O globo, n. 30859, 01/02/2018. País, p. 3

 

Lulismo ainda sem dono

Silvia Amorim

01/02/2018

 

 

Sem Lula na eleição, herança de votos do petista seria dividida, diz pesquisa

SÃO PAULO — Confirmado o cenário mais provável, com o ex-presidente Lula impedido de concorrer pela Lei da Ficha Limpa, as candidaturas de Marina Silva (Rede) e de Ciro Gomes (PDT) à Presidência tendem a ser, hoje, as principais herdeiras de seu espólio eleitoral. Entretanto, na primeira pesquisa Datafolha feita após a condenação do petista em segunda instância no caso do tríplex, são os votos brancos e nulos que se destacam, levando 31% das intenções de voto do petista. Marina ficaria com 15% da fatia do eleitorado do ex-presidente, enquanto Ciro abocanharia 14%.

Mesmo condenado pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região por corrupção e lavagem de dinheiro, o petista se mantém na liderança em todos os cenários de primeiro e segundo turnos. Sem o ex-presidente, a disputa por uma vaga fica embolada. O deputado Jair Bolsonaro (PSC) surge isolado na liderança, enquanto outros quatro nomes duelam pela segunda colocação: Marina, Ciro, Geraldo Alckmin (PSDB) e Luciano Huck (sem partido).

Em sua melhor performance, Lula chega a 37% no primeiro turno, mesmo patamar da pesquisa anterior. Na pior, ele alcança 34%. No segundo turno, seu melhor resultado é 49%, num enfrentamento com Alckmin ou Bolsonaro.

Apesar da sentença de 12 anos e um mês, que torna Lula inelegível, o PT, em nota, afirmou que tirar o petista do processo eleitoral teria “consequências imprevisíveis". “Excluir Lula do processo eleitoral significaria cassar o direito de voto da grande maioria dos eleitores, o que lançaria o país numa crise política e institucional de consequências imprevisíveis, mas inevitavelmente trágicas”, disse o partido no comunicado.

A pesquisa Datafolha também perfilou os eleitores que pretendem votar em branco ou nulo na ausência de Lula. Entre eles, o perfil mais numeroso é daqueles que têm renda inferior a dois salários mínimos.

Apesar de liderar a corrida sem Lula, Bolsonaro parou de crescer. Ele oscilou negativamente em todos os quadros apresentados em comparação ao levantamento de novembro. O deputado federal não vence em nenhum dos cenários de segundo turno. A melhor projeção é um empate técnico com Alckmin, com vantagem para o tucano (33% a 35%). Bolsonaro, que pretende se lançar pelo PSL, acredita que a eventual saída de Lula não o desidrata.

— O PT não pode ficar sem um nome porque depende da existência de um candidato para eleger uma bancada federal — afirmou Bolsonaro, que receberia, segundo a pesquisa, 7% do espólio do petista. — Estou crescendo muito no Nordeste. Tem muita gente colocando outdoor na região — completou.

Alckmin obtém de 7% a 11% no primeiro turno. Mesmo assim, o governador de São Paulo disse que o índice não o preocupa.

— Essa é uma corrida de resistência. O voto não vai se decidir agora. Nossa tarefa é ir para o segundo turno, onde ganhamos de quase todos os candidatos — afirmou ontem o tucano.

Com Lula, Marina oscila entre 8% e 10% no primeiro turno. Sem ele, de 13% a 16%. Num segundo, perde de Lula e bate em Bolsonaro. A pré-candidata da Rede não quis comentar a pesquisa. No entanto, em sua conta no Twitter, divulgou uma peça típica de campanha, lembrando que não é investigada pela Lava-Jato.

Ciro registrou intenções de voto entre 6% e 13% dependendo da participação ou não do ex-presidente petista. Em recuperação de cirurgia, ele também não comentou a pesquisa. Já o presidente Michel Temer (PMDB) aparece com 1%, mesmo patamar obtido por nomes lembrados como possíveis presidenciáveis com apoio do Planalto como o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM) e o ministro da Fazenda, Henrique Meirelles (PSD).

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Plano B tucano nas entrelinhas

Flávio Freie

01/02/2018

 

 

Baixo desempenho de Alckmin no Datafolha movimenta PSDB, mesmo que pré-candidatura seja hoje a principal do partido

-SÃO PAULO- A despeito da consolidação, pelo PSDB, em torno do nome de Geraldo Alckmin como presidenciável do partido, mesmo os tucanos mais afinados à direção partidária não devem resistir à tentação de colocar em xeque a força política do governador paulista. Alckmin patina em 8% nas pesquisas para a Presidência. O baixo desempenho, no entanto, deve alvoroçar os que, discretamente, se engalfinham por um lugar ao sol no partido.

Enquanto a discussão gira em torno de um possível nome para substituir Lula, mesmo que sua debilidade jurídica se contraponha à musculatura eleitoral desenhada pelo Datafolha, tucanos evitam falar em plano B. Fica tudo nas entrelinhas. Fernando Henrique foi sutil em sua mais recente avaliação da performance do colega, mas deu o tom: “Se houver alguém com mais capacidade de juntar, que prove essa capacidade, temos que apoiar essa pessoa”. Depois, lembrou que Luciano Huck não desistiu da empreitada.

O cenário, evidentemente, não é mais o de 2006, quando o grupo de cardeais dava as cartas — hoje, tucanos aparecem enrolados na Lava-Jato. Numa noite de fevereiro daquele ano, Fernando Henrique, Aécio Neves, José Serra e Tasso Jeireissati deixaram Alckmin para trás e não o convidaram para um jantar em que a disputa interna no PSDB para a sucessão de Lula ganhava força.

No partido, não parece haver nome com força para tirar o governador do xadrez eleitoral. Mas não deve faltar quem conspire contra um pré-candidato sem a popularidade de Bolsonaro, Marina ou Ciro, embora o tucano diga estar num patamar com chances de recuperação.

Vale lembrar que, lá atrás, os números da eleição de 2006 mostraram um cenário inédito. Geraldo Alckmin fechou o primeiro turno de 2006 com 39,9 milhões e encerrou a etapa final com cerca de 2 milhões de votos a menos. Diante dos resultados do Datafolha, os tais correligionários que querem um um lugar ao sol devem questionar: “Onde está o recall?”.