a aposentadoria após a promulgação da proposta. Para a equipe econômica, essa medida seria catastrófica, pois os ganhos esperados com a reforma seriam obtidos apenas em décadas.

 

Avanço. O relator da reforma, deputado Arthur Oliveira Maia (PPS-BA), afirmou ontem à noite, depois de jantar no Palácio do Alvorada, que as mudanças feitas por ele no texto facilitam “imensamente” a aprovação da proposta na Câmara. Ele avaliou que as conversas “estão avançando” e disse sentir uma “mudança positiva” no sentimento da população em relação à matéria nos últimos dias.

Ele reconheceu, porém, que o governo terá um trabalho “árduo” para alcançar os 308 votos necessários para aprovar a reforma no plenário. O relator admitiu que o ideal seria aprovar uma reforma mais ampla, “se tivesse apoio”. “Mas não tem.”

O vice-presidente da Câmara, Fabio Ramalho (PMDB-MG), disse ontem que o governo “não tem nem 100 votos”. O jantar de ontem à noite teve adesão abaixo do esperado. O presidente Michel Temer convidou cerca de 300 deputados da base aliada, mas, segundo o relator, cerca de 200 compareceram. “Nunca esperei 300. Se tivesse 300, tinha que votar hoje a reforma.”

 

Concessões. A pressão se intensificou na reta final das articulações e os parlamentares jogam pesado para tentar conseguir mais concessões diante do objetivo do governo de aprovar a reforma “possível”. Na visão do governo, faz parte do processo esse tipo de barganha e até “ressuscitar” pedidos que já haviam sido descartados, como no caso da idade mínima.

O presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), evitou dizer se haverá redução na idade mínima e não falou sobre o cronograma para a votação, embora haja a indicação de que a apreciação em plenário possa ocorrer em 6 de dezembro. “Não vou tratar de data”, disse após a posse do novo ministro das Cidades, Alexandre Baldy.

 

Baixa adesão. Temer discursa durante jantar para base aliada: dos 300 convidados, apenas 200 apareceram

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ANÁLISE

 

As chances da reforma previdenciária

Murillo de Aragão

23/11/2017

 

 

No atual cenário de dificuldade, o governo vai tentar votar uma proposta de reforma da Previdência desidratada. A dificuldade fica evidente quando líderes da base governista repetem o mantra de que não há votos suficientes para que ela passe no Congresso. Não é novidade.

Primeiro, porque o tema é mal vendido para a sociedade. Segundo, porque as corporações de funcionários públicos são contra a reforma e investem pesado na contrainformação. Configurase então a situação que os ingleses chamam de “horse trade” político, no melhor estilo de apontar dificuldades para oferecer facilidades.

Essa votação é uma oportunidade de ouro para que se obtenham vantagens com o governo usando-se como pretexto o potencial dano para os deputados em ano eleitoral, já que a reforma é impopular. Dano que, cá entre nós, não é lá grande coisa, já que a maioria dos deputados não se elege com o quociente eleitoral mínimo, e sim pegando carona no índice atingido pelos puxadores de voto. Estes, sim, devem fazer o cálculo político de uma eventual perda de votos. Já os demais não são fortemente afetados.

Hoje não existem votos suficientes para se aprovar uma reforma previdenciária, mesmo desidratada. Pelas nossas contas, faltam cerca de 50 votos para o governo enfrentar o desafio com margem mínima de segurança. Porém, ainda que existam resistências políticas sérias e que o fantasma do prejuízo eleitoral ronde o assunto, o governo tem meios de construir apoio para uma reforma limitada.

Mesmo sem desejar votá-la, a maioria esmagadora do Congresso sabe do imenso risco fiscal que corremos e que o atual sistema previdenciário é injusto e insustentável. Tanto é que todos os presidentes da República, desde FHC, tentaram aprovar algumas mudanças.

Para obter sucesso neste momento, o Planalto terá de reorganizar sua base, desalojar infiéis, abrigar aliados e limitar a proposta a, no máximo, dois ou três temas (três podem ser aprovados: limite mínimo de idade, equiparação das aposentadorias nos setores público e privado e regra de transição). Sem contar que precisa trabalhar intensamente a comunicação da proposta com a sociedade.

 

CIENTISTA POLÍTICO E SÓCIO-FUNDADOR DA ARKO ADVICE