Correio braziliense, n. 19970, 26/01/2018. Economia, p. 8

 

Dívida pública acelera e vai a R$ 3,6 trilhões

Rosana Hessel e Hamilton Ferrari

26/01/2018

 

 

CONJUNTURA » Governo federal acrescentou R$ 446,4 bilhões, apenas no ano passado, ao montante de títulos públicos emitidos para cobrir os sucessivos deficits nas contas públicas. Para especialistas, sem reformas, o endividamento continuará crescendo

A dívida do governo federal em títulos públicos aumentou em R$ 446,4 bilhões no ano passado, alcançando um total de R$ 3,6 trilhões. Em relação a 2016, o endividamento federal cresceu 14,3%, muito acima da inflação do período, que ficou em 2,95%. Na comparação com o saldo no fim de 2013, antes do início do processo de deterioração das contas públicas, que passaram a ter deficits primários consecutivos a partir do ano seguinte, a dívida ficou 67,7% maior.

Os dados foram divulgados ontem pela Secretaria do Tesouro Nacional, que prevê novo salto da dívida neste ano. De acordo com o Plano Anual de Financiamento (PAF), o endividamento federal poderá chegar a R$ 3,89 trilhões no fim de 2018. Isso implicará alta de 11,8% do estoque  registrado no ano passado. Em relação a 2013, a expansão poderá chegar a 87,5%.

Especialistas veem os números com preocupação, observando que o aumento acelerado da dívida pública foi um dos principais motivos do recente rebaixamento da nota de crédito do país pela Standard & Poor’s (S&P).

O governo tem registrado sucessivos deficits primários nas contas públicas desde 2014, e tudo indica que continuará no vermelho até a próxima década, sobretudo se a reforma da Previdência não for aprovada, dizem os analistas. Dessa forma, o endividamento continuará aumentando. Pelas estimativas da S&P, a dívida pública bruta ficará acima de 80% do Produto Interno Bruto (PIB) ainda neste ano. A agência considera “muito difícil” que a mudança das regras da aposentadoria seja aprovada em 2018.

A secretária do Tesouro Nacional, Ana Paula Vescovi, é mais otimista e prevê que a dívida bruta ficará neste ano em 74,8% do PIB, levando em conta a esperada devolução de R$ 130 bilhões do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) ao Tesouro.

A previsão da secretária, porém, está longe de estimativas do mercado financeiro. Para este ano, o Instituto Fiscal Independente (IFI), por exemplo, prevê que a dívida bruta chegará a 79,3% do PIB, no cenário base, e a 82,3% do PIB, no cenário mais pessimista, o qual considera que não haverá avanço nas reformas. Vale lembrar que, de qualquer forma, o número é muito alto. Na média dos países emergentes, a relação dívida/PIB é bem menor, de 48%, segundo o Fundo Monetário Internacional (FMI).

“O ritmo de crescimento da dívida pública reflete a desorganização das contas da União. O desarranjo é tão grande que parece que o país passou por uma guerra, e que a perdeu”, lamentou o economista José Matias-Pereira, professor de administração pública da Universidade de Brasília (UnB). Ele lembrou que, apesar da troca de governo, em 2016, os problemas persistem na área fiscal. “As necessidades de ajuste são as mesmas, tanto que a trajetória de crescimento da dívida vem sendo motivo de alerta das agências de risco”, completou.

Ana Paula Vescovi reconheceu que o endividamento do país é muito alto e disse que, sem a reforma da Previdência, a tendência é de que, nos próximos anos, o governo não consiga cumprir a Emenda Constitucional nº 95, do teto dos gastos. “O Brasil é um país com uma dívida pública muito elevada, comparado aos seus pares. Ela cresceu muito nos últimos anos e ainda vai crescer nos próximos”, apontou.

A secretária destacou o esforço fiscal feito pelo Tesouro, que voltou a registrar superavit. No entanto, o crescente deficit nas contas da Previdência acaba provocando aumento da dívida pública. Neste ano, o Tesouro precisará emitir R$ 108,4 bilhões em títulos para cobrir o deficit primário da União, sendo que R$ 71,2 bilhões serão destinados para o rombo da Previdência.

O economista-chefe da Opus Investimento, José Márcio Camargo, lembrou que a reforma da Previdência não vai fazer a dívida pública reverter a trajetória de imediato, mas mudará a percepção dos investidores quanto ao Brasil. “O mercado terá a expectativa de que a dívida vai diminuir lá na frente, sendo um bom negócio investir no país”, afirmou. Para Camargo, o descumprimento do teto dos gastos será o maior problema do governo se não houver a reforma previdenciária.

Restos a pagar

Diante da expectativa de entregar um resultado primário abaixo da meta prevista na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) em 2017, a equipe econômica ampliou em R$ 6,8 bilhões o estoque de restos a pagar de 2018, para R$ 155 bilhões, conforme dados do Tesouro. Esse montante, se somado aos R$ 13 bilhões de aumento nas receitas extraordinárias com concessões do setor de energia, chega perto dos R$ 20 bilhões de ampliação da meta fiscal da LDO, que passou de um rombo de R$ 139 bilhões para até R$ 159 bilhões. De acordo com Ana Paula Vescovi, o resultado primário de 2017, que será divulgado na próxima terça-feira, ficará “abaixo da meta da LDO”.

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Brasil mira investidor em Davos

26/01/2018

 

 

Na intenção de mostrar que é bom fazer negócios no Brasil, o ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, conversou com empresários durante a tarde de ontem em Davos, na Suíça. Quinze reuniões estavam marcadas com os interessados no país, que foram informados pelo representante da equipe econômica que o crescimento econômico do Brasil está sustentado num cenário estável, de inflação baixa e juros controlados. Entretanto, os estrangeiros cobraram medidas para reverter o quadro deteriorado das contas públicas. A começar pela reforma da Previdência. Por enquanto, o governo não tem os votos suficientes para aprovação.

O ministro e o presidente Michel Temer participaram do Fórum Econômico Mundial (WEF, na sigla em inglês). Temer retornou na noite de ontem ao Brasil.

O país está longe de ter no encontro mundial o reconhecimento de que desfrutava em 2009, quando o surfava em plena crise mundial. Mesmo assim, Temer avaliou que o dever foi “cumprido” em Davos. “Muitos investidores pediram que seja aprovada a reforma da Previdência, tendo em vista que isso aumenta ainda mais a credibilidade e a confiança no nosso país”, disse em vídeo nas redes sociais.

No mercado financeiro do Brasil, a participação de Temer e Meirelles no evento foi vista com bons olhos. O economista-chefe da Opus Investimento, José Márcio Camargo, afirmou que o país está numa trajetória de crescimento e, por isso, há grandes possibilidades de investimentos.

“Essas viagens servem para aumentar as informações sobre o que está acontecendo no país. Se os investimentos vão se efetivar, vai depender mais do Brasil, que precisa fazer as reformas”, apontou. “Existe um esforço para reduzir o agravamento fiscal, mas o grande problema é a Constituição, porque os gastos obrigatórios crescem mais do que a inflação todos os anos, o que é insustentável a longo prazo”, completou.

Na avaliação do economista-chefe para mercados emergentes da consultoria Capital Economics, Neil Shearing, os investidores não estão olhando para o curto prazo. “Ainda é possível aprovar a reforma da Previdência, mas o mercado está olhando mais para as eleições ”, opinou.

Alexandre Espirito Santo, economista da Órama, viu com bons olhos a ida de Temer ao WEF em Davos. “Estava faltando essa representatividade do país no evento que reúne a elite global de investidores.(RH e HF)

Apoio na OCDE

Em sua conta no Twitter, o ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, disse que discutiu com diversos países as mudanças nas regras da Previdência durante o Fórum Econômico Mundial em Davos, na Suíça. Ele afirmou que pôde ver a experiência das nações que já implementaram as mudanças nas regras previdenciárias. Definiu que a proposta brasileira está “bastante alinhada” com aquilo que é mais “moderno” e já foi implementado no mundo. Meirelles disse ainda que se encontrou com o secretário do Tesouro norte-americano, Steven Mnuchin, que declarou apoio pessoal à entrada do Brasil na Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). “Ele deve nos visitar em março para avançarmos no trabalho conjunto”, apontou Meirelles.