Correio braziliense, n. 19915, 01/12/2017. Política, p. 2

 

Corrida contra o tempo na Câmara

Natália Lambert

01/12/2017

 

 

PODERES » Mesmo com reforço na negociação a partir da próxima semana, os governistas começam a considerar falta de votos para aprovar as mudanças nas regras das aposentadorias até o fim deste ano. E, assim, iniciam ensaios do discurso para um eventual recuo

Diante de mais um adiamento da votação da reforma da Previdência na Câmara, o calendário começa a comprimir os planos do governo em aprovar a proposta ainda este ano. A expectativa do ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, era de que o primeiro turno da votação da Proposta de Emenda à Constituição fosse na próxima quarta-feira, dia 6, mas o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), avisa que o apoio está “muito longe dos 308 votos”. A semana que vem será de reforço na articulação, mas a fragmentação dos partidos e a dificuldade de convencimento dos parlamentares faz o governo cogitar adiar o assunto para o início do ano que vem.

Só a declaração de Maia de que não conseguirá pautar a reforma para esta semana já provocou reações no mercado financeiro. “A gente está tentando construir o texto em cima dos 308 votos. A gente sabe que está muito longe disso ainda. Muito longe mesmo, infelizmente”, disse, na saída de um evento em São Paulo, na manhã de ontem. Com a perspectiva de adiamento da reforma da Previdência, o mercado de ações despencou e o dólar subiu. A Bolsa de Valores de São Paulo (B3) fechou o pregão de ontem com queda de 1% em relação à véspera a 71.971 pontos e a divisa norte-americana valorizou 0,93% em relação ao real e encerrou o dia cotada a R$ 3,269 para a venda.

Questionado se está sendo pessimista, Maia afirmou que é “realista”. “Trabalho 24 horas por dia neste tema. Me falam (sic) para sair, mas não vou. A reforma da Previdência é que vai garantir o futuro das crianças brasileiras”, comentou o presidente da Câmara sem cravar datas possíveis e números de votos. O desânimo de Maia aumentou depois da votação da Medida Provisória do RePetro, na última quarta-feira. Com o quórum baixo (392), a MP passou com 208 votos e 184. Para aprovar uma PEC, são necessários 308. “Uma matéria importante, que não é polêmica. A base não está da maneira como a gente precisa para votar a reforma”, ressaltou Maia. A oposição comemorou a dificuldade do governo em aprovar a MP. “É um indicativo. Deram uma demonstração de que estão muito longe de conseguir os votos. Aumentam nossas chances de derrubar”, comenta o deputado Glauber Braga (Psol-RJ).

Com mais uma semana de prazo para trabalhar a base governista, o presidente Michel Temer se reúne no domingo com ministros, os presidentes do Congresso, líderes de partidos e aliados para traçar novas estratégias de convencimento dos deputados. Fontes governistas admitem, porém, que a reunião será para distribuir responsabilidades no caso de eventual adiamento da reforma para o ano que vem, inclusive, jogando parte da culpa no colo do PSDB. “Eles não estão cumprindo o compromisso com as reformas e estão dificultando a negociação. Se não for esse ano, a ideia é trabalhar para aprovar no começo do ano que vem, mas essa negociação em ano eleitoral será ainda mais complicada. Muitos deputados estão com medo de assumir o desgaste, e o Senado segurar até depois das eleições”, comenta um peemedebista que prefere não se identificar.

Um dos principais articuladores de Temer no Congresso, o deputado Beto Mansur (PRB-SP) acredita que dá para votar a reforma neste ano. Contador oficial de votos em temas importantes, Mansur já garante um placar parecido com o que salvou o presidente da segunda denúncia, quando 251 apoiaram Temer. “E ainda dá para conseguir muitos votos. Não temos dia 6, mas temos dia 12, dia 13. Estamos trabalhando e vamos aprovar. A semana é para negociar”, afirma. O parlamentar define o quadro com três tipos de deputados: o que quer cargo e emenda, o que é ideologicamente contra e o que está com medo das eleições. “O último é o mais difícil, mas esse povo tem que colocar a cabeça no lugar. Se não aprovar, ano que vem vai ser pior. Quantos votos ele vai conseguir a mais ao dizer que não votou?”, questiona.

A fase de negociar mudanças na proposta já passou, segundo uma fonte do governo, porque a questão agora não é mais técnica, é política. “Ainda dá para aprovar este ano. Os deputados não se opõem ao texto, o problema é político. A estratégia é articular com lideranças e deputados”, comentou. Diante da pressão, deputados já falam em empurrar a votação para depois das eleições, mas o governo repudia a possibilidade. “O problema é que chega em novembro do ano que vem e vão falar que é o próximo governo que tem que definir o assunto. Vai empurrando. Se não for agora, fica difícil a qualquer momento”, ponderou. Colaboraram Rosana Hessel e Alessandra Azevedo

Reação imediata

A perspectiva de o governo deixar para 2018 a votação da reforma da Previdência fez com que a Bolsa de Valores de São Paulo registrasse em novembro o pior mês desde maio, quando foi divulgada a delação da JBS. A moeda americana chegou a subir quase 2% ao longo do dia, mas reduziu devido à iniciativa do Banco Central, que anunciou a rolagem de contratos de Swap cambial para hoje. Se conseguir comprador para todos os papéis, o total estimado pelo mercado é de US$ 9,6 bilhões.