O globo, n. 30698, 24/08/2017. País, p. 4.

 

Juízes do trabalho receberam verba indevida, diz autoria

Vinicius Sassine

24/08/2017

 

 

TCU vai investigar pagamentos irregulares por acúmulo de serviço

 

 

A Justiça do Trabalho pagou gratificações por acúmulo de serviço a juízes que atrasaram de forma reiterada a assinatura de sentenças, a magistrados que dividiam o trabalho com outro colega numa mesma vara e até mesmo a quem estava de férias ou sem atuação. A constatação é de uma auditoria do próprio Conselho Superior da Justiça do Trabalho (CSJT), de março deste ano, enviada ao Tribunal de Contas da União (TCU).

O tribunal determinou ontem uma investigação sobre os pagamentos da gratificação aos juízes na Justiça do Trabalho e na Justiça Federal.

As irregularidades nos pagamentos, detalhadas no relatório de auditoria do CSJT, foram verificadas em 17 Tribunais Regionais do Trabalho (TRTs) e dizem respeito a pagamentos feitos entre novembro de 2015 e abril de 2016. De R$ 23 milhões pagos em gratificações no período, a juízes e desembargadores, R$ 3,3 milhões — 14,3% — foram irregulares e devem ser ressarcidos aos cofres públicos, conforme a auditoria enviada ao TCU.

Uma resolução do CSJT, de outubro de 2015, estabeleceu as regras para o pagamento da gratificação por acúmulo de trabalho. A auditoria foi feita levando em consideração as especificações da resolução. A gratificação corresponde a um terço do salário do juiz. Um magistrado em primeira instância começa ganhando R$ 27,5 mil, o que coloca o benefício na ordem de R$ 9,16 mil.

O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) autorizou que juízes de segunda instância recebam a gratificação por acúmulo de trabalho. O valor total está submetido ao “abate teto”. Assim, o salário total não pode ultrapassar R$ 33,7 mil, valor do subsídio de um ministro do Supremo Tribunal Federal (STF).

A auditoria do CSJT apontou falhas nos mecanismos de controle interno do pagamento do benefício. Essas falhas “propiciaram pagamentos a juízes que se encontravam em situação de atraso reiterado na prolação de sentenças, que estavam atuando concomitantemente com outro magistrado na mesma vara do Trabalho, que teriam acumulado acervo processual inferior a 1,5 mil processos novos ou que se encontravam de férias ou afastados da atividade judicante”.

A resolução de 2015 do CSJT estabelece que a gratificação é válida em casos de varas que recebem mais de 1,5 mil processos novos por ano. O benefício deve ser pago basicamente a juízes que acumulam processos de dois gabinetes.

 

SUSPENSÃO IMEDIATA

Outros pontos da resolução foram contrariados, mostrou a auditoria. Segundo a resolução, a gratificação deve ser paga a magistrados designados para a função em mais de uma vara por período superior a três dias úteis e não inclui sábados, domingos e feriados, a não ser que a substituição seja por período igual ou superior a 30 dias. “As falhas nos mecanismos de controle interno permitiram a percepção de valores referentes a períodos de concessão inferiores a quatro dias úteis; a sábados, domingos e feriados em designações inferiores a 30 dias; à utilização de divisor diferente de 30 para apuração do valor diário devido”, citou a auditoria.

A gratificação foi paga a desembargadores que não ocupavam cargos de direção, nem atuavam em órgão especial ou seção especializada. O pagamento foi considerado irregular. Também houve uma “ampliação das exaustivas hipóteses” previstas na resolução, permitindo que juízes da primeira instância recebessem gratificação mesmo sem atuar nos órgãos listados na resolução.

A determinação do TCU para que ocorra uma auditoria nesses pagamentos foi feita pelo ministro Bruno Dantas e comunicada ontem ao plenário do tribunal. Segundo o ministro, caso a área técnica entenda ser necessário, uma medida cautelar poderá ser adotada para a “suspensão imediata de pagamentos irregulares”.

Dantas afirmou que, em todo o ano passado, a despesa com a gratificação foi superior a R$ 49 milhões, dinheiro gasto com juízes de 24 TRTs. Neste ano, já ultrapassa R$ 31 milhões.

— Num momento em que o país enfrenta grave crise fiscal e financeira, com os setores político e econômico envidando grandes esforços para contornar tais dificuldades, me parece temerário que os já consideráveis gastos com a gratificação sejam majorados. Igual vantagem está sendo concedida também no âmbito da Justiça Federal, o que só reforça a necessidade de descortino do tema, a fim de interromper pagamentos indevidos antes que o rombo atinja montantes ainda mais substanciais — disse Dantas.

 

INFORMAÇÕES “PRELIMINARES”

Em nota divulgada na noite de ontem, o CSJT afirmou que o relatório de auditoria enviado ao TCU ainda será julgado administrativamente e que precisa ser votado pelo plenário do conselho para “ter validade e comprovar, de fato, as irregularidades”. “As informações enviadas são preliminares, sem caráter oficial”, diz a nota. “A instauração do processo pelo CSJT demonstra a preocupação e o engajamento da Justiça do Trabalho para restringir o pagamento de gratificações de forma ampliada aos magistrados. O conselho também recorreu das decisões do CNJ que determinaram que os TRTs pagassem a cerca de 570 magistrados gratificação extra por excesso de processos”.

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Cármen: crimes contra a vida são prioridade

24/08/2017

 

 

Presidente do Supremo reafirma compromisso para julgar ações

 

 

 A presidente do Supremo Tribunal Federal (STF) e do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), ministra Cármen Lúcia, informou, por intermédio de sua assessoria, que, embora não tenha mais uma meta numérica, a instituição continua dando prioridade ao julgamento de processos antigos relacionados aos crimes contra a vida. Segundo a assessoria, o CNJ não abandonou a meta de julgar esses casos. Mas admitiu que, como noticiou O GLOBO, não foi estabelecido um percentual para análise de processos que envolvam homicídios dolosos, entre outros crimes.

“Não houve abandono da meta, até mesmo porque consta das Metas para os Tribunais para 2017 o aumento do número dos julgamentos de crimes dolosos contra a vida e, em especial, os que digam respeito àqueles que tenham presos provisórios”, diz nota produzida pela assessoria da presidente do STF.

O GLOBO informou, na segunda-feira, que 64,5 mil processos de crimes contra a vida, que chegaram ao Judiciário até 2012, permanecem sem julgamento. A Estratégia Nacional de Justiça e Segurança Pública (Enasp), um movimento firmado em 2010 por diferentes órgãos no combate à violência letal, havia estabelecido metas de julgamento de processos antigos. No entanto, o CNJ desistiu de estabelecer um percentual a ser atingido. Para que o índice fosse definido, uma portaria deveria ter sido editada, o que não foi feito desde a segunda gestão do ministro Ricardo Lewandowski, antecessor de Cármen Lúcia na presidência do CNJ.

 

MÊS DO JÚRI

A assessoria de Cármen Lúcia no CNJ afirma que a metodologia mudou e que existe intenção de dar prioridade para julgamento desses casos. Segundo ela, a presidente do conselho tem mantido contato com tribunais de Justiça em todo o país para manter esse esforço.

“Foi instituída, em 6 de setembro de 2016, nova recomendação, transformando o que antes era a Semana Nacional do Júri (para julgar crimes dolosos contra a vida) em Mês Nacional do Júri, exatamente para se dar cumprimento aos processos afetos às Metas Enasp/CNJ”, diz a nota do CNJ, acrescentando:

“A presidente do Conselho Nacional de Justiça assumiu diretamente a condução das ações que visam não somente executar o programa de metas, mas sobretudo ampliá-lo, propondo melhor atendimento das varas de júri, maior número de julgamentos, mutirão nos tribunais de Justiça, nos quais pendem recursos que impedem a realização do júri, entre outras medidas adotadas”.