O globo, n. 30937, 20/04/2018. Economia, p. 17

 

Refinarias na vitrine

Reamona Ordoñez e Bruno Rosa

20/04/2018

 

 

Petrobras vai vender controle de quatro unidades de refino, estimadas em até US$ 10,7 bi

A Petrobras anunciou ontem um plano de venda do controle de quatro de suas 13 refinarias, divididas em dois blocos: duas no Nordeste e duas no Sul. Juntas, as quatro unidades representam 37% da capacidade de refino no país. O projeto foi apresentado ontem ao mercado pelo presidente da estatal, Pedro Parente, em evento na Fundação Getulio Vargas (FGV). O modelo prevê, em um dos blocos, a venda de 60% do capital das refinarias Landulpho Alves (Rlam), na Bahia, e Abreu e Lima (Rnest), em Pernambuco. No outro pacote, a empresa pretende se desfazer também de 60% da Refinaria Alberto Pasqualini (Refap), no Rio Grande do Sul, e da Presidente Getúlio Vargas (Repar), no Paraná. Em ambos os casos, a venda inclui terminais e dutos. De acordo com um relatório do banco UBS enviado a clientes ontem, ao qual o GLOBO teve acesso, a estatal pode arrecadar entre US$ 8,9 bilhões e US$ 10,7 bilhões com a transação.

Além das unidades de refino, a venda vai incluir toda a infraestrutura logística das unidades para o escoamento dos combustíveis, como 12 terminais e 24 dutos. Com a venda de 60% dessas quatro unidades, a participação da estatal no mercado nacional de refino cairá de 99% para cerca de 75%.

A expectativa da Petrobras é que o negócio só seja concluído no ano que vem. Parente explicou ontem que o modelo de venda ainda deverá ser aprovado pela diretoria executiva e pelo Conselho de Administração, dentro de duas a três semanas. Diferentemente da venda de outros ativos, a companhia optou, neste caso, por apresentar o modelo ao mercado com antecedência. Isso porque o negócio representa a saída da estatal de um setor tido como estratégico para o país, no qual tem hoje 99% de participação de mercado, observaram fontes. Estiveram presentes na apresentação o diretor-geral da Agência Nacional do Petróleo (ANP), Décio Oddone, e o secretário executivo do Ministério de Minas e Energia (MME), Márcio Felix, além de executivos do setor.

CHINESAS E EUROPEIAS TÊM INTERESSE

A venda das refinarias pode ajudar a companhia a alcançar sua meta de venda de ativos, de US$ 21 bilhões, até o fim deste ano. Em 2017, a Petrobras arrecadou apenas US$ 4,5 bilhões com alienações, mas decidiu manter a meta em US$ 21 bilhões incorporando outros itens à lista. Segundo analistas, a venda das refinarias é positiva, mas eles destacam que a companhia poderia ter sido mais ousada para aumentar o interesse de investidores. Uma das opções seria vender 100% das unidades e incluir ativos do Sudeste, onde está o maior mercado consumidor de combustíveis. Segundo fontes, companhias chinesas, como a CNOOC e CNPC, já mostraram interesse em participar do negócio, além de comercializadoras (traders), como Glencore e Vitol. Durante a apresentação, o presidente da Petrobras disse que a proposta de vender o controle das refinarias reforça a garantia da manutenção da política de preços livres dos combustíveis e cria maior atratividade para os investidores.

— A política de preços é uma variável-chave para o investimento. A discussão na sociedade é difícil, mas tenho convicção de que a empresa não tem outro caminho — afirmou Parente. — Essa operação é relevante para ajudar a gerar caixa para reduzir a dívida da companhia, mas tem um sentido estratégico muito mais amplo para a Petrobras. Tem uma ligação maior com a política pública, e este evento aqui já é um passo nessa direção, para podermos ter uma avaliação de política pública com representantes do setor.

Para Oddone, o consumo de combustíveis no Brasil tende a crescer, aumentando a demanda por investimentos nas refinarias. Segundo ele, o país deve chegar em 2026 importando 1 milhão de barris de derivados por dia, contra os atuais 600 mil.

— O Brasil tem um mercado de combustíveis em expansão. Tem petróleo, e a oferta de refino no mercado mundial está longe, representando um maior custo. Temos todas as condições de atrair investimentos — disse Oddone.

Felipe Perez, diretor da consultoria IHS, destaca que ainda há potencial de crescimento desse mercado em toda a América Latina, que hoje importa 2,5 milhões de barris de derivados por dia. Já na Europa e nos EUA, há uma previsão de estagnação do consumo de combustíveis. Mas ele lembra que há uma série de desafios para a Petrobras seguir adiante com o plano apresentado ontem:

— É preciso definir regras como o acesso ao mercado, já que a Petrobras poderá ter sócios diferentes competindo pelo mesmo mercado. O Sudeste também poderia ter entrado no negócio, por ser o principal centro de consumo do país. A empresa precisa definir muito bem esses pontos, mas está na direção certa.

O consultor Adriano Pires, do Centro Brasileiro de Infraestrutura (CBIE), avalia que a venda seria mais atraente para investidores se envolvesse 100% das refinarias:

— A venda de 100% seria mais interessante. Como a Petrobras é uma estatal, ser seu sócio já traz um nível de risco. Isso porque um futuro governo pode querer mudar as regras.

VENDA DE REDE DE DUTOS NO NORDESTE

Giovani Loss, sócio do escritório Mattos Filho, classifica o anúncio da Petrobras como um primeiro passo para a saída da área de refino. A história da estatal no segmento se confunde com o seu desenvolvimento. A Rlam, que será posta à venda, foi a primeira refinaria do país, criada em 1950 e incorporada pela Petrobras em 1953, data de sua fundação.

— Todo esse projeto será discutido com o mercado. Como tudo é muito novo, é difícil saber qual seria o melhor formato de venda. Mas é positivo, pois tende a aumentar a concorrência — diz Loss.

Segundo a Petrobras, estabelecer parcerias em blocos tem como objetivo assegurar a competição de mercado. O argumento da empresa é que manteria sua “condição hegemônica”, sem permitir a criação de um mercado competitivo, se buscasse um parceiro para todo o parque de refino.

Parente explicou que essas refinarias foram escolhidas por representarem uma parcela parecida do mercado, cerca de 18% em cada bloco, e de estarem em operação. Ou seja, isso evita qualquer discussão sobre o valor do ativo por conta de investimentos, como é o caso do Comperj, em Itaboraí, no Rio de Janeiro. Parente disse que a companhia ainda está em discussão com a CNPC para construir uma refinaria no Comperj, mas ainda sem uma conclusão.

O presidente da Petrobras disse ainda acreditar que, em duas a três semanas, a companhia possa já ter aprovado o modelo de negócios apresentado. Só então será dado início ao processo de venda, seguindo as regras do Tribunal de Contas da União (TCU). Márcio Félix, do MME, disse que, neste momento, a Petrobras quer debater o assunto e colher sugestões do mercado.

— O objetivo é apresentar a proposta, ouvir a opinião dos especialistas e debater. Eu, por exemplo, não esperava que fosse anunciado antes, mas como tem efeito em Bolsa... — disse o secretário executivo do MME.

A Petrobras também está em processo de venda da NTS, maior rede de dutos do Nordeste. Segundo a Bloomberg, o fundo estatal chinês Silk Road está se unindo à Mubadala Development para, provavelmente, levar uma oferta vinculante à Petrobras. Um consórcio liderado pelo australiano Macquarie Group com a Itaúsa e outro liderado pela empresa francesa de serviços públicos Engie também estão se preparando para fazer ofertas vinculantes. As propostas podem chegar a US$ 8 bilhões.

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Temer assina decreto que abre caminho para privatizar Eletrobras

Leticia Fernandes, Karla Gamba e Moanoel Ventura

20/047/2018

 

 

Para evitar mal-estar, texto condiciona medida à aprovação de projeto no Congresso

-BRASÍLIA- Depois de uma queda de braço com o Congresso, o presidente Michel Temer assinou ontem decreto que inclui a Eletrobras no Programa Nacional de Desestatização (PND) — passo necessário para a privatização da companhia. No entanto, para evitar qualquer mal-estar com os parlamentares, o texto condiciona a medida à aprovação, pela Câmara e pelo Senado, do projeto de lei que define as regras para a privatização da Eletrobras.

A necessidade de esperar a aprovação do projeto põe em dúvida a capacidade do governo de cumprir o plano de privatizar a estatal ainda este ano. A publicação do decreto era defendida justamente para antecipar o rito de contratação de estudos necessários para a operação (que dependem da inclusão da Eletrobras no PND). Eles andariam de forma paralela à tramitação do projeto de lei no Congresso. O governo espera arrecadar pelo menos R$ 12,2 bilhões com a desestatização.

Diante da crise criada com o Congresso por causa do decreto, na semana passada, porém, o governo preferiu esperar o aval dos parlamentares para formalizar os estudos. A edição do decreto foi inicialmente anunciada pelo novo ministro de Minas e Energia, Moreira Franco. Ele disse em seu discurso de posse que Temer publicaria um texto incluindo a Eletrobras no PND.

RESISTÊNCIA ATÉ DA BASE ALIADA

A medida seria o primeiro ato de Moreira à frente da pasta, na tentativa de sinalizar o compromisso do governo com a privatização. As afirmações, no entanto, causaram reação imediata de parlamentares — inclusive do presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ) —, que viram a medida como uma forma de o governo atropelar as discussões em andamento na Câmara.

A assinatura do decreto foi anunciada ontem pelo próprio Temer, em um vídeo de 18 segundos publicado nas redes sociais:

— Acabei de assinar um decreto que autoriza o início dos estudos para capitalização da Eletrobras, tão logo o projeto seja aprovado pelo Congresso Nacional.

A expectativa do governo é que o projeto que trata da privatização da Eletrobras seja aprovado ainda em maio por deputados e senadores. Mas a comissão especial que analisa o tema, na Câmara, está em estágio inicial. A proposta ainda enfrenta resistência no Parlamento, inclusive de membros da base aliada.