O globo, n. 30885, 27/02/2018. País, p. 3

 

Wagner entra na mira

27/02/2018

 

 

Cotado para substituir Lula na campanha, ex-governador da Bahia é alvo de ação da PF

Cotado como alternativa do PT ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva para a corrida presidencial, o ex-ministro e ex-governador da Bahia Jaques Wagner foi o principal alvo de uma operação da Polícia Federal, deflagrada ontem, que investiga superfaturamento em contratos para a reforma da Arena Fonte Nova, em Salvador. Wagner é acusado pela PF de receber R$ 82 milhões em propina e doações eleitorais das duas empresas que formaram o consórcio responsável pela obra: Odebrecht e OAS. Ele nega irregularidades. O PT classifica a operação de “episódio de perseguição contra o partido”.

A delegada responsável pela Operação “Cartão Vermelho”, Luciana Matutino, afirma que o superfaturamento da reconstrução do estádio soma cerca de R$ 450 milhões, em valores atualizados. O custo equivale a cerca de 65% do total gasto na obra. As investigações da Polícia Federal e do Ministério Público Federal em todo o Brasil revelaram suspeitas de despesas muito superiores às orçadas em várias cidades da Copa. No Maracanã, no Rio, e no Mané Garrincha, em Brasília, os custos finais extrapolaram em mais da metade o orçamento inicial.

No caso da Fonte Nova, as investigações indicaram que os supostos pagamentos ao ex-governador baiano saíram do montante recebido pelas empreiteiras. Delações de executivos das construtoras e de políticos apontam que Jaques Wagner é o sétimo chefe de executivo estadual acusado de receber propina em obras das arenas. Sérgio Cabral (PMDB-RJ), Agnelo Queiroz (PT-DF), José Roberto Arruda (PR-DF), Eduardo Braga (PMDB-AM), Omar Aziz (PSD-AM) e Silval Barbosa (PMDB-MT) também já foram citados. À exceção de Silval Barbosa, todos os outros políticos acusados negam qualquer ato ilícito.

— O somatório de R$ 82 milhões foi o total identificado nesta investigação que foi doado pela OAS e Odebrecht para o ex-governador — disse a delegada, em entrevista após a operação.

Agentes da PF cumpriram sete mandados de busca e apreensão: na casa de Jaques Wagner em Salvador; na secretaria estadual de Desenvolvimento Econômico, da qual ele é titular; e em outros endereços na capital baiana ligados ao secretário da Casa Civil, Bruno Dauster, e ao empresário Carlos Daltro, amigo de Wagner. Segundo a delegada, foram apreendidos documentos, computadores, mídias e cerca de 15 relógios do ex-governador. A Polícia Federal chegou a pedir a prisão preventiva de Wagner e dos outros dois alvos da operação, mas o Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF-1) negou os pedidos.

Os investigadores se basearam em informações prestadas por delatores da Odebrecht e em materiais colhidos em outras operações de busca e apreensão, na sede da OAS, além de um estudo que apontou superfaturamento na obra.

 

NA CASA DA MÃE DE WAGNER, R$ 500 MIL

De acordo com a PF, Wagner se beneficiou do superfaturamento das obras na Fonte Nova ao receber doações para campanha de 2014 e vantagens indevidas. Os investigadores não detalharam como os R$ 82 milhões foram direcionados ao ex-governador, mas citaram que os relógios eram propina repassada como presente a Wagner ou a indicados por ele. Segundo a PF, a investigação apontou ainda um pagamento de R$ 500 mil na casa da mãe de Jaques Wagner, no Rio.

— Existe a informação de que os doleiros em Salvador não teriam capacidade de entregar tal quantia, e, por isso, teria sido feito um pagamento no Rio de Janeiro. Os demais pagamentos foram feitos através desses intermediários (Dauster e Daltro), e a maior parte através de doação de campanha. Isso conforme as delações e outros elementos de provas que temos nos autos — afirmou o superintendente da PF na Bahia, Daniel Justo Madruga. A Polícia Federal informou ainda que R$ 3,5 milhões foram repassados a Wagner por meio de doação eleitoral oficial feita pela Cervejaria Itaipava. — A Itaipava é uma empresa parceira do grupo Odebrecht. Se há lavagem (de dinheiro nesse episódio), a gente ainda não tem comprovação — disse a delegada. A PF sustenta que Marcelo Odebrecht teria condicionado seu apoio para campanha de 2014 à concessão de aditivos no contrato da Fonte Nova. Teria sido acertado, então, um aditivo no valor de R$ 90 milhões. Porém, Wagner teria rejeitado o pedido. Ainda segundo a PF, as empreiteiras e o ex-governador teriam acertado o pagamento de uma dívida de R$ 390 milhões da Companhia de Engenharia e Recursos Hídricos da Bahia (Cerb) com a Odebrecht. Ontem, Jaques Wagner classificou as acusações da PF como “infundadas”. — Repilo a ideia de receber propina: nunca recebi nem nunca pedi propina. Eu não peço, não autorizo ninguém a pedir qualquer tipo de reciprocidade por obras feitas. E assim foi na questão da Fonte Nova, que infelizmente a PF está comprando uma versão de que houve superfaturamento. Há uma incompreensão da Polícia Federal, como houve do Tribunal de Contas do Estado, do que é uma PPP e do que é uma obra pública. No PPP, não existe a figura do superfaturamento, como se está insistindo em falar — afirmou Wagner. (Gabriel Cariello e Miguel Caballero)

 

AS SUSPEITAS NAS ARENAS DA COPA

Fonte Nova

Valor: R$ 684 milhões. O estádio baiano foi destinado à Odebrecht no conluio entre empreiteiras para fraudar licitações da Copa. Delações de executivos da construtora sobre superfaturamento na obra embasaram as investigações, que chegaram a Jaques Wagner (PT).

Arena Corinthians

Valor: R$ 1,2 bilhão. O empréstimo de R$ 400 milhões feito pelo BNDES, via Caixa, não foi pago pelo clube. Delatores da Odebrecht, construtora do estádio, relatam caixa 2 de mais de R$ 2 milhões à campanha de Andrés Sanchez, deputado do PT e presidente do Corinthians.

Mineirão

Valor: R$ 695 milhões. Em sua delação, Joesley Batista, da JBS, disse que foi orientado por líderes petistas a comprar, em 2014, 3% da concessionária do estádio. O valor do negócio, R$ 30 milhões, foi destinado à campanha do governador Fernando Pimentel (PT), segundo o empresário.

Arena das Dunas

Valor: R$ 400 milhões. O senador José Agripino (DEM) foi denunciado pela PGR acusado de receber propina de R$ 2 milhões da OAS, construtora do estádio. O doleiro Lúcio Funaro delatou que houve propina para Eduardo Cunha e Henrique Alves, ambos do PMDB e presos.

Arena Amazônia

Valor: R$ 660 milhões. O cartel destinou a obra à Andrade Gutierrez (a Odebrecht ofereceu proposta propositalmente maior). Delatores da AG citaram propina aos ex-governadores Eduardo Braga (PMDB) e Omar Aziz (PSD). Cada um teria recebido R$ 20 milhões.

Maracanã

Valor: R$ 1,2 bilhão. Delatores da Odebrecht e da Andrade Gutierrez relataram propina para Sérgio Cabral de até 5% da obra. Ex-presidente do TCE confirmou esquema. O dono da Delta, Fernando Cavendish, disse que entrou no cartel após dar um anel de presente à mulher de Cabral.

Mané Garrincha

Valor: R$ 1,4 bilhão. O estádio foi o mais caro da Copa. Delatores da Andrade Gutierrez relataram pagamento de propina aos ex-governadores José Roberto Arruda (PR) e Agnelo Queiroz (PT). Eles e o ex-vice Tadeu Filipelli (PMDB) ficaram oito dias presos no ano passado.

Arena Pernambuco

Valor: R$ 532 milhões. O valor é controverso: a Odebrecht cobra do governo de PE outros R$ 246 milhões. Delatores da Odebrecht e da Andrade Gutierrez admitiram fraude: a Andrade fez oferta maior para dar a vitória à concorrente. A PF vê superfaturamento de R$ 42 milhões na execução da obra.

Castelão

Valor: R$ 518 milhões. Outro estádio citado por Benedicto Júnior, delator da Odebrecht. Ele disse que a licitação foi fraudada para favorecer a Galvão Engenharia, dentro do cartel entre as empreiteiras. O MPF no Ceará investiga pagamento de propina a autoridades locais.

Arena Pantanal

Valor: 628 milhões. No caso, a revelação não veio das empreiteiras corruptoras, mas do próprio ex-governador do MT Silval Barbosa (PMDB). Em delação, ele admitiu ter recebido R$ 18 milhões de propina da Mendes Júnior, construtora do estádio.

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PT admite desgaste, mas mantém ‘Plano B’

Sérgio Roxo

27/02/2018

 

 

Partido vai reforçar discurso de que é alvo de perseguição política

-SÃO PAULO- Lideranças petistas avaliam que a operação de ontem da Polícia Federal “constrange e atrapalha” os planos do PT de fazer de Jaques Wagner o plano B caso Lula seja impedido de disputar a Presidência da República por causa da Lei da Ficha Limpa. Dirigentes da legenda acreditam, porém, que o episódio não significará uma pá de cal para o ex-governador da Bahia porque o discurso de “perseguição ao partido”, já usado nas acusações contra o ex-presidente, também se aplica nesse caso e encontra eco em uma parcela significativa de eleitores.

Outra aposta é que os adversários terão dificuldade para tratar de escândalos de corrupção durante a campanha, já que denúncias têm atingido integrantes das mais diversas legendas.

Wagner é o preferido da maioria dos dirigentes e parlamentares do PT para entrar na disputa ao Planalto. O plano na legenda é levar a candidatura de Lula, mesmo com a condenação em segunda instância que o torna ficha-suja, até o prazo final para a troca do cabeça da chapa, a 20 dias da eleição. Se até lá os advogados não conseguirem uma liminar nos tribunais superiores, ocorreria a mudança de candidato.

O ex-prefeito de São Paulo Fernando Haddad também é citado como plano B, mas seu nome enfrenta resistência porque alguns petistas consideram que ele não defende a legenda de forma enfática. Wagner, que governou a Bahia por dois mandatos, também tem um retrospecto eleitoral mais favorável do que o ex-prefeito, derrotado no primeiro turno ao tentar a releição em 2016. Apesar das preferências, deve caber a Lula indicar o seu substituto.

No mês passado, a Polícia Federal indiciou Haddad por caixa 2 eleitoral. De acordo com a investigação, a campanha de 2012 do ex-prefeito teve despesas com uma gráfica pagas por fora pela empreiteira UTC.

Para parlamentares do PT, há relação entre as investigações da PF contra Wagner e Haddad.

“Alerta aos petistas: não cogitem nomes como candidatos à Presidência da República porque a Policia Federal instaura inquérito e pede busca e apreensão na casa do sujeito. Já ocorreu com o Lula, com Haddad e agora com o Jaques Wagner”, escreveu o deputado Paulo Teixeira (SP), no Twitter.

A legenda adotou ontem o mesmo discurso usado para defender Lula, com ênfase de que o partido é alvo de uma perseguição por parte da polícia e do Judiciário para não voltar a comandar o país.

Para o líder do PT na Câmara, Paulo Pimenta (RS), é “evidente” a ligação entre a operação de ontem e o fato de Wagner aparecer como possível substituto de Lula.

— Na medida que você tem um nome que é colocado como candidato, há um tratamento como esse.

Pimenta comparou o caso de Wagner com o do senador Aécio Neves (PSDBMG), flagrado no ano passado em conversa com o empresário Joesley Batista, da J&F, em que acerta o recebimento de R$ 2 milhões.

— O Jaques Wagner nunca se negou a colaborar com a Justiça, sempre se colocou à disposição. Qual seria o motivo para um pedido de prisão no caso dele enquanto um senador da República é gravado pedindo propina para um empresário? — disse o líder do PT.

Horas depois da operação da PF, o PT divulgou nota em que manifesta solidariedade ao ex-governador da Bahia. No comunicado, a legenda classifica a operação de busca e apreensão autorizada pela Justiça como “invasão da residência” do ex-governador da Bahia. “A escalada do arbítrio está diretamente relacionada ao crescimento da précandidatura do ex-presidente Lula nas pesquisas. Quanto mais Lula avança, mais tentam nos atingir com mentiras e operações midiáticas”, afirma a nota.