O globo, n. 30928, 11/04/2018. Economia, p. 23

 

Caminho mais difícil

Manoel Ventura, Bárbara Nascimento e Ramona Ordoñez

11/04/2018

 

 

Para presidente da Câmara, nomeação de Moreira Franco atrapalha privatização da Eletrobras

-BRASÍLIA, RIO E SÃO PAULO- O projeto do governo para privatizar a Eletrobras deve ter o andamento prejudicado na Câmara com a ida de Moreira Franco para o Ministério de Minas e Energia. Em reunião com aliados ontem, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), afirmou que o governo escolheu para a pasta um nome que “não tem boa articulação” no Congresso. As considerações de Maia, que foram levadas ao ministro da Secretaria de Governo, Carlos Marun, se somaram ao mau humor do mercado com as mudanças na pasta, cuja área técnica sofreu uma debandada desde que Moreira foi anunciado como novo titular.

— Sou a favor e vou trabalhar a favor (da privatização). Disse apenas que o novo ministro não tem boa articulação aqui. Eu continuo, quase que solitário, trabalhando a favor do projeto da Eletrobras. Disse (ao Marun) que o governo tinha colocado um ministro com pouco trânsito na casa para pautar — afirmou Rodrigo Maia ao GLOBO.

O mercado também recebeu mal a notícia da ida de Moreira para Minas e Energia e, principalmente, as mudanças na equipe técnica do ministério. O secretário-executivo, Paulo Pedrosa, renunciou na semana passada, e o presidente da Empresa de Pesquisa Energética (EPE), Luiz Augusto Barroso, na segunda-feira. Junto a eles, saem assessores técnicos que integravam suas equipes — tidas como referências por executivos e analistas do setor. O presidente da Eletrobras, Wilson Ferreira Júnior, foi confirmado no cargo.

A nomeação de Moreira foi interpretada como uma forma de o presidente Michel Temer manter o foro privilegiado de um de seus principais auxiliares, que é investigado na Operação Lava-Jato. Em uma tentativa de acalmar os investidores e sinalizar continuidade na política do ministério, Moreira decidiu promover o engenheiro Márcio Félix ao cargo de secretário-executivo, número dois e posto-chave na pasta. Antes secretário de Petróleo e Gás, ele foi o articulador da retomada dos leilões do setor e disse que a prioridade do ministério será a privatização da Eletrobras.

 

‘ESPERO QUE PRESIDENTE DA CÂMARA ME AJUDE’

As mudanças em Minas e Energia ocorreram após a saída de Fernando Coelho Filho, que disputará as eleições em Pernambuco. Ele é próximo ao presidente da Câmara e se filiou ao DEM na semana passada. Por isso, a avaliação de um dos presentes na reunião de líderes ontem é que não há disposição neste momento, por parte de Maia, para tocar o projeto de privatização. Ao GLOBO, Maia disse que não deixará de pautar, mas criticou a articulação política:

— Não deixarei (de pautar), mas a articulação está ruim.

Ontem, as ações ordinárias da Eletrobras voltaram a subir e fecharam em alta de 3,59%. Mas, desde sexta-feira, ainda acumulam queda de 14,89% com a expectativa de mudança no comando da pasta e sua confirmação. Segundo Raphael Figueredo, analista da Eleven Financial, os investidores esperavam algum avanço na privatização. Como isso não ocorreu, a expectativa do analista é que os papéis voltem a cair. Ontem, a Bolsa encerrou em alta de 1,44% com melhora no cenário interno, e o dólar recuou 0,23%, fechando em R$ 3,413.

O presidente da Câmara não compareceu ontem à posse, no Palácio do Planalto, de Moreira e outros nove ministros. Maia é casado com a enteada de Moreira, mas ambos têm tido rusgas. A privatização da Eletrobras é um dos principais projetos do governo federal para este ano. O Executivo conta com uma arrecadação de pelo menos R$ 12,2 bilhões decorrentes da operação.

Procurado, Moreira disse esperar a contribuição de Maia para aprovar a privatização:

— Eu espero que o presidente da Câmara me ajude, já que ele avalia como muito limitado o meu trânsito. Com isso, vamos juntos fazer com que o projeto de capitalização da Eletrobras, que é tão importante para o Brasil, seja aprovado.

Instalada há quase um mês, a comissão especial que analisa o projeto não avança. Até agora, foram realizadas quatro reuniões, todas marcadas pela resistência de deputados da oposição. Outras três agendadas foram canceladas. Nem sequer o plano de trabalho foi aprovado até agora.

 

RELATOR COBRA APOIO DOS GOVERNISTAS

Para a reunião de ontem também estava prevista a votação de requerimentos, primeiro passo para o início efetivo dos trabalhos, mas nenhum deles foi votado. O relator do projeto de privatização, deputado José Carlos Aleluia (DEM-BA), já avisou que pretende pedir urgência para a proposta, para levar a discussão diretamente ao plenário da Câmara. Para aprová-la, o governo precisa de maioria simples. O relator reclama da baixa presença de deputados governistas na comissão, enquanto a oposição obstrui os trabalhos.

— O debate está morrendo e não é por culpa da oposição. A base do governo está acomodada e não veio debater a matéria — afirmou.

Ontem, Moreira se encontrou com o presidente da Eletrobras, Wilson Ferreira Júnior, para confirmar sua continuidade à frente da estatal e discutir a privatização da empresa. Segundo Ferreira, Moreira disse que pretende intensificar a articulação com o Congresso para aprovar no primeiro semestre o projeto que autoriza a venda do controle da empresa.

Ferreira disse que Moreira também quer promover um alinhamento entre o BNDES e a Eletrobras para acelerar a contratação de serviços para preparar a estatal para desestatização, como a separação de Eletronuclear e Itaipu, as melhorias no estatuto da empresa, entre outros. Ferreira vai continuar a comandar não só a privatização da estatal, mas também a das seis subsidiárias distribuidoras de energia no Norte e no Nordeste e a venda da participações acionárias em várias outras empresas.

Com as dificuldades apontadas na privatização, Maia já decidiu quais pautas econômicas terão prioridade na Câmara. Ele abraçou, principalmente, os projetos encabeçados pelo Banco Central, como a ampliação da autonomia do BC, da criação de depósitos voluntários e do registro da duplicata eletrônica. O discurso de Maia é apoiar projetos que melhorem o ambiente econômico. Pautas de cunho fiscal, como a reoneração da folha de pagamentos, ficam prejudicadas.

Por enquanto, dois itens estão na linha de frente das negociações. Ontem, ficou acertada a votação do projeto que amplia o cadastro positivo. A autonomia do Banco Central precisa ainda de maior negociação. Também está na lista de projetos que devem andar na Câmara o que muda a relação entre Tesouro Nacional e Banco Central, alterando a forma como os lucros auferidos em operações cambiais são contabilizados pelo Tesouro.