O globo, n. 30916, 30/03/2018. País, p. 3

 

Cerco ao núcleo de Temer

Aguirre Talento, Bela Megale, Mateus Coutinho e Vinicius Sassine

30/03/2018

 

 

Operação atinge aliados mais próximos ao presidente; PF viu risco de ‘destruição de provas’

-BRASÍLIA- Em mais uma ofensiva da Lava-Jato contra o presidente Michel Temer (PMDB), a Polícia Federal prendeu ontem seu núcleo de aliados mais próximos, sob suspeita de serem intermediários do recebimento de propina para o peemedebista por irregularidades no setor portuário. A Operação Skala atinge em cheio as pretensões de Temer de ser candidato à reeleição e ainda abre a possibilidade de uma terceira denúncia contra o presidente em pleno ano eleitoral. Foram alvos de mandados de prisão temporária o advogado José Yunes, amigo e exassessor de Temer no Palácio do Planalto, o coronel João Baptista Lima, amigo de longa data do peemedebista, o ex-ministro da Agricultura Wagner Rossi e empresários com atuação no porto de Santos, tradicional reduto de influência política do presidente.

A PF havia solicitado a condução coercitiva dos alvos, mas a procuradora-geral da República Raquel Dodge entendeu que era caso de prisão temporária, já que as coercitivas estão suspensas por entendimento do ministro do Supremo Tribunal Federal Gilmar Mendes. Após o pedido de Raquel Dodge, feito na segunda-feira, o ministro do Supremo Tribunal Federal Luís Roberto Barroso decidiu no dia seguinte e expediu 13 mandados de prisão temporária e 20 de busca e apreensão. As prisões têm prazo de cinco dias, prorrogáveis por mais cinco. A PF cumpriu a operação em tempo recorde, sob a justificativa de “risco concreto de destruição de provas”.

A decisão de Raquel Dodge de adotar medidas mais drásticas do que as solicitadas pela PF se ancorou não apenas na impossibilidade da condução coercitiva. Outro fator levado em conta foi a existência de elementos e provas que justificaram as prisões, um indicativo do avanço das investigações e da possibilidade de uma terceira denúncia contra Temer.

RODRIMAR E GRUPO LIBRA ENTRE OS ALVOS

Foram presos ainda o dono da Rodrimar, Antonio Celso Grecco, e uma das donas do grupo Libra, Celina Borges Torrealba. Os investigadores suspeitam que um decreto presidencial assinado por Temer em maio do ano passado, que aumentou o prazo das concessões de áreas portuárias, possa ter favorecido indevidamente essas empresas.

A investigação teve origem na delação premiada dos donos da JBS, no ano passado. Por meio de interceptações telefônicas realizadas naquela época, a PF flagrou conversas de um ex-assessor presidencial, Rodrigo da Rocha Loures, com um executivo da Rodrimar, Ricardo Mesquita, nas quais eles discutiam detalhes do decreto, que ainda seria publicado pelo presidente. Em um dos grampos, Loures chega a telefonar para Temer perguntando sobre o decreto.

A novidade da Operação Skala é trazer o grupo Libra para o centro das investigações. Embora o inquérito estivesse focado na Rodrimar, é o outro grupo que tem relações mais próximas com o PMDB, como doações para o partido em 2014. Celina Torrealba e Gonçalo Torrealba doaram, cada um, R$ 250 mil para o PMDB do Rio de Janeiro naquele ano. Já Ana Carolina Torrealba e Rodrigo Torrealba fizeram, cada um, repasses de R$ 500 mil para o diretório nacional do partido, à época comandado por Michel Temer. Os quatro foram alvos de mandados de prisão temporária, mas apenas Celina estava no Brasil.

A PF ampliou o objeto das investigações para apurar outras suspeitas de irregularidades envolvendo Temer e o setor portuário. Por isso, a operação usou também informações de um inquérito antigo contra Temer, arquivado em 2011.

CORONEL LIMA TEVE PRESSÃO ALTA

Os alvos presos prestaram depoimento à PF ainda durante o dia de ontem, com exceção do coronel Lima. Acometido por problemas de saúde, ele teve um pico de pressão alta no momento da detenção e passou o dia no Hospital Albert Einstein, em São Paulo. À noite, recebeu alta e foi encaminhado para a carceragem da PF.

O presidente Michel Temer, que participou da inauguração de um aeroporto em Vitória, não comentou a prisão de seus amigos. Ele se limitou a dizer que estar na Presidência “é um trabalho dificílimo” e que “fica sujeito a bombardeios a todo momento”. A defesa do coronel Lima disse que ele refuta “com veemência” as acusações. “A defesa afirma que o estado de saúde do senhor Lima é muito delicado e que o seu quadro médico tem sido periodicamente informado às autoridades”, afirmam os advogados Cristiano Benzota e Mauricio Leite.

A defesa de Yunes afirmou que a prisão do advogado é “inaceitável” e que seu cliente compareceu espontaneamente para depor nas investigações. “Essa prisão ilegal é uma violência contra José Yunes e contra a cidadania”, diz a nota. Já a defesa do ex-ministro Wagner Rossi disse que “são abusivas as medidas tomadas” e que Rossi “está seguro de que provará sua inocência”. A Rodrimar afirmou, em nota, que nunca pagou propina a agente político e que não foi favorecida pelo decreto. O Grupo Libra disse que está prestando esclarecimentos à Justiça.