O Estado de São Paulo, n. 45357, 23/12/2017. Política, p.A4

 

 

 

 

 

Temer mantém indulto a condenado por corrupção

Benefício. Presidente ignora pedidos da força-tarefa da Lava Jato ao assinar decreto e reduz o tempo de cumprimento de pena para obtenção de perdão; procuradores criticam

Por: Beatriz Bulla

 

Beatriz Bulla/ BRASÍLIA

O presidente Michel Temer ignorou solicitação da força-tarefa da Operação Lava Jato e recomendação das câmaras criminais do Ministério Público Federal ao assinar o decreto de indulto natalino, publicado ontem. Os procuradores pediam, entre outros pontos, que os condenados por crimes de corrupção não fossem agraciados pelo indulto. O decreto publicado no Diário Oficial também reduz o tempo necessário de cumprimento de pena para obter o perdão. O benefício de Natal é previsto na Constituição e concede supressão das penas, se atendidos determinados requisitos como cumprimento de parcela da punição. Antes, para os crimes cometidos sem grave ameaça ou violência, era preciso cumprir um quarto da pena no caso dos que não eram reincidentes. No decreto deste ano, o tempo caiu para um quinto da pena. O decreto foi criticado por procuradores e representantes da Lava Jato (mais informações nesta página). Em novembro, os integrantes da força-tarefa em Curitiba estimaram que ao menos 37 condenados pelo juiz federal Sérgio Moro poderiam ser beneficiados pelo indulto. Os procuradores, porém, não especificaram a partir de quando nomes como o do operador Adir Assad obteriam o perdão. Para o subprocurador da República Mario Bonsaglia, responsável pela Câmara de Controle Externo da Atividade Policial e Sistema Prisional do Ministério Público Federal, o texto atual assinado por Temer não acolheu as sugestões e recuou nos aperfeiçoamentos de 2016. “Foi um retrocesso em relação ao ano passado que poderá causar reforço no sentimento de impunidade”, afirmou o subprocurador, que entregou a manifestação do MPF ao ministro da Justiça, Torquato Jardim.

‘Ato humanitário’. Em nota, o Ministério da Justiça afirmou que o indulto natalino “é um ato humanitário do presidente da República”. “Não é um ato judicial ou alvedrio (arbítrio) do Ministério Público Federal.” Segundo a pasta, “historicamente, no indulto se estabelecem critérios abstratos, impessoais e universais, em benefício de presos com porcentual relevante da pena concreta já cumprida, à exceção dos crimes hediondos, de tortura, terrorismo e outros casos”. “Escolher critérios concretos direcionando a inclusão ou a exclusão de apenados é uma violação ao princípio humanitário do indulto.” Por meio da assessoria de imprensa, o Palácio do Planalto informou que “o presidente da República concedeu o indulto de acordo com o artigo 84, inciso XII, da Constituição Federal”. O artigo estabelece que “compete privativamente ao presidente da República conceder indulto e comutar penas”. No documento entregue ao ministro no dia 1.º de dezembro, os procuradores sustentam que o Brasil é signatário de convenções internacionais em que se compromete a intensificar o combate a crimes transnacionais e a sociedade civil cobra o combate à corrupção. “O MPF não é contra apresentar indulto a pessoas que não precisam estar presas ou que podem ser libertadas da prisão sem que haja prejuízo à sociedade. As prisões têm de ser priorizadas para autores de crimes mais graves, seja envolvendo violência, crimes sexuais ou crimes de colarinho branco e contra o sistema financeiro em geral. São crimes que causam grande prejuízo à sociedade”, afirmou Bonsaglia.

Reiteração. A proposta de retirar a corrupção dos crimes previstos no indulto natalino já havia sido apresentada pelo MPF no ano passado. Desta vez, os procuradores fizeram também um pedido alternativo para que o indulto no caso de crimes contra administração pública fosse, no mínimo, mais restritivo, exigindo reparação total do dano causado. A proposta também não foi contemplada. O decreto presidencial deste ano concede indulto a pessoas que cumprem penas restritivas de direitos – sem reclusão em penitenciária. No ano passado, a pedido do Ministério Público Federal, o benefício não incluiu esses casos, que voltaram a ser contemplados agora.

 

 

 

 

 

‘Um feirão de Natal para corruptos’, afirma procurador

 

O coordenador da força-tarefa da Operação Lava Jato em Curitiba, Deltan Dallagnol, afirmou que o decreto de indulto natalino com abrandamento de penas assinado pelo presidente Michel Temer é “um feirão de Natal para corruptos”. “Agora, corruptos no Brasil cumprirão apenas um quinto da pena e serão completamente indultados (perdoados), como regra geral”, escreveu no Twitter. Para Deltan, ao editar o decreto, o presidente “prepara uma saída para si (se condenado) e para outros réus da Lava Jato”. Temer foi alvo de duas denúncias por corrupção passiva, organização criminosa e obstrução da Justiça com base na delação do Grupo J&F. A Câmara, porém, barrou o prosseguimento das acusações formais. O presidente sempre negou os crimes. Deltan afirmou ainda que a pena diminui no caso de condenados com mais de 70 anos. “Meus parabéns pela ótima mensagem que o Planalto passa à população sobre sua atitude diante da corrupção. Não poderia ser mais clara.” Segundo ele, “tem gente em outros Poderes que neste fim de ano está passando a mesma mensagem”. Procurado, o Planalto não se manifestou até a conclusão desta edição./FAUSTO MACEDO e LUIZ VASSALLO

 

 

 

 

 

 

Presidente vê dificuldade para candidato ‘extremado’

Em café com jornalistas, Temer diz que eleitorado deseja alguém moderado, ‘que não seja guiado por um certo mal-estar’
Por: Igor Gadelha


Igor Gadelha/ BRASÍLIA 
 

O presidente Michel Temer descreveu ontem, em café da manhã com jornalistas no Palácio da Alvorada, o cenário que prevê na disputa presidencial de 2018. Sem citar nomes, disse que candidatos “mais extremados” enfrentarão dificuldades. “Haverá candidatos mais extremados e um candidato de centro. O que as pessoas querem é uma política de resultados. E, quando se fala em política de resultados, o que as pessoas querem é alguém moderado, alguém que saiba compor as várias correntes políticas do País, alguém que não seja guiado por um certo mal-estar”, afirmou. “Acho que os que se extremarem, tenho impressão de que terão dificuldade.”

Apesar da baixa popularidade, Temer disse acreditar que seu governo será um cabo eleitoral “substancioso” na eleição. Ele afirmou ainda que só apoiará o candidato que defender o legado das reformas. Temer admitiu que as denúncias de corrupção prejudicaram “muito” o governo e sua popularidade, mas disse que a situação vai mudar até a eleição. “Seja o (ministro da Fazenda, Henrique) Meirelles, seja quem for, nós, em março, abril, maio, junho, julho, agosto, que é época eleitoral, o governo estará sendo reconhecido pelo desmascaramento daqueles que se mascararam para urdir o que urdiram (...) Vamos ser eleitores substanciosos.” Temer quer um candidato único dos partidos que integram a base aliada para defender o legado de seu governo, principalmente na área econômica. Hoje, disputam o posto o ministro da Fazenda e o governador de São Paulo, Geraldo Alckmin (PSDB).

Ladeado por Meirelles, o presidente disse que aquele que for contra as reformas “não terá o apoio total do eleitorado”. “Evidentemente, não poderá ter o apoio do governo. Se ele está se opondo ao que o governo fez, como é que governo vai apoiálo?”/ COLABORARAM RENAN TRUFFI e LORENNA RODRIGUES