O Estado de São Paulo, n. 45363, 29/12/2017. Política, p.A4

 

 

 

 

 

 

Cármen derruba indulto, e Temer estuda novo decreto

Por: Amanda Pupo Fabio Serapião


Amanda Pupo 
Fabio Serapião/
 BRASÍLIA

A presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministra Cármen Lúcia, suspendeu ontem parte do indulto de Natal (perdão da pena) assinado pelo presidente Michel Temer. Ela considerou inconstitucionais vários pontos da medida e justificou sua decisão afirmando que o indulto não pode ser “instrumento de impunidade”. “Indulto não é prêmio ao criminoso nem tolerância ao crime. Nem pode ser ato de benemerência ou complacência com o delito.” O ministro da Justiça, Torquato Jardim, disse à Coluna do Estadão que o governo estuda editar novo decreto para “compensar os brasileiros que foram excluídos (do indulto de Natal) pela decisão do Supremo”. Para Cármen, a “situação de impunidade” aconteceria porque o indulto tornaria as penas para diversos crimes tão ínfimas que deixariam desprotegidas a sociedade e a administração pública. “Em especial nos “denominados ‘crimes de colarinho branco’, desguarnecendo o Erário e a sociedade de providências legais voltadas a coibir a atuação deletéria de sujeitos descompromissados com valores éticos e com o interesse público”. A ministra afirmou ainda que, durante a análise de mérito do caso, “poderá esclarecer, de maneira definitiva e profunda, os fins e consequências da edição do presente decreto”.

Ao todo três dos 15 artigos e dois incisos do decreto foram suspensos por meio de liminar concedida pela ministra em Ação Direita de Inconstitucionalidade (ADI) proposta pela procuradorageral da República, Raquel Dodge, anteontem. São eles: o indulto para quem cumprisse só um quinto de qualquer tipo de pena ou crime, a concessão do benefício para quem havia recebido pena restritiva de direito (prisão domiciliar com tornozeleira eletrônica, por exemplo), para quem está em livramento condicional ou no regime aberto, para quem não tinha sentença definitiva em seu processo e o perdão de multas pela reparação de danos, como as definidas para réus em casos da Lava Jato. Outros 12 artigos foram mantidos permitindo, por exemplo, indulto em casos de crimes cometidos como violência e grave ameaça (roubo) para quem cumpriu no mínimo de um terço a metade da pena dependendo do tamanho da condenação – menos de 4 anos ou até 8 anos. A suspensão dos trechos deve valer até o exame do ministro Luís Roberto Barroso, relator do caso, ou pelo plenário do Supremo. O STF volta às atividades no dia 1.° de fevereiro de 2018. O decreto de Temer havia sido publicado na semana passada. Ele havia ignorado a solicitação de procuradores da República que, entre outros pontos, pediam que os condenados por crimes de corrupção não fossem agraciados pelo indulto. O presidente também da diminuiu o cumprimento necessário, que em 2016 era de um quarto da pena para um quinto. Para Deltan Dallagnol, coordenador da força-tarefa da Lava Jato, a decreto do indulto era “um feirão de Natal para os corruptos”. O juiz Sérgio Moro considerou acertada a decisão da ministra. “O governo pode muito, mas não pode tudo”, afirmou.

Nota. Ontem, a procuradora-geral afirmou em nota que o “STF impede a violação de princípios como o da separação dos poderes, da individualização da pena, da vedação constitucional para que o Poder Executivo legisle sobre direito penal”. “Cármen Lúcia, em sua decisão, agiu como guardiã da Carta constitucional, fortalecendo a compreensão de que fora de sua finalidade jurídica humanitária, o indulto não pode ser concedido”. A ministra Cármen Lúcia citou duas decisões do ministro Gilmar Mendes para apoiar sua decisão. Para a ministra, quando o indulto só é legítimo quando está de acordo com a Constituição. “Fora daí é arbítrio.” “Maquiando a descriminalização sob a forma de indulto, o que se estaria a praticar seria o afastamento do processo penal e da pena definida judicialmente”, escreveu a ministra. Para ela, o indulto é medida humanitária, que deve atingir só quem está atrás das grades, daí porque ele não se aplicaria às multas e às penas restritivas de direito. “Nega-se, enfim, a natureza humanitária do indulto, convertendo-o em benemerência sem causa e, portanto, sem fundamento jurídico válido.” Ela ainda analisou as regras dos decretos de indulto desde 1999 que mostravam que o atual decreto foi o único a não estabelecer “limites em relação ao máximo da pena fixada na sentença para fins de concessão de indulto”. Horas antes da decisão do STF, o ministro da Justiça afirmara que o governo não recuaria. “Se houver decisão judicial, tem de sustar. Fica sustado na extensão do que ela (Cármen) decidir.” Após a decisão, auxiliares do presidente afirmaram que o governo deve editar novo decreto para evitar que a suspensão do indulto prejudique “milhares de pessoas”. Uma das possibilidades seria adequar o decreto aos termos da decisão proferida pela ministra.

'Impunidade'

“Indulto não é nem pode ser instrumento de impunidade. Indulto não é prêmio ao criminoso nem tolerância ao crime.”

Cármen Lúcia

PRESIDENTE DO STF

OS PERDÕES PRESIDENCIAIS

• FHC Quando Fernando Henrique Cardoso terminou o mandato, em 2002, só tinham direito ao indulto aqueles que haviam cumprido 1/3 da pena. Além disso, só poderiam ganhar o benefício aqueles que foram condenados a penas inferiores a 6 anos.

• Lula O petista manteve as regras de FHC em todo seu primeiro mandato (20032006). No segundo (2007-2010), porém, já após o escândalo do mensalão, Lula amplia as regras para conceder o indulto. Nos 3 primeiros anos do 2º mandato, o benefício contemplou condenados a penas inferiores a 8 anos. Em 2010, no último ano, 12 anos.

• Dilma A presidente cassada manteve as regras do antecessor: 1/3 da pena aplicada e condenações inferiores a 12 anos. Essas condições valeram entre 2011 e 2015, quando a Lava Jato já estava em curso. Dilma deixou o cargo em 2016 após o impeachment.

• Temer Após assumir em definitivo o cargo em agosto de 2016, Temer propôs regras mais generosas. Em dezembro daquele ano, o indulto atingiu aqueles que cumpriram 1/4 da pena. Este ano, a fração seria reduzida ainda mais para 1/5 da pena. Além disso, condenados a mais de 12 anos de prisão poderiam receber o indulto.

 

 

 

 

Libertado, Pizzolato quer evitar pagamento de multa

Após o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Luís Roberto Barroso conceder liberdade condicional, o ex-diretor de marketing do Banco do Brasil Henrique Pizzolato foi solto ontem. Pizzolato passou um ano e sete meses cumprindo pena em regime fechado no Complexo Penitenciário da Papuda, em Brasília, e, desde maio, estava no semiaberto.

Ainda ontem, por meio de seus advogados, o ex-diretor do Banco do Brasil entrou com o pedido de indulto natalino. A requisição foi feita antes de a presidente do Supremo, Cármen Lúcia, suspender o decreto assinado pelo presidente Michel Temer. A expectativa dos defensores era que Pizzolato conseguisse ser liberado de pagar a multa de R$ 2 milhões, em parcelas, pela condenação no mensalão.

Cármen Lúcia, responsável por cuidar dos despachos que chegam à Corte durante o recesso do Judiciário, encaminhou o pedido para a procuradora-geral da República, Raquel Dodge, se manifestar sobre o assunto.

Antes de ser solto, Pizzolato formalizou na Vara de Execuções Penais (VEP) do Distrito Federal os termos de sua liberdade condicional. O juiz Vinícius Santos Silva, responsável pela audiência, determinou que o ex-diretor de marketing deve comparecer bimestralmente na Vara, comunicando sua ocupação. Ele também não pode se afastar do território de Brasília sem autorização judicial e nem mudar de residência sem comunicar previamente. Pizzolato ainda deve recolherse diariamente em sua casa a partir das 22 horas.

Condenado a 12 anos e 7 meses de prisão no mensalão, Pizzolato teve liberdade condicional concedida por Barroso no dia 19. Na decisão, o ministro alegou o cumprimento de mais de um terço da pena, “bom comportamento carcerário” e bons antecedentes. O ex-diretor já foi considerado foragido após ter fugido para a Itália em 2013. Ele foi extraditado em 2015./ELIANE CANTANHÊDE e A.P.