O globo, n. 30799, 03/12/2017. País, p. 3 

 

Sigilo Dodge

Vinicius Sassine

12/12/2017

 

 

Procuradora-geral já pediu cinco inquéritos à PF para investigar vazamentos de delações

​"O momento é de minimizar danos do crime de vazamento, e não de potencializar seus efeitos” Raquel Dodge

-BRASÍLIA- Em menos de três meses no cargo, a procuradora-geral da República, Raquel Dodge, encaminhou ao diretor-geral da Polícia Federal (PF) cinco pedidos de abertura de inquérito para investigar supostos vazamentos de delações premiadas. A média é de dois por mês, relacionados tanto a propostas sigilosas de delação apresentadas à Procuradoria-Geral da República (PGR) e ainda em fase de discussão, quanto a colaborações já assinadas ou homologadas pelo Supremo Tribunal Federal, mas ainda sob segredo.

Fontes próximas a Dodge relatam uma disposição da procuradora-geral em devolver a advogados termos de delações supostamente vazados à imprensa. Uma eventual decisão nesse sentido seria adotada a depender dos fatos apurados em inquéritos da PF. O ritmo de pedidos desse tipo não encontra precedente na gestão anterior, de Rodrigo Janot. Raquel e Janot são de grupos que se opõem na PGR.

O grupo montado por ela para conduzir os processos da Lava-Jato relacionados a autoridades com foro privilegiado vem agindo na mais absoluta discrição. Os procuradores, atendendo a uma recomendação expressa de Raquel, tornaram mais rígidas as possibilidades de contatos e negociações com advogados de delatores, tanto os que já conseguiram um acordo com a gestão anterior da PGR quanto os que estão na fila para tentar o benefício. Além disso, o grupo se ocupa de reunir elementos sobre delações assinadas por Janot. É o caso das colaborações dos executivos do grupo J&F, cuja rescisão foi pedida ainda na gestão de Janot.

EX-ALIADO DE BETO RICHA A PGR

mantém sob sigilo os pedidos de abertura de inquéritos para apurar supostos vazamentos de delações. A reportagem do GLOBO apurou que um dos casos envolve a proposta de delação de Maurício Fanini, ex-aliado do governador do Paraná, Beto Richa (PSDB). O pedido foi encaminhado ao diretor-geral da PF, Fernando Segovia, na última quinta-feira.

Reportagem do GLOBO publicada no sábado revelou que Fanini, em proposta de colaboração encaminhada à PGR, afirmou ter recebido dinheiro para não comprometer o governador com acusações relacionadas à Operação Quadro Negro, que investiga supostos desvios de construções de escolas públicas em prol de políticos locais.

Para a mesa de Dodge foram encaminhados ainda pedidos de investigação sobre supostos vazamentos de aspectos internacionais da colaboração da Odebrecht e também da proposta de delação de Antonio Palocci, ex-ministro da Fazenda e da Casa Civil nos governos petistas. No primeiro caso, a solicitação partiu da própria empreiteira. No segundo, de um dos citados pelo exministro, preso em Curitiba. A PGR não informa se esses casos estão entre os cinco encaminhamentos feitos à PF.

Advogados que defendem delatores ou potenciais delatores relatam ter dificuldades para negociar propostas de colaboração com a PGR na gestão de Dodge. Um exemplo dessa nova realidade é a vivenciada por advogados do grupo J&F. No período de dois meses subsequentes à decisão de Janot de propor a rescisão do acordo de executivos do grupo, em razão de omissão e má-fé, defensores dos colaboradores estiveram uma única vez com a equipe que cuida de Lava-Jato na PGR. Nas discussões sobre o futuro da delação premiada, eles mais falaram do que ouviram. E saíram do prédio da PGR sem uma sinalização a respeito do que poderá ocorrer com o acordo.

Na gestão de Janot, as colaborações premiadas foram o carro-chefe das investigações da Lava-Jato. O STF homologou quase 120 acordos de colaboração assinados pelo então procurador-geral, que ainda deixou para sua sucessora outras negociações engatilhadas. Boa parte dos depoimentos veio a público a partir do momento em que Janot pedia a abertura de inquéritos.

Raquel já fez defesas públicas do instrumento da delação e também da leniência, colaboração voltada a pessoas jurídicas. Mas os procedimentos mudaram: todos os sinais apontam para uma restrição na quantidade de colaboramais ções; o peso de advogados nas negociações foi reduzido; e a procuradora-geral defende o sigilo das das delações até que o STF aceite denúncia da PGR.

Procuradores que atuaram com Janot lembram de quatro casos em que o procurador-geral decidiu agir diante de vazamentos. Segundo esses procuradores, houve uma ação desse tipo quando veio a público a colaboração do senador cassado e ex-líder do governo de Dilma Rousseff no Senado Delcídio Amaral, em março de 2016. Em dezembro do mesmo ano, Janot divulgou nota na qual informava um pedido de inquérito para apurar o vazamento da delação de Cláudio Melo Filho, ex-dirigente da Odebrecht.

Naquele mesmo ano, Janot suspendeu as negociações com o ex-presidente da OAS Léo Pinheiro e com outros executivos da empreiteira, diante de informações tornadas públicas sobre a colaboração. O entendimento foi que houve uma quebra em cláusulas de confidencialidade. O procurador-geral também pediu à PF investigação sobre o fato de terem se tornado públicos os pedidos de prisão do então presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), do senador Romero Jucá (PMDB-RR) e do ex-presidente José Sarney (PMDB-AP). Os pedidos, revelados pelo GLOBO, acabaram negados pelo STF. Em 2015, segundo procuradores ouvidos, houve pedido de investigação sobre supostos vazamentos relacionados à Operação Colono, que investigou desvios de recursos do Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar.

Em um recurso ao STF para buscar a restituição do sigilo da delação premiada do marqueteiro Renato Pereira, Dodge deixou expressa sua visão: “O momento é de minimizar os danos decorrentes do crime de vazamento, e não de potencializar os seus efeitos”. A procuradora-geral afirmou que o momento para a retirada do sigilo, conforme a lei que trata de delações premiadas, é o recebimento de uma denúncia.

Pereira relatou ilícitos nas campanhas do governador do Rio, Luiz Fernando Pezão (PMDB), e também de outros peemedebistas. As informações foram reveladas pelo GLOBO. Relator do caso no STF, Ricardo Lewandowski decidiu não homologar o acordo e mandou os termos de volta à PGR, para uma revisão. O magistrado, então, retirou o sigilo. O ministro Dias Toffoli concordou com Raquel e restituiu o sigilo. A procuradora-geral foi na mesma linha de Lewandowski e corroborou um pedido para que a PF investigue o vazamento.

_______________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________

 

Operador de Cabral diz que propina do esquema tinha até 14º salário

12/12/2017

 

 

Carlos Miranda estima que R$ 500 milhões foram desviados do governo desde os anos 1990

Apontado como operador do ex-governador Sérgio Cabral, Carlos Miranda estimou em R$ 500 milhões o valor arrecadado desde os anos 1990 por esquemas de desvio de dinheiro público do governo estadual. As informações são da GloboNews. Em depoimento ontem na 7ª Vara Criminal Federal do Rio, o operador detalhou os valores mensais dos pagamentos de propina e informou que os integrantes do esquema também recebiam uma espécie de 13º e até 14º salários.

— Tirávamos cerca de R$ 150 mil por mês. Também havia prêmios no fim do ano, como uma espécie de 13º ou 14º salários. Tudo era pago em dinheiro — disse Miranda, referindo-se a ele e aos ex-secretários Wilson Carlos e Régis Fichtner.

A defesa de Fichtner disse que a afirmação é mentirosa e que o ex-secretário “nunca recebeu vantagem financeira indevida”. Fichtner “não foi mencionado em acordos de leniência”, diz a nota. A defesa de Wilson Carlos não foi encontrada.

Ao juiz Marcelo Bretas, Miranda afirmou que a organização era controlada por Cabral e que os pagamentos aconteceram até 2016, às vésperas da prisão do ex-governador. Segundo ele, Wilson Carlos, ex-secretário de Governo de Cabral, era o responsável pelos contatos com as empresas, e Fichtner cuidava do andamento do esquema dentro da estrutura do governo.

— Eu cuidava das despesas pessoais do governador, inclusive da movimentação em suas contas — disse Miranda.

O operador era uma das pessoas mais próximas a Cabral. O depoimento dele é considerado fundamental para esclarecer o funcionamento do esquema. Miranda cuidava, inclusive, da declaração de Imposto de Renda do peemedebista.

De acordo com Miranda, toda a movimentação de dinheiro de propina era registrada em uma planilha dividida em duas partes e armazenada no email dele. As senhas de acesso eram trocadas com frequência. Ao verificar o avanço das investigações da Lava-Jato sobre o grupo de Cabral, Miranda contou que decidiu destruir o documento.

O operador disse ainda que a Carioca Engenharia — uma das empresas que participaram do esquema — pagou uma conta de cerca de R$ 200 mil à agência de comunicação FSB. Segundo ele, tratavase do pagamento de trabalho feito pela empresa durante a campanha de reeleição do governador. Esse valor, afirmou Miranda, foi abatido do total de propina que a Carioca pagava à organização.

Em nota, a FSB disse que a equipe da empresa não conhece Miranda: “Ficamos absolutamente surpresos com suas declarações pela total falta de fundamento. A FSB tem 38 anos de história no mercado e pautamos nossa atuação por um código de conduta e ética baseado em normas rígidas de compliance”.