Correio braziliense, n. 20025, 19/03/2018. Cidades, p. 19

 

Hora de aprender sobre a crise hídrica

Augusto Fernandes e Pedro Grigori

19/03/2018

 

 

QUESTÃO DE CONSCIÊNCIA » Governo quer aproveitar debate no Fórum Mundial da Água para melhorar a gestão dos recursos hídricos em Brasília. Em evento alternativo, especialistas alertaram sobre o crescimento desordenado das cidades

Após mais de 400 dias de racionamento, o governo quer aproveitar o 8º Fórum Mundial da Água para escutar e aprender como melhorar a gestão dos recursos hídricos. Durante a programação de ontem, uma roda de conversa na Vila Cidadã reuniu representantes do governo, especialistas, agricultores e a população, que dividiram experiências de combate à crise hídrica. Na Universidade de Brasília (UnB), o Fórum Alternativo Mundial da Água (Fama) apresentou dois debates sobre o tema, em seminários que apontavam a urbanização de áreas de nascente como a principal causadora da escassez do recurso no DF.

Pelo menos 20 mil pessoas passaram pelos fóruns oficial e alternativo durante o fim de semana. O governador do Distrito Federal, Rodrigo Rollemberg, afirmou em coquetel na noite do último sábado que o novo desafio é ter capacidade de ouvir o que todos, população e especialistas, estão dizendo. “Com isso, a partir desse fórum, teremos uma nova consciência em relação a esse bem”, discursou.

Mesmo presente no debate do 8º Fórum, o racionamento de água não chegará aos locais que recebem o evento. O corte que estava programado para a próxima quinta-feira não ocorrerá, para assegurar o abastecimento hídrico do Estádio Nacional Mané Garrincha e do Centro de Convenções Ulysses Guimarães. “O racionamento segue normalmente na área dos setores hoteleiros. Só interromperemos o corte nos locais que recebem eventos. É importante assegurar que a própria administração do fórum tem um cuidado com o consumo excessivo de água. Não haverá excessos”, garantiu o presidente da Companhia de Saneamento Ambiental do Distrito Federal (Caesb), Maurício Luduvice.

Durante debate na Vila Cidadã, representantes da sociedade civil lamentaram que medidas para controlar o uso de água em Brasília tenham sido tomadas só após a situação chegar a um ponto crítico, e ressaltaram que a lição vai servir de exemplo para o futuro. “Não podemos mudar o passado. Mas podemos fazer com que o futuro seja diferente do que estamos vivendo agora. Dessa forma, é importante que os cidadãos entendam que, enquanto não passarmos de espectadores a atores da crise, não haverá solução”, disse Rosany Carvalho, presidente da Associação dos Produtores Protetores da Bacia do Descoberto (Pró-Descoberto).

A relação entre sociedade e governo foi outro ponto bastante discutido. De acordo com o diretor administrativo e financeiro da Agência das Bacias PCJ, Sergio Razera, o diálogo entre as partes é indispensável. “Um trabalho em conjunto é mais do que necessário. Quando se fala em água, a gestão desse bem não deve estar apenas na política”, explicou. Longe de considerar o fim do racionamento, os participantes frisaram que o trabalho para combater a crise não pode parar.

Desequilíbrio

Durante a construção de Brasília, nos anos 1950, esperava-se que a população da nova capital alcançasse 500 mil pessoas em 2000. A meta acabou batida menos de 10 anos após a inauguração. Para abrigar tanta gente, novas cidades foram construídas, muitas delas em cima de nascentes que abasteciam não apenas os mananciais do Distrito Federal, mas de toda região Centro-Oeste. Para o engenheiro ambiental Benoni Ferreira, seminarista de um debate no Fórum Alternativo Mundial da Água, foi a urbanização descontrolada, uma das principais causas da escassez hídrica no DF.

“Não houve preocupação por parte dos antigos governantes em criar cidades a partir de uma urbanização que respeitasse o meio ambiente”, afirma. O exemplo levantado pelo especialista é da cidade de Águas Claras, inaugurada em 2003. “É uma área onde existiam tantas nascentes, que tudo que era construído no solo da cidade precisava de bombas para retirar a água que minava”, lembrou.

A partir desta segunda-feira, os debates do Fama mudam de lugar, passam a ser realizados no Pavilhão de Exposições do Parque da Cidade. O Fórum Mundial da Água ganha um novo espaço, o Centro de Convenções Ulysses Guimarães, que só hoje recebe cerca de 50 eventos.