Correio braziliense, n. 19968, 24/01/2018. Política, p. 4

 

Presença provável na eleição

Denise Rothenburg e Paulo Silva Pinto

24/01/2018

 

 

Entrevista - Gilson Dipp

Para ex-ministro do STJ, Lula tem grandes chances de participar do pleito presidencial devido à possibilidade de recursos

Para o jurista Gilson Dipp, ex-ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ), o julgamento de hoje não vai tirar da rota eleitoral o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Ainda que as chances maiores sejam de o Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4) confirmar a condenação criminal, a proibição de se candidatar é um capítulo à parte, bem mais complicado. Exige decisão de um tribunal superior e da Justiça Eleitoral, algo que não será rápido. Até que haja um desenlace, no mínimo, Lula estará na disputa. Dipp concedeu entrevista ao programa CB.Poder, parceria da TV Brasília e do Correio. Além de comentar o caso de Lula, criticou a politização do Judiciário.

 

O senhor acha que o julgamento vai manter a condenação anterior? O que virá depois?

A decisão que condenou o ex-presidente Lula não é simples. Examinada do ponto de vista jurídico, as provas podem ser questionadas. Grande parte do fundamento foi por meio de provas indiretas, indiciais. Isso dependeu muito da apreciação do juiz de primeiro grau. É uma sentença que não seria fácil emitir, sendo para condenar ou para absolver. A avaliação dessas provas poderá ser plausivelmente apreciada e modificada pelo tribunal superior. Essa é a função da Justiça, seja quem for o réu.

 

Lula tem chances de uma absolvição imediata?

Nós temos aqui um tribunal que vai apreciar a sentença com três juízes altamente competentes e íntegros. O tribunal só reformou 6% das decisões do juiz Sérgio Moro. Um número baixíssimo. Isso se deu, exatamente, pelo impacto inicial da Lava-Jato. A minha impressão é que, a partir de hoje, não será tão baixo o percentual de reformas parciais ou totais. Tudo pode acontecer. Eu não descarto, inclusive, uma absolvição do Lula ou uma absolvição parcial de parte das acusações. Claro que isso tem menor possibilidade.

 

É um julgamento técnico. Em que a pressão ou o momento da Lava-Jato interferiria nesse caso?

Todos nós vivenciamos o grande período da Lava-Jato em que se condenaram diretores de empresas, políticos etc.A partir de um certo momento, começa-se a fazer uma análise crítica de certos institutos que a embasaram. Por exemplo, o excesso de delações premiadas para a abertura do inquérito e até para o oferecimento de denúncias.

 

O senhor acha que a Lava-Jato vai perder força daqui para a frente?

Eu acho que a Lava-Jato já cumpriu a etapa mais dolorosa e mais crítica e se saiu muito bem. O Supremo Tribunal Federal (STF) manteve as decisões, muitas criticáveis. Os processos que ainda estão em andamento não causarão impacto tão grande.

 

É um erro a prerrogativa de foro tão ampla dos políticos?

Sim. Fere o princípio de igualdade. É preciso que se tenha a noção de que o Judiciário brasileiro é capaz de julgar quem quer que seja em todas as instâncias. E eu acho que a prerrogativa de foro deveria ficar apenas com o presidente da República, presidente da Câmara, presidente do Senado e, talvez, com os integrantes do STF.

 

O senhor acha que, mesmo confirmada a condenação em segunda instância, o ex-presidente Lula conseguirá disputar as eleições?

Tem dois aspectos. Em primeiro lugar, a condenação criminal. O STF diz que se pode executar provisoriamente a pena. Isso é uma jurisprudência dividida e criticada. A outra é decorrência da existência da lei da Ficha Limpa, que determina que a pessoa condenada por um colegiado, mesmo provisoriamente, não poderá ser elegível. Mas há vários prefeitos aos quais a Ficha Limpa foi aplicada, e eles continuam em exercício. Isso acontece porque a lei prevê, até de maneira contraditória, que a inelegibilidade poderá ser suspensa por decisão de um tribunal superior. Se for obtido um efeito suspensivo por um tribunal superior, como a própria lei da Ficha Limpa prevê, haverá, sim, a possibilidade de o ex-presidente Lula obter o registro da candidatura. Aí vai se abrir um novo processo na Justiça Eleitoral, que é soberana para decidir.

 

A defesa do ex-presidente Lula reclamou da celeridade do TRF-4 em julgar o presidente. O que o senhor acha disso?

Eu acho que essa análise tem que ser feita com lucidez, clareza e sem confronto. Todos nós queremos uma Justiça ágil. Não é plausível que o processo siga nas filas normais, como num posto de saúde. O processo do ex-presidente Lula não é um processo comum, é um processo que diz respeito à condenação de um ex-presidente no período de eleição.

 

E os demais processos contra ele?

Esses estão em fases ainda incipientes. Não terão repercussão imediata nas eleições deste ano.

 

Quais as chances de o ex-presidente ser preso?

Se a decisão for condenatória por unanimidade, cabem embargos de declaração. Se for por maioria, cabem embargos infringentes, que serão apreciados por um colegiado maior, e dessa decisão eventual ainda cabem embargos de declaração dos embargos infringentes. Mas o problema é que o Supremo, ao dar a interpretação altamente controvertida da possibilidade da execução da pena após o julgamento em segundo grau, que é o caso, decidiu que ela não é obrigatória. Fica a critério de cada tribunal. Não acredito que o tribunal vá determinar isso no caso do presidente Lula nem pelos fundamentos jurídicos, nem pelas condições políticas. Penso que a fundamentação deva ter os mesmos pressupostos de uma prisão preventiva: perigo de fuga, perigo de a ordem pública ser atrapalhada, relação de testemunhas, destruição de documentos.

 

O senador Renan Calheiros (PMDB-AL), então presidente do Senado, não pôde fazer parte da linha sucessória da Presidência da República por ser réu. Mas candidatos podem ser?

É essa a questão da politização do Judiciário e da judicialização da política. A decisão do Supremo foi para solucionar um problema de episódio, casuística. O Supremo não tem sido coerente, criando precedentes seguros para qualquer situação, e tem que analisar seriamente se isso for levantado. É péssimo, mas, enfim, é a democracia, o sistema em que estamos. Interpreta-se a lei de acordo com a cara do freguês. O sistema certamente poderia ser melhor. É preciso que haja coerência não só do Judiciário, mas do Executivo e, em especial, do Congresso.