O globo, n.30860 , 02/02/2018. PAÍS, p.3

RECADO AOS POLÍTICOS

ANDRÉ SOUZA

KARLA GAMBA

CAROLINA BRÍGIDO

LETÍCIA FERNANDES

 

 

Presidente do STF condena maus exemplos no ano em que tribunal julgará temas polêmicos

Em um ano no qual a pauta do Supremo Tribunal Federal está recheada de temas de forte impacto político, inclusive nas eleições presidenciais de outubro, a presidente da Corte, ministra Cármen Lúcia, abriu seu primeiro discurso de 2018 em defesa da Justiça. A ministra não endereçou a mensagem a nenhum interlocutor específico, mas sua fala foi interpretada como uma resposta ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, ao PT e a outros investigados da Operação Lava-Jato que contestam e atacam órgãos da Justiça.

— Pode-se ser favorável ou desfavorável a decisão judicial pela qual se aplica o Direito. Podese buscar reformar a decisão judicial pelos meios legais e pelos juízos competentes. O que é inadmissível e inaceitável é desacatar a Justiça, agravá-la ou agredi-la — afirmou Cármen.

Durante o julgamento de Lula pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4), ele e seus aliados fizeram duros ataques ao tribunal. O senador Lindbergh Farias (PT) chegou a pregar a “desobediência civil”, quando tratou da sentença de 12 anos e um mês de prisão que condenou Lula. No discurso, Cármen Lúcia citou declarações de Rui Barbosa no século XIX, quando disse que “a lei é a divisória entre a moral pública e a barbárie”, e acrescentou:

— Se não houver um juiz a proteger a lei para os nossos adversos, não haverá um juiz para nos proteger no que acreditamos ser o nosso direito. Justiça individual, fora do Direito, não é justiça, senão vingança ou ato de força pessoal.

Na cerimônia, havia investigados na Operação Lava-Jato, como o presidente da República, Michel Temer (PMDB), o presidente do Senado, Eunício Oliveira (PMDB-CE) e o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ). Todos respondem a inquéritos no Supremo. E Cármen destacou a importância do exemplo:

— A nós, servidores públicos, o acatamento irrestrito à lei impõe-se como dever acima de qualquer outro. Constitui mau exemplo o descumprimento da lei, e o mau exemplo contamina e compromete. A civilização constrói-se com respeito às pessoas que pensam igual ou diferente. Civilização constrói-se com respeito às leis vigentes que asseguram a liberdade e a igualdade.

 

PAUTAS DECISIVAS EM DEBATE

Enquanto o Congresso já inicia uma mobilização pelas eleições de outubro e o governo está engessado com a pauta da reforma da Previdência, o STF vai mobilizar a opinião pública este ano com uma longa lista de julgamentos polêmicos que estão pendentes. Vários deles podem influenciar decisivamente o ano em que será realizada a eleição mais imprevisível dos últimos tempos.

A prisão após condenação em segunda instância, ações penais envolvendo o candidato a presidente Jair Bolsonaro (PSC-RJ), restrição do foro privilegiado, e a possibilidade de a polícia fazer delação são alguns dos temas que poderão ser apreciados pela Corte.

Ontem, o ministro Luiz Fux, do STF, disse que a Primeira Turma da corte deve julgar nos próximos meses os dois processos contra Bolsonaro por apologia ao crime e injúria. As duas investigações foram abertas a partir de uma entrevista em que o parlamentar disse, em 2014, que a deputada Maria do Rosário (PT-RS) não merecia ser estuprada, porque era “muito feia”. Mesmo se for considerado culpado, Bolsonaro não deve ficar inelegível, porque a Lei da Ficha Limpa não impede que alguém condenado por crime contra a honra seja candidato.

— O ideal é julgar junto, os fatos são os mesmos. Acho que (julgamos) nos próximos seis meses — disse Fux, que é o relator das ações.

Entre as questões ainda pendentes no Supremo também estão a nomeação de Cristiane Brasil no Ministério do Trabalho e o julgamento das ações que liberaram o pagamento do auxíliomoradia a juízes de todo o país.

Ontem, Temer preferiu não discursar na cerimônia. Depois, disse a aliados ter se arrependido da atitude. A fala do presidente estava prevista, mas ele desistiu depois que os presidentes da Câmara e do Senado decidiram não falar. Temer lamentou não ter feito uma defesa da separação e equilíbrio entre os Poderes, no momento em que está suspensa a posse de Cristiane Brasil no Ministério do Trabalho, por decisão justamente da presidente do STF.

O ministro Eliseu Padilha, da Casa Civil, afirmou ontem que a posse de Cristiane Brasil caminha para uma definição mais política que jurídica. Padilha disse que a questão é “mais profunda” que o caso específico, e que o governo quer “ter uma marca sobre essa questão da competência exclusiva do presidente da República”.

— O que o governo pretende é que o Judiciário, e em sua última instância o Supremo Tribunal Federal, defina o que é passível de intervenção do poder Judiciário ou não. Porque o ato político da escolha é definido na Constituição como de absoluta competência do presidente da República — afirmou Padilha.

 

RECURSO DE LULA DEVE CHEGAR À CORTE

O caso de Lula é outro que ainda deverá ser tratado no STF. Por enquanto, o recurso da defesa do ex-presidente contra uma eventual prisão ainda está no Superior Tribunal de Justiça (STJ), uma instância abaixo do STF. Mas, se o STJ negar em definitivo as apelações dos advogados de Lula, eles deverão recorrer ao STF.

Ainda no campo do Direito Penal, o plenário do STF poderá julgar uma ação da procuradorageral da República, Raquel Dodge, que levou à suspensão do decreto do indulto de Natal, editado por Temer no fim do ano passado. O indulto criou regras mais brandas para a extinção da pena. Dodge entendeu que a norma era benéfica, por exemplo, a condenados por corrupção.

Em decisão liminar, Cármen Lúcia suspendeu a validade do decreto em dezembro, durante o recesso da Corte. Ontem, o relator, ministro Luís Roberto Barroso, confirmou essa decisão, também em caráter provisório. Ele disse “vislumbrar à primeira vista” violações a alguns princípios constitucionais: o da separação dos poderes, o da efetividade mínima do Direito Penal e o da moralidade administrativa. E liberou o caso para julgamento no plenário. A definição da data é uma atribuição da presidente da Corte.

“Diante do exposto, tendo em vista a urgência da matéria e a tensão que a suspensão do indulto gera sobre o sistema penitenciário, sobretudo para os que poderiam ser beneficiados, peço desde logo a inclusão do feito em pauta para referendo da cautelar e, em havendo concordância do Plenário, para julgamento do mérito”, decidiu Barroso.

O Supremo também precisa retomar alguns julgamentos que foram interrompidos no ano passado, como as regras da participação da polícia em acordos de delação e a restrição do foro privilegiado exclusivamente a crimes relacionados ao exercício do cargo.

 

JULGAMENTOS DE IMPACTO

 

PRISÃO APÓS SEGUNDA INSTÂNCIA

Em 2016, o STF decidiu, por 6 a 5, que a execução da pena poderia ser feita após decisão de segunda instância. O entendimento, porém, não vem sendo aplicado por todos os ministros, e há um desejo de que o tema volte ao debate. Cármen Lúcia já disse que não quer pautá-lo logo.

 

LULA

O recurso da defesa do ex-presidente contra eventual prisão ainda está no STJ. Se o STJ negar em definitivo, os advogados podem recorrer ao STF.

 

FORO PRIVILEGIADO

Já há maioria no STF para restringir o foro privilegiado apenas a crimes relacionados ao exercício do cargo, mas o julgamento não foi concluído.

 

CRISTIANE BRASIL

Cármen Lúcia suspendeu liminarmente a posse de Cristiane Brasil como ministra do Trabalho, mas caso ainda não foi julgado em definitivo.

 

INDULTO DE NATAL

Cármen Lúcia suspendeu indulto natalino concedido pelo presidente Michel Temer, que permite extinguir penas de parte dos condenados. A suspensão foi confirmada por Luís Roberto Barroso, mas decisão final será do plenário.

 

AUXÍLIO MORADIA

Ações que liberam o pagamento do benefício — e na prática inflam os salários de juízes — já foram liberados para julgamento no plenário do STF.

 

JAIR BOLSONARO

Luiz Fux disse que a Primeira Turma da Corte deve julgar nos próximos meses os dois processos contra o deputado por apologia ao crime e injúria.

 

DELAÇÕES DA POLÍCIA

STF precisa terminar julgamento de ação que definirá se a polícia pode fechar acordos de delação.