Correio braziliense, n. 20042, 05/04/2018. Política, p. 2

 

Supremo derruba habeas corpus de Lula

Bernardo Bittar e Renato Souza

05/04/2018

 

 

JUSTIÇA » Por seis votos a cinco, ministros do STF rejeitam pedido da defesa para evitar a prisão do ex-presidente em segunda instância

Em um julgamento longo e arrastado, os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) rejeitaram o habeas corpus impetrado pela defesa do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). O voto da ministra Rosa Weber, considerado decisivo, foi justificado por ela como “respeito à colegialidade”. Dos 11 integrantes da Corte, seis votaram contra o recebimento da peça. O resultado não apenas aproxima Lula da cadeia, como também elimina as expectativas de participar das eleições deste ano.

Embora o HC tenha sido rejeitado pelo Supremo, a defesa do petista ainda pode apresentar um último recurso do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4) — os embargos de declaração, que não costumam ser aceitos. O recurso pode ser apresentado até 9 de abril, daqui a quatro dias. Até lá, a prisão não deve ser decretada porque o processo ainda corre na segunda instância. Os recursos no (TRF-4) se esgotam no dia 11, quando o juiz Sérgio Moro poderá mandar Lula para a cadeia. Ele foi condenado a 12 anos e um mês de detenção no caso do triplex do Guarujá (SP). Assim, o ex-presidente se torna ficha-suja e fica inelegível.

Validando o atual entendimento do STF, de que os réus condenados em segunda instância podem ser presos, os ministros Cármen Lúcia, Rosa Weber, Alexandre de Moraes, Luís Roberto Barroso, Edson Fachin e Luiz Fux determinaram a rejeição do habeas corpus impetrado pelos advogados de Lula. Em sessão tensa e repleta de alfinetadas, a ministra Cármen Lúcia, presidente do tribunal, se envolveu mais de três vezes nas discussões dos colegas, que, a todo momento, interrompiam os votos uns dos outros. Marco Aurélio Mello recebeu a resposta mais ríspida da presidente, após desmerecer o voto de Rosa Weber —  longo, rebuscado e, para alguns ministros, indeciso.

A sessão plenária durou mais tempo do que se costuma ver em outros julgamentos — mais de 10 horas. Gilmar Mendes passou na frente de Alexandre de Moraes e votou rapidamente, pois tinha passagem comprada para Portugal. O ministro chegou de lá na manhã de ontem, mas voltou à noite. Tinha uma palestra no curso de Direito que ministra na capital, Lisboa. Em resposta às manifestações que o tem citado, declarou que “os petistas aprenderam a atacar as pessoas na oficina do diabo”. Enquanto ele falava, Marco Aurélio interrompeu. Mas perdeu a palavra para Cármen Lúcia, que falou mais alto.

Rosa Weber declarou-se contrária ao HC de Lula. O país, incluindo seus colegas de plenário, parou para acompanhar o voto que foi decisivo para o resultado. “Passei a adotar a orientação hoje prevalecente, com o princípio da colegialidade. Acompanhando o entendimento deste tribunal, retirado meu ponto de vista, sabendo que esta é a decisão do colegiado.” A ministra é considerada austera e muito discreta, por isso o seu posicionamento era uma incógnita. Embora tenha sido contrária à prisão após decisão em segunda instância quando o assunto foi discutido, em 2016, ela só não seguiu a norma da Corte em um dos 58 habeas corpus que julgou desde então.

Dias Toffoli votou a favor do HC que pedia a liberdade de Lula. Além dele, evitaram a rejeição do habeas corpus os ministros Gilmar Mendes, Ricardo Lewandowski, Celso de Mello e Marco Aurélio Mello. A última tentativa da defesa para impedir a prisão de Lula foi o pedido de José Roberto Batochio, advogado do petista, para que a prisão do condenado seja sobrestada. Ou seja: não ocorra até a votação das Ações Declaratórias de Constitucionalidade (ADCs) sobre a prisão em segunda instância. Estas, ainda sem data para ocorrer.

A prisão

Não existem mais recursos que possam garantir a liberdade do ex-presidente, exceto problemas de saúde. O professor João Paulo Martinelli, especialista em direito penal do Instituto de Direito Público de São Paulo (IDP-SP), afirma que a prisão pode ocorrer imediatamente após encerramento da ação na Suprema Corte. “O trânsito em julgado no TRF-4 termina com a análise deste último embargo. O Supremo pode rejeitá-lo até sem analisar o pedido, ou seja, sem avaliar o mérito. Se não for reconhecido, o tribunal regional publica a decisão informando que não cabem mais recurso e que a prisão pode ser determinada de forma imediata. A publicação é eletrônica. Assim, a comunicação oficial se torna mais rápida”, afirmou.

O caso envolvendo Lula levanta, ainda, uma série de questões sobre o local da prisão. É possível que a defesa solicite cela especial — como ocorrem com os presos provisórios. Apesar de não ter ensino superior, o petista tem diplomas de doutor honoris causa, o que pode servir como argumento para reclamar internação especial até o fim do processo. Inicialmente, a internação ocorreria no Complexo Médico Penal de Pinhais, em Curitiba. Isso pode ser alterado por conta do local de residência da família de Lula, que é São Paulo.

É a primeira vez que um ex-presidente da República é condenado à prisão. A lei atual não determina nenhum tipo de proteção durante o cumprimento da pena. No entanto, em outras situações, como a de políticos condenados na Lava-Jato, os detentos são mantidos em unidades mais seguras dentro dos centros de reclusão. Sendo assim, os advogados do petista podem pleitear que o cliente fique na carceragem da Polícia Federal até que o STJ avalie um recurso especial. Se alguma regra de segurança, de saúde ou as condições de alojamento forem violadas, é possível solicitar a prisão domiciliar, ou até progressão de regime, como ocorreu com o deputado cassado Paulo Maluf.

“Desde 2009, entendo possível a execução provisória da pena após confirmação da sentença condenatória em segunda instância. A medida não fere o princípio da presunção da inocência”
Cármen Lúcia, presidente do Supremo

“A decisão questionada pelo HC de Lula seguiu a atual jurisprudência do STF, em que se entende que a execução provisória da pena após confirmada condenação em segunda instância é válida. Sendo assim, não é cabível reputá-la de ilegal”
Edson Fachin

“Voto pela concessão do habeas corpus, neste caso, para que o réu fique em liberdade até que o caso seja avaliado pelo STJ. Acredito que ainda não se encontrou uma forma adequada para a ‘justeza’ desta questão”
Gilmar Mendes

“A decisão do STJ que questiona o HC foi baseada no entendimento do STF. O cumprimento da pena após condenação em colegiados de segundo grau resultou em efetivo combate à corrupção”
Alexandre de Moraes

“Impedir a prisão após condenação em segunda instância é um passo atrás muito largo. Este não é o país que gostaria de deixar aos filhos”, afirmando ser um “paraíso de homicidas, estupradores e corruptos”
Luís Roberto Barroso

“Passei a adotar a orientação hoje prevalecente, com o princípio da colegialidade. Acompanhando o entendimento deste tribunal, retirado meu ponto de vista, sabendo que esta é a decisão do colegiado”
Rosa Weber

“O respeito à sua própria jurisprudência é o dever do Judiciário. O princípio da presunção de inocência envolve uma regra relativa ao ônus da prova. Ultrapassado esse ônus, o princípio se exaure”
Luiz Fux

“A solução devida a ser aplicada ao caso é a possibilidade de a não execução ocorrer até a decisão do STJ. Assento que isso não impede a decretação de prisão por fundamento. Mas aí é uma prisão de caráter cautelar”
Dias Toffoli

“Esta Corte colocou o direito de liberdade em patamar inferior ao de propriedade. (…) A todos os colegas que me precederam digo que foi uma “embolaria” jurídica. A prisão é sempre uma exceção, a liberdade é a regra”
Ricardo Lewandowski

“Longe de mim o populismo judicial. Longe de mim a postura politicamente correta, a hipocrisia. Esta capa me atribui um dever maior, que é o dever de buscar, com todas as forças, a prevalência das leis da República”
Marco Aurélio Mello

“Este julgamento transcende a pessoa do ex-presidente Lula, pois o que se discute — a presunção de inocência do acusado — constitui uma garantia fundamental assegurada pela Constituição Federal aos cidadãos”
Celso de Mello