O globo, n.30801 , 05/12/2017. PAÍS, p.6

DODGE PEDE RESTAURAÇÃO DA PRISÃO DE BARATA

ANDRÉ SOUZA

DANIEL GULDE LINO

JAILTON DE CARVALHO

VINICIUS SASSINE

 

 

Procuradora-geral questiona competência de Gilmar Mendes para soltar ‘rei dos ônibus’ no Rio

 

“A corrupção é um fato tão escandaloso que o sentimento de todos os brasileiros é de intolerância absoluta” Raquel Dodge Procuradora-geral da República

 A procuradora-geral da República, Raquel Dodge, pediu ontem para o Supremo Tribunal Federal (STF) restaurar a prisão preventiva do empresário Jacob Barata Filho, o “rei dos ônibus” no Rio, que foi solto no sábado após um habeas corpus concedido pelo ministro Gilmar Mendes. A decisão fora a terceira de Gilmar favorável a Barata. Dodge argumentou que Gilmar não tinha a competência para decidir sobre o pedido de habeas corpus apresentado pela defesa do empresário. De acordo com a procuradora-geral, o responsável por analisar os habeas corpus da Operação Cadeia Velha — que prendeu Barata — era o ministro Dias Toffoli, que já havia negados pedidos de soltura dos deputado estaduais Jorge Picciani e Paulo Melo, presos na mesma operação. O pedido feito pela defesa de Barata dizia respeito à prisão na Operação Ponto Final, que tramita na 7ª Vara Federal Criminal do Rio, com o juiz Marcelo Bretas. Porém, Gilmar decidiu revogar, também, a prisão na Cadeia Velha, que tramita no Tribunal Regional Federal da 2ª Região (TRF-2), a segunda instância do Judiciário, por considerar que as duas investigações guardavam semelhanças. Em evento no Tribunal Superior Eleitoral (TSE), questionado se tinha competência para analisar a liberdade de Barata na Cadeia Velha, Gilmar respondeu:

— Você acha que alguém toma uma decisão achando-se incompetente?

À época do habeas corpus, Gilmar afirmou que, embora as duas investigações não fossem idênticas, guardavam muitas semelhanças. Por isso, no seu entender, não seria indicado revogar apenas um dos decretos de prisão. E acrescentou que a decisão do TRF-2 fora uma maneira de “contornar a decisão do STF” de conceder habeas corpus a Barata e Teixeira. A procuradora-geral considerou que a Ponto Final e a Cadeia Velha são “duas operações nitidamente diversas”, apesar de ambas envolverem “alguns agentes criminosos em comum”, os empresário de ônibus: na primeira, os supostos recebedores de propina seriam membros do Executivo do Rio de Janeiro, como o ex-governador Sérgio Cabral; enquanto os investigados na segunda fazem parte da Assembleia Legislativa. “O fato de as duas Operações envolverem alguns agentes criminosos em comum, como é o caso de Jacob Barata Filho, Lélis Marcos Teixeira e José Carlos Lavouras, é circunstancial e, por óbvio, não permite a conclusão de que ambas investigam os mesmos fatos ilícitos, como pretende convencer o ora paciente”, escreveu Raquel. Para a advogada de Barata, Daniela Teixeira, só há uma investigação, sobre os mesmos fatos.

— Jacob Barata Filho está sendo investigado pela suspeita de ter pagado ou não propina a agentes públicos. Ele é uma pessoa só, não muitas — argumenta.

No pedido ao STF, Dodge afirmou que Gilmar, “além de agir despido de competência para tanto, afrontou a competência do Ministro Dias Toffoli para fazê-lo, em clara ofensa à regra do juiz natural”. A análise do recurso apresentado pela procuradorageral cabe ao próprio Gilmar. Caso ele negue, o caso deverá ser analisado pela Segunda Turma do Supremo. Em palestra em seminário no Superior Tribunal de Justiça sobre ativismo judicial, Gilmar criticou prisões da Lava-Jato e defendeu mudanças na forma como são feitas as detenções no Brasil. Sem citar o nome do juiz federal Sergio Moro, ele voltou a dizer que as prisões provisórias estão ocorrendo de maneira eterna. Caso isso não mude, afirmou, haverá um fortalecimento excessivo dos juízes de primeira instância e do Ministério Público, e os tribunais superiores serão desnecessários.

— Na verdade, a prisão em segundo grau em alguns casos, em especial no contexto da Lava-Jato, se tornou algo até dispensável. Passou a ocorrer a prisão provisória de forma eterna, talvez até com o objetivo de conseguir a delação. Com a sentença de primeira grau, o sujeito continuava preso. E com a sentença de segundo grau se começava a execução. É preciso saber ler estrelas — afirmou Gilmar.

Em outro evento, de celebração do Dia Internacional de Combate à Corrupção, na sede da Procuradoria-Geral da República, Raquel Dodge, afirmou que o Ministério Público Federal deve redobrar os esforços para combater a corrupção porque, apesar de todo trabalho que vem sendo feito ao longo dos últimos anos, quadrilhas influentes continuam em ação para desviar dinheiro público.

— No Brasil, a corrupção é um fato tão escandaloso que o sentimento de todos os brasileiros e do Ministério Público, como instituição de controle e de fiscalização, é de intolerância absoluta com a corrupção. A pequena e a grande corrupção. Esta é a urgência do agora. É por isto que nos reunimos aqui para dizer, de modo eloquente, que vamos redobrar o grande esforço já feito até o momento contra a corrupção, para aplicar a Constituição e a lei, porque percebemos que o muito alcançado ainda é insuficiente para paralisar desvios e apropriações ilícitas — disse Dodge, em discurso.