O Estado de São Paulo, n. 45364, 30/12/2017. Política, p.A4

 

 

 

 

 

Governo recua e STF dará palavra final sobre indulto

Posição. Planalto diz que jamais ‘praticou qualquer ato de inibição’ à Lava Jato e que decisão rompe com a tradição do perdão; juristas divergem sobre limites do decreto

Por: Carla Araújo / Felipe Frazão


Carla Araújo 
Felipe Frazão
/ BRASÍLIA

O governo Michel Temer desistiu ontem de publicar um novo decreto de indulto natalino depois de a presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministra Cármen Lúcia, derrubar trechos do texto. Com isso, vale a publicação de 21 de dezembro com as regras do perdão de penas, excluindo três artigos e dois incisos vetados por Cármen. A avaliação era de que esses trechos poderiam colocar em risco a Lava Jato por estender o benefício a condenados por crimes como corrupção e lavagem de dinheiro. O ministro da Justiça, Torquato Jardim, afirmou ontem que o governo obedecerá ao Supremo e aguardará o julgamento final da Corte. A decisão de Cármen Lúcia foi por meio de liminar (caráter provisório). Só a partir de fevereiro, após o fim do recesso, o relator do caso, ministro Luís Roberto Barroso, poderá levá-lo a plenário. Torquato divulgou nota depois de se encontrar com Temer no Palácio do Jaburu, em Brasília.

“A decisão impede, neste momento, que milhares de condenados por crimes sem grave ameaça ou violência à pessoa possam beneficiar-se do indulto, contrariando a nossa tradição. O governo federal jamais praticou ato qualquer de restrição ou inibição à Operação Lava Jato”, disse o ministro. Ele se referia a um dos itens barrados que previa o indulto a condenados por crime sem violência que já tivessem cumprido um quinto da pena, se não reincidentes, e um terço, se reincidentes. Em 2016, o indulto exigia o mínimo de um quarto. O projeto original de indulto feito pelo Conselho nacional de Política Criminal e Penitenciária (CNPCP) a que o Estado teve acesso e entregue pelo conselho ao ministro da Justiça previa a exclusão de indulto dos acusados de crimes contra a administração pública (corrupção, por exemplo) e de lavagem de dinheiro e organização criminosa. A restrição foi retirada do texto do decreto. Também previa a necessidade de uma quarto do cumprimento de pena para se ter o benefício.

Polêmica. Apesar dessas mudanças, o professor de Direito Penal da Universidade de São Paulo (USP) Sérgio Salomão Shecaira, diz que as reações contra o decreto do governo não se sustentam. O documento até podia ter excluído do indulto os corruptos por “oportunidade e conveniência”, pois essa é uma tradição que “remonta a 1821”. “Mas o presidente não está botando ninguém na rua.” Shecaira explica que o indulto tem caráter genérico, não é dirigido a presos em particular, ao contrário da graça, que é individual. Ele também não é imediato após o decreto. “A concessão é feita pelo Judiciário, ouvido o Ministério Público.” Os magistrados podem, em cada caso, verificar se há desvio de finalidade, como alegado por Cármen Lúcia para negar o indulto. Shecaira critica a decisão da ministra por considerar que ela suprime a possibilidade de os juízes se manifestarem nos casos concretos e por impedir, em razão de uns poucos presos por corrupção um direito que podia ser dado a milhares de detentos por outros crimes. “Indulto não é só questão humanitária, mas também questão de política criminal.”

Carmen suspendeu ainda o indulto para os casos de multas e para as penas restritivas de direitos (como o uso de tornozeleira eletrônica). Neste caso, professor afirma que tanto a multa quanto as penas restritivas de direito podiam ser indultadas. “As multas já haviam sido alvo de indulto em 2009.” Shecaira, que presidiu o CNPCP, diz que o perdão da multa é para acusados de delitos menores e não para a grande corrupção. “É medida humanitária em 99% dos casos, mas deve ser negada a quem tem recursos para pagar. Mais uma vez, é o juiz que vai analisar o caso concreto.”

Limite. Na visão da desembargadora do Tribunal de Justiça de São Paulo Ivana David, o indulto decretado extrapola limites da Constituição. Ela cita, por exemplo, o benefício quando a pena não é definitiva e há recurso pendente do Ministério Público para aumentá-la. “O limite do presidente é o limite constitucional. A comutação de pena exige trânsito julgado da sentença.” Já o criminalista Gustavo Badaró não vê inconstitucionalidade no decreto do governo, embora considere exagerado o fato de ele não limitar o indulto pelo tamanho da pena do preso – até 2016 o indulto só podia ser concedido para presos que recebiam até 12 anos de prisão. Segundo ele, isso foge da tradição do direito no País. “A Constituição dá ao presidente o direito genérico de indultar.” / COLABORARAM MARCELO GODOY e VÍTOR MARQUES

PARA ENTENDER

Quais pontos foram suspensos pelo STF?

O indulto para quem cumprisse um quinto de qualquer tipo de pena ou crime, para quem havia recebido pena restritiva de direito (como prisão domiciliar com tornozeleira eletrônica), para quem está em livramento condicional ou no regime aberto, para quem não tinha sentença definitiva em seu processo e o perdão de multas pela reparação de danos, como as definidas para réus da Lava Jato.

 

 

 

 

 

O indulto atrapalha a Lava Jato?

Thaméa Danelon

Sim

O indulto de Natal decretado pelo presidente Michel Temer é um concreto atentado à Lava Lato e ao combate à impunidade incrustada no País. Este indulto fomenta drasticamente as práticas corruptas e atinge de forma certei- ra o principal pilar da operação: a colaboração premiada, pois, ao perceberem que a Justiça está sendo efetiva, os criminosos de colarinho branco buscam realizar a colaboração com o intuito de redução da pena. E no caso deste in- dulto, o presidente não fixou o limite da pena, autorizando o perdão de até 80% dela. A ima- gem que passa é: “aguardem o final do ano que suas penas serão perdoadas”.

PROCURADORA DA REPÚBLICA, INTEGRANTE DA FORÇA-TAREFA DA LAVA JATO EM SÃO PAULO

Fábio Tofic Simatob

Não

Mês de dezembro no Brasil já tem duas tradições sagradas: o show do Roberto Carlos na Globo e a crítica ao decreto de indulto natalino. Neste ano, contudo, o mantra não podia ser outro: o decreto mira acabar com a Lava Jato. Mentira, pode até se enquadrar em um ou outro caso, mas longe de afetar a operação. A grita faz parte da já esgarçada estratégia de camuflar sentimentos punitivos extremos, que atinge em cheio a população mais pobre, com o discurso de combate à corrupção. O “feirão de Natal”, como alguns ironicamente chamaram o indulto, não é nada perto das “Black Fridays” que se revelaram alguns acordos de delação.

ADVOGADO E PRESIDENTE DO INSTITUTO DE DEFESA DO DIREITO DE DEFESA

 

 

 

 

Medida beneficiaria até seis condenados da Lava Jato

Por: Fabio Serapião

Fabio Serapião/ BRASÍLIA

Um dos incisos do decreto de indulto de Natal derrubados pela presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministra Cármen Lúcia, poderia beneficiar dois condenados na Lava Jato ainda neste ano e outros quatro em 2018. Levantamento feito pelo Estado com base nos 11 condenados já em segunda instância no Tribunal Regional Federal da 4.ª Região aponta que poderiam ser beneficiados neste ano o ex-deputado Luiz Argôlo e o operador de propina do PMDB, João Henriques. O Ministério Público Federal (MPF) só confirma o caso de Argôlo e diz que apenas na volta do recesso do Judiciário será possível saber o impacto do indulto.

Em 2018, por sua vez, se mantidos os mesmos critérios estipulados no decreto inicial do presidente Michel Temer, poderão pedir o benefício o ex-senador Gim Argello (ex-PTB), o exdeputado André Vargas (exPT), o ex-diretor de Internacional da Petrobrás Jorge Zelada e o operador de propina Adir Assad. O texto publicado previa que poderiam pleitear o indulto condenados por crimes sem violência que já tivessem cumprido um quinto da pena (20%), se não fossem reincidentes. Esse inciso foi barrado pelo STF.