O Estado de São Paulo, n. 45394, 29/01/2018. Política, p.A5

 

 

 

 

 

 

Para especialistas, cúpulas ganham poder

Embora fim da doação empresarial tire dinheiro das campanhas, divisão do fundo eleitoral vai favorecer ‘caciquismo’, dizem cientistas políticos

Por: Thiago Faria e Gilberto Amendola

 

Thiago Faria / BRASÍLIA 
Gilberto Amendola

 

A maior concentração de recursos nas mãos dos dirigentes partidários é vista por especialistas como uma das principais falhas do fundo eleitoral aprovado pelo Congresso no ano passado. Na avaliação de cientistas políticos ouvidos pelo Estado, mesmo que o fim da doação empresarial represente menos dinheiro circulando nas campanhas, o poder dado às cúpulas partidárias para distribuir os recursos pode aumentar a “caciquização” da política. “Antes os políticos com mais potencial eleitoral (ou que já eram detentores de mandatos) se movimentavam em uma lógica que era quase a de cada um por si. Ou seja, procuravam diretamente as empresas para financiarem suas campanhas. Com o fim desse tipo de financiamento, o peso dos partidos aumentou. O candidato, por mais potencial que tenha, vai precisar estar próximo da cúpula para sustentar a própria campanha”, disse o cientista político Humberto Dantas, da Fundação Getulio Vargas (FGV).

Dantas chama a atenção para o fim que partidos médios e pequenos – agora com maior “poder de fogo” – vão dar aos recursos que receberão do fundo eleitoral. “Do lado dos partidos médios e pequenos, é preciso ficar atento com a forma como esses recursos serão usados para atrair esse ou aquele candidato na janela eleitoral.” Para Vitor Oliveira, da consultoria política Pulso Público, a questão poderia ser contornada com mais mecanismos de transparência. “Uma das grandes falhas na criação do fundo eleitoral foi o de não vincular o recebimento de valores a uma maior transparência interna, uma democratização partidária e regras de controle. Na forma como os partidos são geridos, fica claro que não vai existir equidade na distribuição desses recursos”, afirmou. “As cúpulas partidárias, que, normalmente, são encasteladas – e tem uma relação de poder muita clara com os diretórios municipais e estaduais –, vão direcionar o dinheiro para aqueles candidatos que estiverem mais alinhados com as lideranças”, disse Oliveira. Para o consultor, a situação é “ainda mais grave” nos partidos médios e pequenos. “Isso porque esses partidos são mais claramente controlados por indivíduos e famílias que, certamente, vão direcionar a distribuição dos recursos eleitorais para os candidatos de sempre.”

Dirigentes. Do lado dos dirigentes políticos, o discurso é de que ainda é cedo para se tirar conclusões sobre possíveis distorções no financiamento eleitoral de campanhas. “Como é uma regra nova, não dá para saber os efeitos disso. É um sistema que acabou sendo imposto, uma mudança radical na forma de fazer campanha. Acho que vai ser uma nova experiência, pode ser que cause distorção, mas ainda não dá para afirmar isso”, disse o tesoureiro do PSDB, o deputado federal Silvio Torres (SP). De acordo com o dirigente tucano, o partido investirá em novas formas de arrecadação para compensar, pelo menos em parte, a redução do valor que terá para fazer campanhas. “Estamos nos preparando para fazer arrecadação de pessoa física, via crowdfunding. Vamos fazer campanhas via redes sociais e outros meios de comunicação para ver se conseguimos engajar a sociedade nesse novo modelo”, disse Torres.

Segundo levantamento do Estado, no total, o PSDB terá quase R$ 800 milhões a menos para fazer campanha em 2018 em relação ao montante que teve disponível há quatro anos. Na avaliação do presidente do PTB, o ex-deputado Roberto Jefferson, porém, “ninguém poderá dizer que não fez campanha por falta de dinheiro”. “É uma experiência nova, mas os candidatos vão ter recursos para fazer campanha como tiveram em 2014. Não vai mudar o jeito de fazer campanha”, disse. O presidente do PTB afirmou ainda que, embora as cúpulas sempre tenham tido poder, desta vez terão uma influência ainda maior nas campanhas políticas. “A cúpula sempre tem poder. É claro que o comando partidário terá mais poder nestas eleições, até para fazer as alianças, os acordos. Nas eleições passadas, os candidatos tinham mais dinheiro que os partidos”, disse Jefferson.

Mudança

“(Com o fim da doação de empresa)O candidato, por mais potencial que tenha, vai precisar estar próximo da cúpula para sustentar a própria campanha.”

HUMBERTO DANTAS

CIENTISTA POLÍTICO

 

 

 

 

 

Marina pede a políticos ‘respeito às instituições’

Para ex-ministra, o ‘rouba, mas faz’ foi ampliado para o ‘rouba, mas é de esquerda’ e ‘rouba, mas está fazendo reformas’
Por: Leonardo Augusto

 

Leonardo Augusto 
ESPECIAL PARA O ESTADO 
BELO HORIZONTE

Pré-candidata à Presidência da República pela Rede Sustentabilidade, a ex-ministra Marina Silva criticou o que chamou de “atitude do rouba, mas faz”. Atualmente, segundo ela, essa questão foi ampliada para o “rouba, mas é de esquerda”, “rouba, mas é de direita” e “rouba, mas está fazendo reformas”. As declarações foram dadas em entrevista à Rádio Super Notícia, de Belo Horizonte. Questionada sobre a condenação, em segunda instância, do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, de quem foi ministra do Meio Ambiente entre 2003 e 2008, e a possibilidade de o ex-chefe ter sua candidatura registrada na disputa presidencial de 2018, ainda que seja preso, Marina disse que a situação exige dos líderes políticos e da sociedade em geral “respeito às instituições”. “A minha posição sempre foi de defesa das investigações, sempre dizendo que as pessoas só serão culpadas depois do veredicto, com base nos autos, que devem ser dados técnicos e, obviamente, cabendo a todos respeitá-lo”, afirmou.

Antes do julgamento do Tribunal Regional Federal da 4.ª Região (TRF-4), a Rede divulgou nota na qual afirmava que acompanhava “com muita apreensão o clima de hostilidade” que se formava em torno da decisão da 8.ª Turma do tribunal, ressaltava o apoio à Lava Jato e concluía que “todos são iguais perante a lei”. Marina, cuja pré-candidatura à Presidência foi lançada pela legenda em dezembro do ano passado, é apontada como uma das beneficiárias de eventual ausência de Lula na disputa deste ano. Com a decisão colegiada da 8.ª Turma do TRF-4, o petista poderá ficar inelegível com base na Lei da Ficha Limpa.

Foro. “Já temos empresários e pessoas que, mesmo sendo lideranças políticas com grande popularidade, como é o caso do ex-presidente Lula, estão sendo punidos”, observou a ex-ministra, que cobrou a conclusão de processos envolvendo autoridades com foro privilegiado. “Temos situações com mais de 200 parlamentares que estão igualmente sendo investigados e não estão sendo punidos por terem o poder de fazer o autojulgamento. Veja o que aconteceu no caso do senador Aécio Neves, a quem o Supremo Tribunal Federal devolveu, para os seus pares, a prerrogativa de julgá-lo. Não se pode ter dois pesos e duas medidas”, disse. Na eleição presidencial de 2014, a ex-ministra apoiou Aécio, então candidato do PSDB, na disputa do segundo turno contra a petista Dilma Rousseff, que foi reeleita. Na entrevista, Marina também foi questionada sobre de que lado está como presidenciável, incluindo a situação da economia do País. Ao propor uma saída “não só econômica, mas política e social” para a crise, ela disse que o presidente Michel Temer “não tem legitimidade ou credibilidade”. “Inclusive, ele guarda no seio do seu governo, com foro privilegiado, seis pessoas que deveriam estar sendo igualmente julgadas e punidas. Não podemos ter uma atitude do ‘rouba, mas faz’. Isso agora foi ampliado: é ‘rouba, mas faz’, ‘rouba, mas é de esquerda’, ‘rouba, mas é de direita’, ‘rouba, mas está fazendo reformas’. Não se tem que ter uma atitude de manejar, de forma ilegítima, questões tão delicadas”, afirmou.

‘Sabático’. Marina disse ainda que o PT, o PSDB, o MDB e o DEM precisam sair em um período sabático para “se reencontrarem”. Para a ex-ministra, esses partidos “se perderam em um projeto de poder pelo poder”. “São partidos que deram grande contribuição para a sociedade, mas se perderam no projeto de poder pelo poder, da eleição pela eleição. Deixaram de discutir os rumos da Nação”, afirmou. Ela declarou que essas legendas “precisam de quatro anos sabáticos para se reencontrar com as bases e reler seus programas”. Procurado por meio de sua assessoria, o Instituto Lula afirmou que não iria se manifestar. O Palácio do Planalto também não quis comentar. O senador Aécio Neves (PSDB-MG), por meio de sua assessoria, afirmou que respeita a ex-ministra, “mas considera que ela não compreendeu bem a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF)”. “A decisão se deu sobre uma tese de repercussão geral, interpretando a Constituição, e não um caso específico. Tampouco, ao contrário do que diz a ex-ministra, o STF não transferiu ao Poder Legislativo o julgamento de ninguém. Até porque isso seria absurdo. O senador Aécio sempre defendeu que todas as investigações ocorram de forma isenta e reitera que elas mostrarão a correção de seus atos.”

Veredicto

“A minha posição sempre foi de defesa das investigações, sempre dizendo que as pessoas só serão culpadas depois do veredicto, com base nos autos, que devem ser dados técnicos e, obviamente, cabendo a todos respeitá-lo.”

 

 

 

 

 

 

Candidato ‘trans’ deve usar nome social, diz MP

Em parecer ao TSE, vice-procurador-geral eleitoral pede registro das candidaturas pelo gênero escolhido
Por: Amanda Pupo e Rafael Moraes Moura

 

Amanda Pupo 
Rafael Moraes Moura /
 BRASÍLIA

O Ministério Público Eleitoral vai encaminhar hoje ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE) parecer favorável a que mulheres e homens transgêneros candidatos sejam registrados na cota dos partidos pelo gênero que escolheram. A partir do parecer, o MPE indica que apenas o nome social do candidato seja divulgado publicamente. Apesar de o nome social não substituir o do registro civil para fins eleitorais, o civil deverá ser utilizado, segundo o MPE, apenas para fins administrativos internos. “Seu emprego se dará apenas quando estritamente necessário ao atendimento do interesse público e à salvaguarda de direitos de terceiros”, afirma o parecer. A manifestação, assinada pelo vice-procurador-geral eleitoral, Humberto Jacques, responde a uma consulta da senadora Fátima Bezerra (PT-RN) ao TSE. A Corte Eleitoral deve votar a questão até 5 de março, quando se encerra o prazo de edição das resoluções para o pleito de 2018.

O ministro Tarcísio Vieira, relator da consulta no TSE, deve liberar o caso para votação ainda em fevereiro. A Lei das Eleições prevê que cada legenda ou coligação deve preencher, no mínimo, 30% para candidaturas de cada sexo, mas a senadora petista alegou que o termo “sexo” é questionável nesse caso, pois não alcança a identidade de gênero. Nos casos em que o candidato já alterou o registro civil judicialmente, o novo nome deverá ser respeitado na disputa eleitoral, segundo recomendação do vice-procurador eleitoral.

 

‘Visibilidade’. A data de divulgação do parecer do MPE foi escolhida porque 29 de janeiro é o Dia Nacional da Visibilidade Trans. A professora de filosofia Luiza Coppieters, mulher trans, se candidatou a vereador nas eleições de 2016, em São Paulo. Apesar de o nome “Professora Luiza Coppieters” figurar no alto de seu registro, ao lado da foto, os dados que seguiam traziam o seu nome de registro civil, contrariando a forma como ela se reconhece. “Eu não entrei na cota de mulheres. A briga no TSE é para que os transexuais tenham respeitado o seu gênero”, disse Luiza, que é pré-candidata a deputado estadual neste ano. Para ela, se o TSE adotar novas diretrizes, será dado um passo a fim de evitar que candidatos trans passem por constrangimentos. “É importante sair com uma plataforma séria, coerente, para que vejam que a gente existe como outras pessoas que estudam, que têm propostas”, afirmou Luiza. A professora participou de audiências públicas no TSE para sugestões de aperfeiçoamento das resoluções na disputa deste ano. “Eu senti uma inclinação de tentar resolver isso da melhor maneira possível.”

Gênero

“A briga no TSE é para que os transexuais tenham respeitado o seu gênero.”

Luiza Coppieters

PROFESSORA E CANDIDATA A DEPUTADO ESTADUAL