O globo, n. 30768, 02/11/2017. Economia, p. 18
 
O desafio de atrir investimentos
Míriam Leitão e Merval Pereira
02/11/2017
 
 
Para especialistas, retomada da confiança do empresariado dependerá de reformas e cenário político
 

O crescimento econômico sustentável depende da volta de investimentos e das reformas, afirmam os economistas Arminio Fraga e Antonio Corrêa de Lacerda. Embora a economia brasileira tenha vencido a recessão, sua recuperação é frágil, em grande parte, por um cenário de paralisia dos investimentos. Os quase três anos de retração derrubaram o nível dos investimentos a um patamar 30% inferior ao período pré-crise e, hoje, eles correspondem a apenas 14% do Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro, sem perspectiva de melhora. A avaliação é dos especialistas presentes no encontro “E agora, Brasil?”, sobre a retomada econômica, promovido pelo GLOBO com patrocínio da Confederação Nacional do Comércio (CNC) e apoio do Banco Modal, na Maison de France, no Rio, na última terça-feira.

O debate reuniu o ex-presidente do Banco Central (BC) e sócio da Gávea Investimentos Arminio Fraga e o economista da PUC-SP Antonio Corrêa de Lacerda, e foi mediado pelos colunistas Merval Pereira e Míriam Leitão, além de contar com a presença de outros colunistas e editores do GLOBO e de empresários. Na opinião dos especialistas, contornar o obstáculo dos investimentos de maneira duradoura e sustentável passa por uma reforma ampla do Estado brasileiro, que corrija a rota da dívida pública e proporcione um retorno definitivo ao crescimento.

— O investimento público está muito baixo em todos os níveis, inclusive estatais. Além do nível de ociosidade, há a dificuldade de financiamento. O crédito no Brasil, em geral, é muito caro, e isso sempre foi amenizado com a atuação dos bancos públicos. Mas eles, em função do próprio ajuste fiscal, se encontram em uma situação difícil para conduzir esse processo. Por isso, nossa saída ainda será muito lenta — afirmou Lacerda.

Para Arminio, os investimentos seriam o motor natural da retomada não fosse o período pré-eleitoral e as incertezas geradas por alguns nomes de pré-candidatos à Presidência do país:

— Vivemos um colapso do investimento. Há uma certa paralisia em função de estarmos próximos das eleições. Quem vai embarcar em um projeto de três anos de construção e 20 anos de retorno de capital? Vai esperar alguns meses. Não é só quem será eleito, mas como essa pessoa será eleita.

Lacerda lembrou que o nível de investimentos públicos federais também é o menor da História em valores nominais:

— Com muito custo, vamos chegar a R$ 30 bilhões este ano. Há três, quatro anos, esse investimento era de R$ 60 bilhões a R$ 70 bilhões. Estados e municípios também estão com uma capacidade de investimento muito limitada.

Nas contas de Lacerda, o PIB brasileiro não retorna ao nível pré-crise antes de 2022:

— Tivemos uma queda acumulada do PIB em dois anos de 7,2%. Este ano devemos crescer 0,5% e podemos crescer um pouco mais no ano que vem, mas ainda estaremos longe do nível pré-crise.

Arminio destacou a importância de se traçar políticas para atrair investimentos estrangeiros: — O investimento no setor de petróleo é um exemplo muito importante, não só para nós aqui no Rio, porque ele indica o potencial que políticas mais bem desenhadas podem ter para atrair investimento. Esse investimento ficou travado, primeiro pelas regras, mas também porque nem os leilões foram feitos. Hoje as regras são mais flexíveis, o que é bom para a Petrobras e para os investidores de fora. Por um bom tempo, o Brasil não atraía a maioria dos principais atores nesse mercado, e agora isso já está acontecendo. A meu ver, isso é só uma entradinha para um banquete muito maior que nós vamos ter que administrar, que tem muito mais benefícios do que risco e é muito positivo.

O governo mudou recentemente a regra que obrigava a Petrobras a participar como operadora de todos os blocos do pré-sal o que, segundo especialistas, ajudou no sucesso do último leilão do setor. A disputa pelos campos do pré-sal foi acirrada e contou com ofertas elevadas e a participação de gigantes mundiais. Lacerda ponderou, no entanto, que sozinho o investimento estrangeiro não tem capacidade de alavancar uma retomada, por mais que os valores saltem aos olhos. O Brasil vai receber cerca de R$ 80 bilhões em investimento estrangeiro direto este ano. Entre 10% e 15% virão dos chineses, que também arremataram campos do pré-sal no último leilão.

— Chama atenção a velocidade deles (chineses) nos últimos anos. Isso corrobora a ideia de que o Brasil, nos últimos 15 anos, se tornou muito atrativo para o investimento direto. O estrangeiro busca oportunidades, e a depreciação de ativos com a crise favorece isso. E ele não está olhando para 2018, ele vê daqui a dez, 20 anos.

Alan Gripp, editor executivo de Integração da Infoglobo, destacou que há um certo consenso sobre as mudanças necessárias, mas a dúvida política pode ameaçar todos esses caminhos:

— O ano de 2018 vai ser crucial para a gente entender qual vai ser o ritmo da recuperação econômica do país. Os dois economistas (Arminio e Lacerda) têm visões diferentes sobre alguns aspectos, mas têm pontos de convergência, o que indica que podemos produzir algum consenso no debate em nível governamental e de Congresso. É exemplo do que pode ser construído em um país politicamente pacificado.

Para Merval, o principal entrave de uma retomada mais consistente é a dificuldade de compatibilizar a necessidade de reformas com um ambiente político pouco favorável à racionalidade:

— O ambiente político brasileiro hoje tende mais à radicalização, e eu acho que a racionalidade não vai vencer na campanha eleitoral.

 

SAÍDA À FRANCESA DA CRISE

A colunista Míriam Leitão comentou que o país sai muito machucado dessa crise:

— Estamos saindo à francesa, sentindo todo o peso da recessão. E, ao contrário dos anos 1990 e 1980, quando saímos para correr para o abraço, agora a saída é machucada com todas essas incertezas de 2018.

Para Diniz Ferreira Baptista, presidente do Banco Modal, a retomada da economia só se sustentará ao longo de 2018 se o favorito nas pesquisas eleitorais à Presidência for um candidato de centro-direita: — Do contrário vai gerar incerteza até o final. Patrick Sabatier, diretor de Relações Institucionais e de Comunicação da L’Oréal Brasil, defendeu que o país precisa de reformas estruturais:

— O que hoje de uma certa forma o mundo espera do Brasil é que se tomem decisões estruturais para ter uma verdadeira retomada sustentável da economia brasileira. Temos uma visão em longo prazo aqui. O país é o quarto maior mercado de cosméticos do mundo, e seguimos apostando nele. Inauguramos um centro de pesquisa e estamos promovendo a inovação no Brasil.

Alexandre Sampaio, presidente do Conselho Empresarial de Turismo e Hospitalidade da Confederação Nacional do Comércio (CNC) é pouco otimista:

— O comércio terá recuperação lenta, mas contínua. Não estamos otimistas com o turismo; os serviços dependem da recuperação como um todo.