O globo, n. 30936, 19/04/2018. Economia, p. 17

 

Dupla jornada

João Sorima Neto, Ramona Ordoñez e rennan Setti

19/04/2018

 

 

Presidente da Petrobras aceita convite de Abilio para liderar Conselho da BRF, e ação dispara 9,5%

-SÃO PAULO, BRASÍLIA E RIO- O presidente da Petrobras, Pedro Parente, aceitou ontem o convite do empresário Abilio Diniz para substituí-lo à frente do Conselho de Administração da BRF. Foi mais um lance da disputa acionária travada entre Diniz e fundos de pensão na cúpula da empresa, maior processadora de carne de frango do mundo e dona das marcas Sadia e Perdigão, que acumula prejuízos de R$ 1,5 bilhão nos últimos dois anos. A notícia levou as ações da BRF a saltarem 9,51% ontem, a maior alta desde 2011. Parente, que também é presidente do Conselho de Administração da B3 (antiga BM&F Bovespa), manterá o cargo de presidente executivo da Petrobras, cuja recuperação que iniciou há quase dois anos ainda está em curso. Na BRF, ele não participará da gestão da empresa, mas atuará na supervisão das decisões estratégicas da diretoria da companhia para sair da atual crise.

Parente só assumirá o Conselho da BRF se seu nome for aprovado na assembleia geral de acionistas da companhia, convocada para o próximo dia 26. Uma nova reunião extraordinária do Conselho será realizada hoje para chancelar a indicação. O convite de Abilio, que vem adiando renunciar à presidência do Conselho da BRF nas últimas semanas, foi mais uma tentativa do empresário de manter influência na empresa. Parente funciona como o nome de consenso entre Abilio e os fundos de pensão. Até anteontem, a tentativa de acordo passava pela indicação do ex-ministro Luiz Fernando Furlan, um dos principais acionistas da empresa, para o cargo.

Em comunicado, a Península, gestora de recursos da família Diniz, confirmou que foi Abilio quem propôs o nome de Parente na busca de “um nome de consenso entre os principais acionistas da BRF”. Os fundos de pensão Previ (dos funcionários do Banco do Brasil) e Petros (da Petrobras), que pediram a saída de Abilio, também divulgaram nota apoiando a indicação de Parente para o cargo. O mesmo fez a gestora de recursos Tarpon, que sempre foi aliada de Abilio.

A indicação de Parente foi bem recebida pelos investidores. As ações da BRF já subiam em torno de 3,5% pela manhã, depois de o governo brasileiro ter liberado a retomada das exportações de aves da BRF para a União Europeia (UE), embora a expectativa seja que as unidades da empresa sejam alvo de embargo. Mas dispararam no início da tarde, quando a notícia sobre Parente começou a circular no mercado. As ações da BRF fecharam ontem com alta de 9,51%, em R$ 23,04. A sessão da B3 registrou o maior volume movimentado pelos papéis da BRF em mais de um mês.

R$ 1,62 BI RECUPERADOS EM UM DIA

No início da noite, Parente admitiu, por meio de nota, que aceitou submeter seu nome à assembleia da BRF, informando ter sido convidado para a presidência do conselho por acionistas detentores de posições acionárias relevantes da empresa. Parente esclareceu que, caso sua indicação seja aprovada, vai apresentar seu pedido de renúncia à B3 para cumprir a restrição estabelecida em sua posse na Petrobras de só participar do conselho de uma única empresa alheia à estatal, sem que haja conflito de interesses. Na nota, ele também destacou que “não haverá qualquer mudança” no exercício de seu papel à frente da Petrobras.

Com a alta de ontem na Bolsa, a BRF recuperou em um único pregão R$ 1,62 bilhão em valor de mercado. No ano, porém, com a disputa acionária e os desdobramentos da operação Carne Fraca, a empresa segue amargando perda de 37% em seu valor na Bolsa, equivalente a R$ 11 bilhões. Em 2015, a BRF chegou a valer R$ 62,9 bilhões na Bolsa. No fechamento de ontem, valia R$ 18,7 bilhões.

— O papel estava apanhando de uma maneira que não é normal. A junção de uma indicação de nomes fortes para o conselho, de um pregão com fluxo muito positivo e de uma ação já muito desvalorizada resulta nessa correção — afirmou Hersz Ferman, da Elite Corretora.

Para representantes de acionistas da BRF ouvidos pelo GLOBO, Parente tem credibilidade para resgatar a imagem da BRF, que foi duramente arranhada depois das investigações da Operação Carne Fraca, que apuram suspeitas de fraudes em laudos sanitários e resultaram inclusive na prisão de ex-executivos da empresa. A avaliação é que Parente está fazendo um trabalho de recuperação da imagem e da gestão da Petrobras, arranhada pela Operação Lava-Jato.

— É um nome de peso e credibilidade. Uma ótima cartada neste momento em que não havia consenso entre os acionistas em torno dos nomes para presidir o conselho — disse uma fonte.

DESAFIO DE CONCILIAR REESTRUTURAÇÕES

Por outro lado, há preocupações com a capacidade de o executivo dividir seu tempo entre as duas empresas. Isso porque a BRF, diferentemente da B3, passa por um momento crítico que demanda a tomada de uma série de decisões estratégicas que envolvem o conselho. Além disso, a recuperação da Petrobras, que está diretamente nas mãos de Parente, ainda não está completa. A empresa segue contabilizando prejuízos há quatro anos, como o de R$ 446 milhões em 2017, e tem uma série de desafios pela frente, como a redução do endividamento, a venda de ativos e a negociação com o governo da revisão do contrato de cessão onerosa pelo qual a estatal recebeu o direito de explorar até cinco bilhões de barris de petróleo na área do présal. Do acordo deve sair um leilão que pode render até R$ 100 bilhões em arrecadação.

— Parente vai acumular dois cargos importantíssimos, como diretor-executivo de uma empresa enorme e presidente do conselho de outra grande empresa, ambas com agendas difíceis no curto prazo — ponderou um dos atuais integrantes do Conselho da BRF.

O atual diretor-executivo da BRF, José Aurélio Drummond, que foi indicado com apoio de Abilio, deve ser mantido no posto. Em Brasília, fontes da área econômica disseram que a decisão de Parente foi pessoal. Não houve pedido do governo para que o presidente da Petrobras ajudasse a BRF.

Para Luiz Marcatti, sócio da Mesa Corporate, consultoria especializada em governança corporativa, não há conflito de interesses ou impedimento legal para que Parente se mantenha na Petrobras e atue no conselho da BRF. Até porque o presidente do conselho dá as diretrizes e define os grandes objetivos corporativos da empresa, e não toma as decisões sozinho. Já o presidente ou diretor-executivo de uma companhia está diretamente responsável pela gestão e execução dos planos estratégicos e de negócios.

— Não há conflito entre Parente ser presidente da Petrobras e ocupar o posto de presidente do Conselho da BRF. Um presidente de empresa precisa, em geral, da autorização do conselho da mesma para assumir um assento no conselho de outra companhia — diz Marcatti. — Outra questão é a disponibilidade de tempo para exercer essa função adicional. Nesta fase de problemas da BRF, Parente precisará destinar um bom tempo de sua agenda para alcançar os resultados que se espera dele.

Além da disputa no conselho, a BRF sofre com o possível embargo às exportações de carne de frango pela União Europeia. A empresa, que abate sete milhões de aves por dia, anunciou férias coletivas em pelo menos quatro unidades para ajustar a produção. (Colaborou Martha Beck)

 

OS DESAFIOS DE CADA EMPRESA

- Petrobras

DÍVIDA. Um dos maiores desafios é reduzir o endividamento, de US$ 109,3 bilhões no fim de 2017. A relação entre dívida bruta e geração de caixa precisa cair de 3,2 para 2,5 até o fim do ano.

VENDA DE ATIVOS. A estatal tem dificuldades para avançar com o seu plano de desinvestimentos para arrecadar US$ 21 bilhões. Em fevereiro, por exemplo, o Cade impediu a venda da Liquigás para o Grupo Ultra, que renderia R$ 2,8 bilhões.

CESSÃO ONEROSA. A estatal negocia com o governo a revisão do contrato pelo qual a estatal recebeu o direito de explorar até cinco bilhões de barris de petróleo na área do pré-sal, em 2010.

POLÍTICA DE PREÇOS. A empresa busca autonomia para definir os reajustes de preço dos combustíveis, que passaram a ser quase diários desde junho.

 

- BRF

PREJUÍZOS. A empresa precisa reverter prejuízos de R$ 1,5 bilhão acumulados nos últimos dois anos. Foram os primeiros prejuízos desde a criação da BRF em 2009, resultado da fusão entre Sadia e Perdigão.

IMAGEM ARRANHADA. Investigada na operação Carne Fraca, da Polícia Federal, por suspeita de uso de material impróprio na fabricação de alimentos e fraudes em laudos sanitários, a empresa teve ex-executivos presos e unidades interditadas.

BRIGA SOCIETÁRIA. Conflito entre acionistas se arrasta há mais de um mês, sem consenso para formar um novo Conselho de Administração.

VALOR DE MERCADO. Falta previsibilidade para a gestão da companhia recuperar a confiança dos investidores e reverter a perda de mais de 40% do valor das ações na Bolsa só este ano