Correio braziliense, n. 20041, 04/04/2018. Política, p. 4

 

O passo eleitoral de Meirelles

Rodolfo Costa

04/04/2018

 

 

Mesmo sem ter a garantia de ser cabeça da chapa governista ao Planalto, o ministro da Fazenda se filia ao MDB, de Michel Temer

O MDB deu mais um passo para o lançamento da candidatura governista. Em cerimônia realizada na Fundação Ulysses Guimarães, onde foi elaborado o plano de governo “Uma Ponte para o Futuro”, em 2015, o ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, assinou os termos de filiação ao partido. O gesto é uma importante sinalização no processo eleitoral. Mesmo sem garantias de que será o cabeça da chapa do governo, o embarque do principal nome da equipe econômica na legenda dá a largada para o Palácio do Planalto manter a base ancorada e evitar uma divisão de aliados do centrão.

Desde que o DEM lançou a pré-candidatura do presidente da Câmara, Rodrigo Maia (RJ), o partido começou a articular o apoio de legendas que, atualmente, compõem a base governista, como PP, PRB, PSC e PR. Agora, com Meirelles, o governo espera conseguir emplacar um palanque eleitoral seguro e atrair lideranças do centrão. A ideia é que, caso o presidente Michel Temer não possa (ou abra mão de) disputar a reeleição, o Palácio do Planalto continuaria tendo um nome forte para unir o centrão e manter o legado da atual gestão.

A avaliação é de que, aos poucos, a retórica do governo atingirá os aliados. Ontem, por exemplo, o líder do PR na Câmara, José Rocha (BA), marcou presença na filiação de Meirelles. Para o deputado Beto Mansur (SP), vice-líder do governo na Câmara, que também se filiou na mesma cerimônia ao MDB, é um sinal de prestígio. “Na medida em que começa a ter nomes fortes se definindo, uma série de candidaturas podem ter tendência de afunilamento de olho em uma outra mais forte”, ponderou.

O MDB, no entanto, não vai definir tão cedo quem será o cabeça da chapa. A decisão será tomada somente após análises de resultados de pesquisas qualitativas entre Temer e Meirelles. Em virtude disso, o ministro da Fazenda foi comedido em sustentar qualquer posicionamento sobre quem será o candidato a presidente pelo partido. “Vamos aguardar. É um pouco cedo dentro do processo eleitoral deste ano. O país está em retomada de crescimento, mas a sensação de bem-estar social ainda não está totalmente estabelecida na sociedade”, disse.

A expectativa do governo é que, na medida em que os brasileiros assimilem a desaceleração da inflação, a queda dos juros e um aumento da geração de empregos formais, a rejeição popular vai cair. Esse é o caminho a que o Planalto ficará atento para definir o candidato, afirma Meirelles.

Convites
Embora a definição não esteja tomada, Meirelles deu sinais dos próximos passos a tomar até que o MDB bata o martelo. Disse que recebeu muitos convites para participar de palestras e eventos e avalia que será uma “oportunidade excelente” de percorrer o país e mostrar “o que foi feito e ainda continua sendo feito” no Brasil. Afirmou ainda que não teria problemas em “gastar a sola do sapato”. “Quando fui candidato em 2002 (a deputado federal), percorri quase todas as cidades de Goiás. Percorri mais de 200 municípios e gostei muito. Achei que foi uma experiência extraordinária de contato e troca de experiências com a população”, disse.

Mesmo sem garantias de que será o candidato do MDB, após deixar a Fazenda, Meirelles não se mostra preocupado. Temer, por sinal, disse, em discurso, que o ministro “não faz nada sem calcular”. O presidente não deu muitos sinais dos próximos passos do partido no processo eleitoral e focou em enaltecer a gestão do ministro. “O Meirelles fez uma coisa muito boa para o país e ótima para o partido”, declarou.

Maratona de inaugurações

Em três dias, seis estações de metrô começarão a funcionar na cidade de São Paulo. O ritmo intenso de inaugurações acompanha a última semana de atividades de Geraldo Alckmin (PSDB) como governador. Ele deixa o cargo na sexta-feira para concorrer à Presidência da República. A agenda de inaugurações começa hoje, às 9h, nos Jardins, com a Estação Oscar Freire, da Linha 4-Amarela. Em 2007, o governo previa a abertura para 2012. Amanhã será a vez da Zona Sul, quando a Estação Moema começar a integrar o sistema da Linha 5-Lilás, que teve outras quatro estações inauguradas desde setembro (Borba Gato, Brooklin, Alto da Boa Vista e Eucaliptos). A conclusão de toda a linha estava prevista para 2012. Em 2014, o prazo foi para 2016. A maratona de inaugurações termina na Zona Leste com o início da operação de quatro estações da Linha 15-Prata do Monotrilho: São Lucas, Camilo Haddad, Vila Tolstói e Vila União.

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STF: breve história de uma anomalia jurídica

Marco Antonio Villa

04/04/2018

 

 

A história do Supremo Tribunal Federal, criado pela República, em 1890, foi sempre marcada pela subserviência ao Poder Executivo. O marechal Floriano Peixoto (1891-1894) chegou a nomear para o STF dois generais e um médico — que, forçoso reconhecer, não desempenharam mal suas atribuições. Floriano chegou a ameaçar o Supremo quando este ia votar uma solicitação de habeas corpus dizendo que, se fosse concedido, não saberia quem concederia o mesmo benefício aos ministros. Claro que o habeas corpus foi negado.

Durante a República Velha (1889-1930), vários governadores foram depostos, as eleições foram maculadas pela fraude, jornais foram censurados e proibidos, opositores foram presos, torturados, fuzilados, mas o Supremo silenciou. Os valores republicanos e a defesa das liberdades foram ignorados. Quando o Centro Monarquista de São Paulo, em 1897, no auge da Guerra contra Canudos, solicitou um habeas corpus, o STF negou. Ou seja, o direito de reunião e de manifestação foi desconsiderado. O Centro não tinha importância política e nem punha em risco as instituições, mas foi proibido de continuar funcionando. Estrangeiros foram expulsos — e o STF silenciou. Opositores foram desterrados para a Amazônia — e o STF também silenciou.

O advogado e brilhante jornalista Paulo Duarte, no terceiro volume das suas memórias Selva oscura, relata um caso, que é exemplar, do uso político do STF pelo Executivo. Em 1924, ocorreu a segunda revolução tenentista. O centro foi a cidade de São Paulo. Derrotados, centenas de rebeldes se retiraram para o interior, até encontrar-se com os revoltosos que vinham do sul, formando a Coluna Prestes (1924-1927). Outros acabaram presos. Um deles foi o general João Francisco. Este foi detido com seu filho de 17 anos. Duarte requereu habeas corpus para o menor, pois a prisão era flagrantemente ilegal. Na tensa discussão no plenário do Supremo, o ministro Bento de Faria, recém-nomeado pelo presidente Artur Bernardes, em resposta à afirmação de que aquele fato era contra a lei, disse: “Mas a lei já tem sido desobedecida numerosas vezes aqui, pode ser esquecida mais uma vez.” Desnecessário dizer que o STF negou o pedido.

Quando em 1935, após a rebelião comunista, foram suspensas as garantias constitucionais, o STF secundou as determinações do Executivo. Durante todo o Estado Novo (1937-1945), aquela Corte fechou os olhos às violações dos direitos humanos. Nem sequer um ministro fez um protesto, ainda que tímido. Continuaram a modorrenta rotina legal, mantiveram o formalismo e ignoraram o Brasil real.

Nos anos de chumbo, depois do AI-5 (1968), o STF foi um fiel seguidor da ditadura, obediente aos ditames dos generais-presidentes. Quando Costa e Silva aposentou compulsoriamente três ministros (Víctor Nunes Leal — este foi, posteriormente, “homenageado” dando nome à biblioteca do Supremo: haja hipocrisia —, Hermes Lima e Evandro Lins e Silva), logo em seguida dois presidentes da Casa solicitaram aposentadoria (Antônio Gonçalves de Oliveira e Antônio Carlos Lafayete de Andrada). Contudo, os outros ministros (naquele momento o Supremo tinha 16 componentes) mantiveram-se calados. Estranhamente, o ministro Celso de Mello ao escrever Algumas notas informativas (e curiosas) sobre o Supremo Tribunal, omitiu este fato histórico. Estranho? Nem tanto.

A redemocratização não chegou ao Supremo, infelizmente. Tudo continuou como dantes. Quem não se lembra dos escândalos de corrupção dos últimos 30 anos e da ausência de punição por parte do Supremo? O dr. Pangloss, célebre personagem de Voltaire, poderia recordar as condenações da Ação Penal 470, o processo do mensalão. Foram 25 sentenciados — eram 38 réus. Mas as penas severas ficaram reservadas aos membros dos núcleos publicitário e financeiro. O núcleo político foi agraciado com sentenças leves. E quando condenados a penas que a elite da maligna Praça dos Três Poderes considerou excessiva, fez-se novo julgamento, como no caso do criminoso José Dirceu, que conseguiu, numa manobra imoral, ser inocentado do crime de formação de quadrilha. Ou seja, o mensalão era uma organização criminosa sem chefe, era anarquista, criação do “egrégio” STF.

A indicação dos ministros, como sabemos, tem de passar pela aprovação do Senado. Porém, excetuando alguns nomes que foram rejeitados no governo Floriano Peixoto, todos os outros foram aprovados. As sabatinas obrigatórias tratam de assuntos secundários e o indicado já é aceito, isto antes de sequer ser inquirido. Não passam de mera formalidade. Algumas delas foram patéticas, como a de Rosa Weber. O STF é uma anomalia jurídica: caro — mais de meio bilhão de reais por ano —, lento, corporativo, classista, formalista e injusto. É fundamental para o futuro da democracia brasileira que o STF seja repensado. E o Judiciário deixe de ser, como escreveu João Mangabeira, o poder que mais falhou na República.