O globo, n.30742 , 07/10/2017. PAÍS, p.4

LAVA-JATO: RECIBOS SÃO ‘IDEOLOGICAMENTE FALSOS’

 GUSTAVO SCHMITT

 DIMITRIUS DANTAS

 

 

Procuradores dizem que papéis apresentados por Lula não valem e pedem aumento da pena no caso tríplex

 

Apresentados pelo expresidente Luiz Inácio Lula da Silva para comprovar o pagamento de aluguéis ao empresário Glaucos da Costamarques pelo apartamento vizinho ao que mora em São Bernardo do Campo (SP), os recibos provocaram mais um obstáculo para o petista na Lava-Jato. Um outro revés veio também ontem: o Ministério Público Federal pediu à 2ª instância o aumento da pena de Lula pelo tríplex no Guarujá.

PROCESSO EM FASE FINAL

Após Glaucos afirmar ao juiz Sergio Moro que assinou os recibos referentes a 2015 de uma vez só enquanto estava internado no hospital, como revelou O GLOBO na semana passada, a Lava-Jato pediu ao juiz uma perícia dos documentos. Segundo os procuradores, os comprovantes são “ideologicamente falsos". Moro ainda não decidiu sobre esse pedido.

A polêmica ocorre na fase final do processo, antes da sentença do juiz da Lava-Jato, que já condenou o ex-presidente a nove anos e seis meses de prisão pelo caso do tríplex.

“Os recibos apresentados pela defesa têm origem desconhecida, não trazem nenhuma comprovação a respeito da data em que foram produzidos”, diz a força-tarefa no documento encaminhado a Moro.

Nesse caso, Lula é acusado de ter recebido propinas da Odebrecht por meio da compra de um terreno em São Paulo que serviria como sede do Instituto Lula, além dos alugueis do apartamento. Glaucos da Costamarques teve participação nos dois negócios: no primeiro, vendeu o terreno para a DAG, empresa “laranja” da Odebrecht. Depois, firmou um contrato de aluguel com Lula, mas nunca teria recebido os valores.

Costamarques sustenta que não recebeu qualquer aluguel de fevereiro de 2011 até novembro de 2015, quando seu primo José Carlos Bumlai foi preso. Um dia após a prisão, internado no hospital Sírio-Libanês, em São Paulo, Costamarques teria recebido a visita do advogado Roberto Teixeira, compadre de Lula, dizendo que os aluguéis passariam a ser pagos. Pouco depois, foi procurado pelo contador João Muniz Leite, que, a pedido de Teixeira, teria levado a remessa de recibos para serem assinados. Na segunda-feira, Moro determinou que o Sírio-Libanês informe as datas de visitas do contador e de Roberto Teixeira a Costamarques.

Além da questão sobre o momento das assinaturas, os documentos apresentam uma série de erros, como datas inexistentes. Para os procuradores, as incorreções são elementos indicativos de que os 26 recibos foram “confeccionados para dar falso amparo à locação simulada do apartamento”. Eles argumentam que quebras de sigilo bancário demonstraram que Costamarques não recebeu valores de Lula, da ex-primeiradama Marisa Letícia e nem mesmo do Instituto Lula e da LILS Palestras, pertencente ao petista, o que comprovaria a inadimplência do aluguel.

Segundo a força-tarefa, as provas demonstram que os recibos são papéis criados para disfarçar a real titularidade do imóvel usado pelo ex-presidente, que foi comprovadamente comprado com recursos oriundos da Odebrecht.

“Isto é, indicativos de que se trata de documentos falsos”, diz o documento do MPF, assinado pelo coordenador da força-tarefa, Deltan Dallagnol, além de outros 11 integrantes da Lava-Jato.

O ex-presidente nega as acusações e alega ser vítima de lawfare, em tradução livre, guerra jurídica com manipulação do sistema legal.

Advogado de Lula, Cristiano Zanin Martins disse em nota que “a perícia nos recibos irá demonstrar que eles são idôneos e foram assinados pelo proprietário do imóvel, dando quitação dos aluguéis à D. Marisa, que contratou a locação”. Segundo a defesa, o “questionamento do MPF é uma tática ilusionista de quem não conseguiu provar que valores provenientes de contratos da Petrobras beneficiaram o ex-presidente Lula".

ATITUDE “INADMISSÍVEL”

No pedido do Ministério Público Federal para que os desembargadores do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (Porto Alegre) aumentem a pena de Lula pelo tríplex no Guarujá, o procurador Maurício Gotardo Gerum criticou a estratégia da defesa de Lula, que tem acusado um suposto processo político em curso contra o ex-presidente.

Caso o petista tenha sua condenação confirmada, poderá ficar impossibilitado de concorrer à Presidência da República nas eleições de 2018.

“É inadmissível que, especialmente, um ex-presidente da República ponha em dúvida as instituições que dão lastro à nossa democracia’’, escreveu Gerum, para quem Lula deveria ser condenado também por corrupção em relação aos três contratos superfaturados entre a OAS e a Petrobras.

Em nota, a defesa de Lula afirmou que o procurador quer a condenação do ex-presidente Lula sem prova de sua culpa e desprezando a prova de sua inocência e que não há qualquer indicação de valores provenientes de contratos firmados com a Petrobras terem sido direcionados para beneficiar o petistas.