Correio braziliense, n. 19970, 26/01/2018. Política, p. 5

 

PT lança a pré-candidatura

Paulo de Tarso Lyra

26/01/2018

 

 

JUSTIÇA » Mesmo com Lula condenado em 2ª instância, uma das inelegibilidades da Ficha Limpa, partido decide que ex-presidente disputará as eleições

Em confronto direto com a Justiça, o PT lançou a pré-candidatura do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva ao Planalto. Para completar, o ex-presidente disse que não tem como respeitar a decisão do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, de Porto Alegre. Tudo isso um dia após ser condenado a uma pena de 12 anos e 1 mês de prisão por corrupção passiva e lavagem de dinheiro. “Quando as pessoas se comportam como juízes, eu sempre respeitei. Mas, quando as pessoas se comportam como se fossem dirigentes de partido político, contando inverdades a respeito da pessoa, não citando sequer a razão pela qual tem um processo, lamento que eu não posso respeitar”, disse o ex-presidente.

Diante de uma plateia de aliados que incluía a ex-presidente Dilma Rousseff, parlamentares e governadores do partido, Lula disse que, se respeitar a decisão tomada pelos desembargadores, vai perder o respeito de todos. “Se eu respeitar essa decisão, eu perderei o respeito da minha neta de 6 meses, do meu neto de 4, do meu neto de 8, da minha filha, do meu filho e perderei o respeito de vocês. E eu não vou perder o respeito de vocês”, justificou.

O discurso de Lula alterna a estratégia do confronto direto com a cautela para não prejudicar possíveis recursos em outras instâncias. Como a condenação unânime restringiu o campo de atuação junto ao TRF-4 a embargos de declaração — que não alteram o teor da sentença —, o petista preferiu mirar na Corte e não atacar os tribunais superiores. Ele se disse vítima de um “cartel” dos juízes do TRF-4 para confirmar a sentença do juiz Sérgio Moro.

“Um cidadão ficou seis meses com o processo, o outro teve seis dias, e o outro nem tinha pegado para ler. E eles construíram um cartel para dar uma sentença unânime para evitar o tal embargo infringente. Eles formaram um cartel para tomar uma decisão com o pretexto de apressar a possibilidade de evitar que o PT tenha o Lula como candidato a presidente da República ou de evitar que a gente volte a ganhar as eleições”, acusou o ex-presidente.

O petista sabe, contudo, que a margem de manobra está reduzida. E deixou clara a necessidade de construir alternativas política caso a pré-candidatura dele seja de fato impugnada. Ele ainda corre o risco de ser preso após o trânsito em julgado dos recursos em segunda instância. “Espero que essa candidatura não dependa do Lula”, afirmou. “Essa candidatura só tem sentido se vocês forem capazes de fazê-la, mesmo que aconteça uma coisa indesejável. É colocar o povo brasileiro em movimento”, ressaltou.

O ex-presidente lembrou que existem outros candidatos no campo da esquerda que poderiam dar continuidade ao debate. “Nós não estamos jogando sozinhos no campo”, afirmou o petista no evento. “Nós temos outros candidatos e as pessoas que me julgaram ainda têm a caneta com tinta e certamente vão tentar criar obstáculo para evitar que o Lula continue andando pelo país falando mal deles”, completou.

Plano B

Meio que sem saída e com a necessidade de manter a militância animada, a senadora Gleisi Hoffmann (PT-PR), presidente nacional do PT, negou que o partido trabalhe com um plano B à candidatura de Lula. “Lula é o nosso candidato às eleições de 2018”, confirmou ela no palco, antes de colocar em votação a candidatura do ex-presidente, aprovada por aclamação pelo auditório reunido na sede nacional da Central Única dos Trabalhadores (CUT), na região central de São Paulo. “O dom Pedro (Dom Pedro I) criou o Dia do Fico e eu vou dizer o ‘dia do aceito’. Eu aceito a indicação de pré-candidato pelo partido”, afirmou o petista.

Lula negou que a insistência na candidatura seja uma forma de se proteger das ações judiciais. Caso seja candidato e vença as eleições, o ex-presidente recupera o foro privilegiado e não pode ser investigado por ações anteriores ao mandato. Lula falou que, às vezes, tem a impressão de que as investigações contra ele são a maior injustiça cometida na humanidade. “Não é verdade”, prosseguiu. “Jesus Cristo foi condenado à morte sem dizer uma palavra, recém-nascido. E se o José não corre, ele tinha sido morto. Era a tentativa de julgar alguém que vinha para fazer alguma coisa boa.” E completou: “E olha que não tinha empreiteira naquele tempo, não tinha Lava- Jato”. Logo depois, ele recuou e disse que não estava se comparando a Jesus Cristo.

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Movimentação de aliados

Paulo de Tarso Lyra e Rodolfo Costa

26/01/2018

 

 

A possibilidade concreta de que Lula não concorra às eleições de outubro vai mexer no tabuleiro da corrida presidencial. Os primeiros a se movimentarem são os aliados tradicionais. A maioria deles vai lançar candidatos ao Planalto, com ou sem a presença de Lula na cédula eleitoral. “As candidaturas que estão postas precisam ser mantidas”, defendeu a presidente nacional do PCdoB, deputada Luciana Santos (PE).

De qualquer maneira, Luciana reconhece que os partidos de esquerda precisarão fazer uma reunião para avaliar os próximos passos e construir uma plataforma de campanha junta. No caso do PCdoB, a manutenção da candidatura de Manuela D’Ávila ainda é uma necessidade específica do partido. A partir das eleições de 2020, entrará em vigor a cláusula de barreira. E uma campanha majoritária presidencial pode ajudar na eleição de uma bancada de deputados federais mais robusta. “O PCdoB precisa jogar com as regras que estão colocadas”, admitiu Luciana.

Em outro campo político, o PPS também se prepara para a disputa eleitoral. O partido não terá, até o momento, candidatura majoritária. A legenda tentou convencer o apresentador Luciano Huck a se filiar ao PPS, mas as conversas não prosperaram. “As coisas estão como estavam antes, é cedo para avaliar os impactos. Na próxima semana, vamos firmar uma parceria com o Movimento Agora para que possamos atrair nomes disponíveis a disputar as eleições de outubro”, anunciou Freire.

A condenação de Lula ainda é avaliada com cautela pelo governo. Embora as chances de inelegibilidade do petista apontem para a perspectiva de uma divisão do eleitorado, o que, em tese, pode favorecer a candidatura do governo, o Palácio do Planalto está comedido em relação ao tema. “Tem que esperar para ver o tamanho do estrago e observar o que o PT vai fazer. Que vai tentar reagir, vai, mas até quando levará adiante a candidatura? É muito cedo avaliar qualquer coisa ainda”, ponderou um interlocutor do presidente Michel Temer.

O presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), mantém a mesma cautela. Potencial candidato em uma frente de centro orquestrada pelo governo, com amplo apoio de partidos da base, ele avalia que a situação ainda é muito incerta para analisar os impactos. “Fazer análise para daqui a 24 horas no cenário político brasileiro de hoje já está difícil, né? Para outubro, é quase impossível”, disse.

A expectativa de fortalecimento do centro em decorrência da condenação de Lula dependerá muito do grau de unidade e da aliança que o governo e a base conseguir montar, adverte o cientista político Cristiano Noronha, sócio da consultoria Arko Advice. “Havendo uma insistência desse centro se fragmentar, o problema pode ficar similar ao da esquerda, que começou a se dividir”, analisou. O deputado federal Rogério Rosso (PSD-DF) concorda com a avaliação de Noronha. “O centro só poderá ter algum tipo de chance se permanecer unido”, ponderou. (Paulo de Tarso Lyra e Rodolfo Costa)