O Estado de São Paulo, n. 45353, 19/12/2017. Política, p. A8.

 

MPF desiste de periciar recibos de Lula

 Fábio Serapião/ Julia Affonso / Luiz Vassallo

19/12/2017

 

 

Força-tarefa da Lava Jato sustenta que comprovantes são ‘ideologicamente falsos’; para defesa, decisão representa ‘recuo’ dos procuradores

 

 

A força-tarefa da Lava Jato no Ministério Público Federal desistiu de realizar uma perícia técnica nos 31 recibos de aluguel apresentados pela defesa do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Em petição ao juiz federal Sérgio Moro, titular da 13.ª Vara Criminal de Curitiba, 12 procuradores sustentam que o “conjunto probatório” dos recibos é ideologicamente falso – produzidos para aparentar legalidade em um ato ilícito.

Nesta ação penal, Lula é réu por suposto recebimento de propinas no valor de R$ 12,5 milhões da Odebrecht. Do total das vantagens indevidas, o apartamento no condomínio Hill House, em São Bernardo do Campo, representa R$ 504 mil.

A Procuradoria sustenta que o apartamento vizinho ao do expresidente pertence ao petista e foi adquirido por um “laranja” como parte da propina paga pela Odebrecht. Lula nega e apresentou recebidos de aluguel. Agora, sua defesa afirma o MPF “recuou” ao desistir da perícia.

Para o MPF, os recebidos dão “amparo dissimulado à locação do apartamento”. “Ante o exposto, em atenção a todo o conjunto probatório colhido, os aspectos pontuais sobre a confecção dos recibos apresentados pelo acusado Luiz Inácio Lula da Silva que se pretendia analisar por meio da realização de prova técnica foram aclarados, permitindo concluir que Glaucos da Costamarques firmava recibos ideologicamente falsos em bloco exclusivamente para dar amparo dissimulado à locação do apartamento n. 121, que não existia de fato”, afirma a força-tarefa. “Dessa maneira, o Ministério Público Federal deixa de insistir na realização da prova técnica”, conclui o texto.

Os recibos foram entregues pela defesa do ex-presidente em outubro de 2017, após o petista afirmar a Moro que poderia apresentar os documentos durante o segundo depoimento que prestou ao magistrado.

Lula apresentou os documentos de quitação de pagamentos assinados pelo engenheiro Glaucos da Costamarques, primo de seu amigo José Carlos Bumlai. Mas para a força-tarefa, o petista nunca pagou pelo aluguel do imóvel, que é vizinho à sua residência, em São Bernardo do Campo.

Sobre os papéis, foi aberto incidente de falsidade ideológica para investigar a autenticidade dos documentos. Durante o processo, Glaucos afirmou à Justiça nunca ter recebido os valores entre 2011 e 2014.

Segundo ele, o aluguel só passou a ser pago em 2015, após visitas que recebeu durante sua internação em processo pós-operatório, no hospital Sírio Libanês, em São Paulo, do advogado do ex-presidente Roberto Teixeira e do contador João Muniz Leite.

 

Impostos. Glaucos afirmou que no período de 2011 a 2014 não recebeu pelo aluguel do imóvel. Mas, no entanto, pagava pelos impostos e o declarava os rendimentos em seu Imposto de Renda. Para o MPF, Glaucos é apontado como laranja de Lula no recebimento do imóvel.

O contador João Muniz Leite confirmou que levou recibos para Glaucos assinar, mas disse não saber se os valores foram pagos pelo a Glaucos. Em depoimento a Moro, o engenheiro afirmou ter sido orientado por seu primo, José Carlos Bumlai, a ‘esquecer’ os alugueis do apartamento. “O aluguel de fevereiro no dia 5 de março eles não me pagaram. No mês seguinte, não me pagaram. Eu fui falar com o Zé Carlos (José Carlos Bumlai): ‘eles não pagaram o aluguel, o que tá acontecendo?’ Ele falou: Glaucos, esquece o aluguel.”

 

Defesa. Para o advogado do ex-presidente, Cristiano Zanin Martins, o Ministério Público Federal “recuou” na perícia dos recibos de aluguel. “A defesa juntou as vias originais dos recibos para serem periciados, mas o MPF, após verificar que os documentos são autênticos, desistiu da perícia”, disse Zanin, em nota divulgada ontem.

“A versão do Sr. Costamarques de que não recebia os aluguéis é incompatível com os esclarecimentos que ele prestou em 2016 à Receita Federal e à Polícia Federal.”

Zanin reafirmou ainda que as acusações contra o ex-presidente estão alicerçadas em “factoides” e que os procuradores da Lava Jato deveriam “pedir desculpas” ao ex-presidente.

 

Apartamento. Para Procuradoria, Lula não pagou aluguéis de apartamento em São Bernardo; petista nega acusação

 

 

PONTOS-CHAVE

Comprovantes viram alvo de investigação

‘Falsos’

Em outubro, a força-tarefa da Lava Jato afirmou ao juiz Sérgio Moro que os recibos de aluguel apresentados pela defesa de Lula são ‘ideologicamente falsos’.

 

Originais

Moro manda Lula ‘esclarecer expressamente’ se tem originais de recibos aluguel do apartamento 121, do edifício Hill House, em São Bernardo do Campo (SP).

 

Depoimentos

Moro ouviu o engenheiro Glaucos da Costa Marques, apontado como laranja de Lula. Ele afirma que não recebeu aluguel antes de 2015.

________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________

STF rejeita denúncias contra 4 parlamentares

 

Rafael Moraes Moura / Amanda Pup

19/12/2017

 

 

Segunda Turma da Corte nega pedido da Ministério Público para investigar deputados e senador acusados de corrupção

 

 

A Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) rejeitou ontem, por 2 votos a 1, denúncias apresentadas pela Procuradoria-Geral da República contra quatro parlamentares em casos diferentes. Os votos pela rejeição foram dos ministros Gilmar Mendes e Antonio Dias Toffoli. Relator da Lava Jato na Corte, o ministro Edson Fachin foi vencido em todos os casos – o decano Celso de Mello e Ricardo Lewandowski não estavam presentes na sessão.

Tiveram as denúncias rejeitadas os deputados Eduardo da Fonte (PP-PE), José Guimarães (PT-CE), Arthur Lira (PP-AL) e o senador Benedito de Lira (PP-AL), acusados de corrupção. Todos negam as acusações. Com a decisão, nenhum deles virou réu.

 

Acusações. Eduardo da Fonte foi acusado de intermediar e ter participado de reuniões em que o senador Sérgio Guerra (PSDB-PE) teria solicitado R$ 10 milhões para travar a CPI da Petrobrás. “Verifico aqui que na verdade a denúncia toda se baseia na palavra do delator”, disse Toffoli durante a sessão. Em nota, o deputado agradeceu “a Deus, ao STF, aos advogados e ao povo pernambucano por confiarem” nele.

No caso de Guimarães, o deputado foi denunciado pelos crimes de corrupção passiva e lavagem de dinheiro sob a acusação de ter recebido propina em troca de ajuda para a liberação de um empréstimo do Banco do Nordeste do Brasil (BNB) no valor de R$ 260 milhões, favorecendo a empresa Engevix.

A denúncia foi feita com base na delação do ex-vereador do PT Alexandre Romano. Durante seu voto, Toffoli alegou que ele mesmo havia homologado a delação, e que o delatado central não era Guimarães. “Parece que pensaram, ‘tem que ter mais alguém aqui, mais uma pessoa’”, disse Toffoli. Para o deputado, o Supremo fez “justiça”.

Na denúncia oferecida pelo MPF contra Benedito de Lira e Arthur Lira, ambos eram acusados pelos crimes de corrupção passiva e lavagem de dinheiro. Toffoli afirmou, em seu voto, que não via substrato mínimo para aceitar a denúncia.

O ministro votou também para que a acusação contra o expresidente da UTC Engenharia Ricardo Ribeiro Pessoa (presente no mesmo inquérito) seja levada para a 1.ª instância por ele não ter foro privilegiado.

Segundo a denúncia do Ministério Público Federal, o grupo que comandava o Partido Progressista teria determinado que o doleiro Alberto Youssef utilizasse valores do “caixa de vantagens indevidas” do PP, formado com propinas oriundas da Diretoria de Abastecimento da Petrobrás.

________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________

Pesquisa traz percepção ‘saturada’ da corrupção

Adriana Ferraz

19/12/2017

 

 

Em um ano e sete meses caiu em 13 pontos porcentuais a parcela da população que acredita ser possível separar política de corrupção. De acordo com pesquisa realizada em novembro pelo Instituto Ipsos, esse índice hoje é de 70% – em abril de 2016, era de 83%. Com 1,2 mil entrevistas realizadas, em 72 municípios brasileiros, o levantamento ainda aponta que 51% dos brasileiros consideram que o tema “como acabar com a corrupção” é pouco discutido no País, apesar do avanço da Lava Jato.

A pesquisa também mostra que 55% das pessoas atribuem a culpa pela realidade brasileira aos eleitores que votaram em políticos envolvidos em escândalos de corrupção – essa opinião é maior entre pessoas com curso superior (59%), com 60 anos ou mais (57%) e nas classes mais pobres C e D (58%). Outros 23% ainda admitem que o que “o que vale são políticos e partidos que roubam, mas fazem”, contra 73% contrários a esse tese.

“Mesmo que haja, de certa forma, a percepção de saturação da discussão acerca de ‘corrupção’ em si entre o público geral, existe a demanda para que outras camadas relevantes do tema sejam exploradas”, afirma Rupak Patitunda, gerente da Ipsos Public Affairs. A margem de erro é de 3 pontos porcentuais.