O Ministério Público estadual do Rio abriu ontem uma investigação para apurar a possível prática de crime contra a administração pública e falsidade ideológica ou material no episódio que envolveu a instalação de uma videoteca e a doação de equipamentos para a Cadeia Pública José Frederico Marques, em Benfica, na Zona Norte do Rio, onde estão presos o ex-governador Sérgio Cabral (PMDB) e outros réus da Operação Lava-Jato no Rio. A apuração ficou a cargo da 24ª Promotoria de Justiça de Investigação Penal e tem prazo de 90 dias para ser concluída, podendo ser prorrogada.
Na portaria que determina a instauração do procedimento investigatório criminal, como é chamado esse tipo de apuração no MP, o promotor Cláudio Calo Sousa requisita à Secretaria Estadual de Administração Penitenciária (Seap) informações sobre a instalação e doação de equipamentos para a videoteca, além das cópias integrais do processo administrativo relacionado à suposta doação dos produtos eletrônicos. O MP quer saber ainda quem foi o agente público responsável pela autorização da instalação da videoteca na unidade prisional onde estão também os ex-secretários estaduais Sérgio Côrtes (Saúde) e Wilson Carlos (Governo).
Anteontem, depois da polêmica envolvendo a doação dos equipamentos, a Seap cancelou a suposta doação da TV, DVD, home theater e 160 filmes Blu-Ray para a instalação da videoteca no presídio em Benfica e enviou todo o material ontem para o orfanato Casa do Menor São Miguel Arcanjo, em Nova Iguaçu, na Baixada Fluminense.
Na terça-feira, a Seap informou que os aparelhos tinham sido doados pela Igreja Batista do Méier e pela Comunidade Cristã Novo Dia. A decisão de cancelar a instalação da videoteca foi tomada após três voluntários da Igreja Batista do Méier, que assinam o termo de doação ao presídio, afirmarem que foram enganados por alguém de dentro da cadeia.
Segundo o “Jornal Nacional”, da TV Globo, a compra dos equipamentos teria sido feita em dinheiro vivo a mando de Wilson Carlos, ex-secretário de Governo preso junto com Cabral. Ele seria o responsável por operar a sala e, com isso, teria remissão de pena. A cada três dias de trabalho, a pena de Wilson diminuiria um dia. A defesa do ex-secretário nega que ele tenha mandado comprar os equipamentos.
A nota fiscal da aquisição estava em nome de Eliana Nogueira do Carmo, que negou ter adquirido os objetos. O MP pediu que a Coordenadoria de Segurança e Inteligência do órgão descubra o endereço de Eliana e apure se ela possui alguma relação de parentesco ou afinidade com algum preso da cadeia em Benfica.
O promotor quer que a Seap informe ainda quem efetivamente foi responsável pela suposta doação e que sejam fornecidas cópias das notas fiscais de todos os produtos eletrônicos que foram instalados na unidade prisional. Outra solicitação do MP é a informação sobre qual preso seria responsável pela videoteca e quem iria beneficiar-se do instituto da remição de pena.
MP CITA TRATAMENTO DIFERENTE
O MP quer saber ainda se a corregedoria da secretaria adotou alguma providência ou instaurou alguma sindicância para apurar os fatos, diante do que foi divulgado. Por fim, o promotor também pediu que seja esclarecido em quais unidades prisionais há videotecas. O GLOBO fez esses questionamentos à Seap ontem, mas não obteve resposta.
Além da apuração aberta pelo MP, foram extraídas cópias das notícias veiculadas na imprensa para envio e análise pela Promotoria de Justiça com atribuição na área de Tutela Coletiva de Defesa da Cidadania da Capital de eventuais atos de improbidade administrativa.
A promotoria tenta obter junto à loja em que foram comprados os equipamentos eletrônicos — no dia 1º de outubro, com dinheiro em espécie — as imagens das câmeras de vídeo.
No documento em que dispõe sobre as solicitações feitas à Seap, o promotor lembra que a cadeia em que está Cabral foi reformada recentemente. As celas possuem colchões novos, utilizados por atletas nas Olimpíadas do Rio de Janeiro, “evidenciando que a referida unidade prisional recebe tratamento diferenciado e desproporcional se comparada com outras unidades prisionais do Estado do Rio de Janeiro, inclusive com presos de elevada periculosidade e em condições bastante precárias, além de celas muito mais populosas”.
O promotor diz ainda que “coincidentemente, o tratamento diferenciado e desproporcional é conferido justamente na unidade prisional onde estão presos que ocuparam cargos políticos, inclusive ex-integrantes da cúpula governamental fluminense, sendo certo que é a unidade prisional onde tem justamente menos riscos de rebelião”. O promotor determinou que cópias do documento e dos autos sejam encaminhadas à Vara da Execução Penal para que sejam adotadas as providências administrativas judiciais que o juiz entender pertinentes.
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Chico Otavio
02/11/2017
O juiz Marcelo Bretas, da 7ª Vara Federal Criminal, pode ter enfrentado na última terça-feira um dos mais difíceis momentos de sua atuação à frente da Operação Calicute desde que a força-tarefa foi lançada, há um ano. Era visível o seu abatimento com a decisão tomada pelo ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal (STF), de suspender a transferência de Sérgio Cabral para um presídio federal. Em desabafo aos funcionários e amigos próximos, disse que a mensagem que será passada aos integrantes da organização criminosa do exgovernador é a de que Cabral ainda tem algum poder e influência.
Bretas, que evita declarações públicas sobre o assunto, não está decepcionado apenas com Gilmar. Ele esperava que a procuradora-geral da República, Raquel Dodge, insistisse na exceção de suspeição de Gilmar, pedida inicialmente por Rodrigo Janot, por supostas ligações do ministro do STF com a família de Jacob Barata Filho, empresário do setor de transportes. Barata Filho foi preso preventivamente em julho, por decisão de Bretas, por suposta participação em um esquema de pagamento de propinas a agentes públicos que envolvia Cabral. O empresário acabou solto, no mês seguinte, por decisão de Gilmar. No fim de setembro, Raquel pediu vista de ações em que Janot cobrou impedimento de Gilmar.
SITUAÇÕES DE ABUSO EM BENFICA
O juiz da Calicute recebeu a notícia da existência de um home theater no presídio de Benfica como mais uma razão para a medida de transferência de Cabral para um presídio federal. “Pelo que sei, não faltam situações de abuso em Benfica”, comentou com os amigos, lamentando que os Ministérios Públicos federal e estadual não tragam tais fatos ao seu conhecimento, contou uma fonte ligada ao juiz.
Um dos amigos próximos de Bretas guardou uma frase recente que disse ter ouvido do juiz: “Políticos corruptos são parasitas, não têm vida própria. Um empresário, ex-H. Stern, consegue se reerguer, mas o político sem poder morre de fome”. O juiz teme, segundo essa fonte, que a permanência de Sérgio Cabral no Rio não seja apenas um fato isolado, e que ações contra a Calicute e outras operações do gênero possam crescer nas próximas semanas.
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02/11/2017
Se antes seriam os presos da Lava-Jato no Rio, incluindo o ex-governador Sérgio Cabral, que se beneficiariam de uma videoteca com 160 filmes Blu-Ray, agora serão 40 crianças especiais e adolescentes que aproveitarão o mimo. Depois da polêmica que cercou a doação dos equipamentos ao presídio de Benfica, todos foram doados ao orfanato Casa do Menor São Miguel Arcanjo, em Nova Iguaçu, na Baixada Fluminense.
O GLOBO conversou com a presidente da entidade, Lúcia Cardoso, que disse que a televisão de 65 polegadas, home theater, aparelho de Blu-Ray e 160 filmes foram entregues na tarde de ontem, poucas horas depois de a Secretaria de Administração Penitenciária (Seap) ter entrado em contato.
Lúcia conta que só soube que os equipamentos faziam parte da videoteca do presídio de Cabral quando a imprensa ligou para o orfanato, buscando informações:
— Não me liguei nas coisas que estavam acontecendo.
A presidente da instituição diz que ainda não teve tempo de ver quais são os títulos dos 160 Blu-Rays, mas que, entre eles, há filmes infantis, como a animação “Como treinar o seu dragão”. O filme conta a história de um menino viking que domestica um dragão para provar seu valor ao pai, apesar da descrença do clã.
De acordo com Lúcia, será feita uma seleção dos filmes que podem ou não ser vistos pelas crianças e pelos adolescentes. O material e os equipamentos serão usados em aulas de reforço escolar e em atividades pedagógicas.
Lúcia disse que o orfanato é cadastrado junto ao governo do estado para receber doações. A Smart TV LED, de 65 polegadas, substituirá uma antiga TV de tubo de imagem.
VALOR FICARIA ENTRE R$ 8,5 MIL E R$ 15 MIL
A Casa do Menor já recebeu outras doações do governo do estado, como móveis e computadores e uma van que serve para levar as crianças para escola e hospitais. A Receita Federal já doou roupas e eletrônicos apreendidos.
Além das unidades no Rio, a Casa do Menor tem outras no Ceará e em Alagoas. No total, 150 crianças e adolescentes moram nos abrigos nos três estados. A instituição tem 31 anos de funcionamento e atende também cerca de 700 adolescentes que fazem cursos profissionalizantes.
Para ter em casa a videoteca que ficaria no presídio em Benfica, é necessário desembolsar no mínimo R$ 8,5 mil. O valor, porém, pode chegar a R$ 15 mil. A Smart TV LED com 65 polegadas não sai por menos de R$ 7 mil, mas os preços variam até R$ 12 mil. Os aparelhos de Blu-Ray 3D e home theater, juntos, custam cerca de R$ 1,5 mil.
O GLOBO foi até a Rua Uruguaiana, no Centro do Rio, para pesquisar os preços dos equipamentos. Lá, o cliente não consegue pagar à vista e sair com a Smart TV de 65 polegadas da loja. TVs desse tipo só são enviadas para lojas da Zona Sul e da Barra da Tijuca.
— O público para esse tipo de produto não está aqui, está no shopping. É raro alguém da classe trabalhadora ter dinheiro para poder bancar esse luxo — comentou um vendedor.
Nas três lojas em que a pesquisa foi feita, as TVs mais compradas são as de 40 polegadas, pagas em dez parcelas.
Antes de saber da doação dos equipamentos, o vendedor Francisco Carlos disse achar uma boa ideia a videoteca no presídio de Cabral:
— Ótimo, não? Para ele conseguir se imaginar fora da prisão, manter a paz de espírito. Porque desse jeito vai demorar para sair (Juliana Castro e Marcella Ramos).