O globo, n. 30951, 04/05/2018. País, p. 3

 

Foro limitado

Carolina Brígido, André de Souza e Eduardo Bresciani

04/05/2018

 

 

Só serão julgados pelo STF crimes cometidos durante o mandato e relacionados ao cargo

-BRASÍLIA- Por unanimidade, o Supremo Tribunal Federal( STF) decidiu ontem restringir o foro privilegia dopara deputados e senadores. E por maioria devotos (7 a 4) ficou defini doque só serão processados na Corte os parlamentares investigados por fatos relacionados ao mandato, cometidos durante o exercício do cargo. A decisão vai provocara transferência de inquéritos e ações penais para a primeira instância do Judiciário.

Ainda não há um levantamento de quantos processos serão afetados, até porque muitas situações, segundo o próprio autor da proposta, o ministro Luís Roberto Barroso, continuam em aberto. Ele reconheceu que, em alguns casos, será difícil definir se o crime cometido durante o mandato tem ou não relação com o exercício do cargo. Entre os 21 inquéritos com denúncia e ações penais que integram a Lava-Jato e seus desdobramentos no STF, dez devem permanecer na Corte, dez geram dúvidas sobre qual será seu destino e apenas um deve descer. Barroso destacou a importância de decisão: — É uma decisão simbolicamente importante porque ajuda a restringir um regime de privilégio em um momento em que a sociedade brasileira tem uma grande demanda por republicanismo e igualdade.

O ministro afirmou que cada caso terá de ser analisado por seu relatora partir doque foi definido no julgamento.

— Há muitas situações em aberto. É um princípio geral que estabelecemos. É preciso que venham outros casos com suas peculiaridades para que se possa definir cada situação. Você vai ter certezas negativas (sem ligação com o mandato). Por exemplo, um atrito com um vizinho. E vai ter certezas positivas (ligação com o mandato), como uma propina para aprovar uma medida provisória — disse Barroso.

Ao longo do julgamento, que começou no ano passado, os ministros apresentaram números bem diferentes. Barroso citou um estudo da Fundação Getúlio Vargas (FGV) segundo o qual 95% dos processos que hoje estão no STF seriam transferidos para a primeira instância. Mas Alexandre de Moraes afirmou, na quarta-feira, que, em seu gabinete, esse índice não passaria de 20%. Ontem, Barroso informou que vai despachar nos próximos dias os casos de seu gabinete com base na nova premissa, mas não soube estimar quantos processos descerão.

 

OAB ELOGIA DECISÃO

Pela decisão tomada ontem, ao fim do mandato do parlamentar, a investigação aberta no STF será transferida para a primeira instância. Isso só não acontecerá se a ação penal já estiver pronta para ser julgada. A medida serviria para evitar adiar a conclusão do processo. Os crimes praticados antes de a pessoa ser eleita não serão processados na Corte. Crimes comuns também ficarão fora do STF. Se, por exemplo, um senador for acusado de violência doméstica, o processo também será conduzido na primeira instância, ainda que o ato tenha sido praticado ao longo do mandato. Atualmente, qualquer crime cometido por deputados federais e senadores, antes ou durante o mandato, é julgado apenas no Supremo.

A decisão do STF deixa algumas lacunas. Pela tese defendida por Barroso, um crime cometido por um parlamentar quando ele era governador irá para a primeira instância, e não para o Superior Tribunal de Justiça (STJ), onde governadores são julgados. Mas outros ministros terão liberdade de decidir de modo diferente. Há também uma discrepância. O foro foi limitado apenas para congressistas. Integrantes do Executivo, do Judiciário e do Ministério Público não foram enquadrados na nova regra. Barroso avaliou que a decisão tomada ontem abre a possibilidade de discutir a aplicação de balizas semelhantes para outras autoridades.

Concordaram com o relator Rosa Weber, Marco Aurélio Mello, Edson Fachin, Luiz Fux, Celso de Mello e a presidente do tribunal, Cármen Lúcia. Os outros quatro ministros também defendem que parlamentares sejam investigados no STF apenas por crimes cometidos ao longo do mandato. Mas queriam que o foro valesse para todos os crimes. Do grupo minoritário, Dias Toffoli e Gilmar Mendes queriam restringir o foro para todas as autoridades que têm esse direito.

A OAB classificou a decisão do STF como um passo concreto contra a impunidade. “A decisão de restringir o alcance do foro por prerrogativa de função está em compasso com as aspirações democráticas e republicanas descritas na Constituição Federal de 1988. O julgamento marca uma evolução do direito nacional na busca pela eliminação dos privilégios que aumentam o fosso entre algumas autoridades públicas e a população em geral

 

Perguntas e respostas

Qual a nova regra que o STF aprovou para o foro privilegiado?

Só permanecerão no STF processos sobre fatos ocorridos ao longo do mandato parlamentar, com relação direta ao cargo.

Quais processos sairão do STF?

Processos sobre fatos ocorridos antes ou depois do mandato parlamentar, além de crimes comuns, sem qualquer relação com o cargo ocupado.

Quem será atingido com a mudança?

Apenas deputados federais e senadores. Outras autoridades têm foro no STF, como ministros de Estado e o presidente da República. Alguns ministros avaliam que, no futuro, a regra acabará sendo estendida para todas as autoridades.

Quem define se o crime investigado tem ou não relação com o mandato parlamentar?

O relator de cada processo, no exame individualizado da causa.

Para onde vão os processos que sairão do Supremo Tribunal Federal?

A proposta aprovada determina que todos os casos seguem para a primeira instância. Mas há ministros que discordam. Um deputado que cometeu o crime quando era governador, por exemplo, teria que ser julgado pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ), que é o foro indicado para o cargo. Como essa decisão caberá ao relator de cada processo, há chance de haver diferenças nas condutas de cada ministro.

Quantos processos sairão do STF?

Ainda não há um levantamento preciso sobre a consequência da decisão tomada pela Corte. Segundo a Fundação Getúlio Vargas (FGV), a mudança atingiria 95% dos processos. Mas o ministro Alexandre de Moraes disse que, em seu gabinete, o índice não passaria de 20%.

Quando termina o mandato, o processo continua no STF?

Não. Ao fim do mandato, a investigação aberta na Corte será transferida para a primeira instância do Judiciário. Isso só não aconteceria se a ação penal já estivesse totalmente instruída, pronta para ser julgada. Os ministros decidiram manter esses casos no STF para evitar adiar a conclusão do processo.

O que acontece com a PEC do foro que tramita no Congresso?

A decisão do STF tem validade imediata. Mas a PEC no Congresso é mais extensa, porque acaba com o foro privilegiado para todas as autoridades, menos para os presidentes dos Três Poderes. Se a proposta for aprovada, inclusive juízes e integrantes do Ministério Público não terão mais essa prerrogativa.

 

DESTINO DE CASOS HOJE NO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL

 

DESCEM PARA A 1ª INSTÂNCIA

- AÉCIO NEVES.

Em um dos nove processos a que responde no Supremo, o senador tucano é investigado por ter recebido da Odebrecht propina de R$ 5,2 milhões na construção da Cidade Administrativa, quando era governador de Minas Gerais (2003-2010). Pela tese aprovada no STF, o inquérito deixa a Corte e vai para a primeira instância.

 

- FERNANDO BEZERRA.

O senador foi denunciado pela PGR pelo recebimento de R$ 41,5 milhões de propina de empreiteiras que executaram obras na refinaria Abreu e Lima, em Pernambuco. À época, ele ocupava cargos no governo estadual. Caberá a Edson Fachin, relator do caso, mandar o processo à primeira instância, como defende a proposta de redução do foro.

 

FICAM NO STF

- QUADRILHÃO DO PMDB.

Em setembro de 2017, a PGR denunciou senadores do PMDB, acusando-os de integrar uma organização criminosa que desviou dinheiro dos cofres públicos. Os alvos foram Edison Lobão (MA), Jader Barbalho (PA), Renan Calheiros (AL), na foto, Romero Jucá (RR) e Valdir Raupp (RO). Segundo a denúncia, a atuação criminosa prosseguiu até os “dias atuais”.

 

- ROMERO JUCÁ.

O senador é réu no STF por ter recebido R$ 150 mil da Odebrecht em doação eleitoral, em 2014. Em troca, teria usado o mandato para apresentar emendas em projetos que favoreceram a empreiteira. Como o caso é relativo ao mandato, seria mantido no Supremo mesmo com a alteração na regra. Ele é acusado de corrupção passiva e lavagem de dinheiro.

 

DÚVIDA

- QUADRILHÃO DO PP.

A PGR denunciou um grupo de parlamentares do PP por atuação na organização criminosa investigada na Lava-Jato que desviou dinheiro dos cofres públicos. O grupo, que inclui o presidente do partido, senador Ciro Nogueira (foto), teria atuado até 2014, antes do mandato atual. Casos ocorridos em mandatos anteriores são uma questão em aberto.

 

- JAIR BOLSONARO.

O deputado responde a processo por ter afirmado, em 2014, que sua colega Maria do Rosário não servia para ser estuprada por ser feia. Sua defesa afirma que sua declaração está protegida pela imunidade parlamentar. Caberá ao Supremo decidir se o caso tem relação com a função e como fica a situação pelo fato ter ocorrido no mandato anterior.